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ARTIGO 3: AS ESTRATÉGIAS DO PODER NO CONTEXTO

4 APRESENTANDO OS RESULTADOS

4.3 ARTIGO 3: AS ESTRATÉGIAS DO PODER NO CONTEXTO

(1956-2001)

AS ESTRATÉGIAS DO PODER NO CONTEXTO DA MATERNIDADE CARMELA DUTRA-FLORIANÓPOLIS-SC

(1956-2001)*

STRATEGIES OF POWER IN THE CONTEXT OF MATERNITY CARMELA DUTRA-FLORIANÓPOLIS-SC (1956-2001)

LAS ESTRATEGIAS DE PODER EN EL CONTEXTO DE LA MATERNIDAD CARMELA DUTRA-FLORIANÓPOLIS-SC

(1956-2001)

**Gregório, VRP, *** Maria Itayra Padilha

* Este manuscrito contém os resultados da tese de doutorado intitulada “A historicidade das práticas de cuidado na Maternidade Carmela Dutra (1956-2001)”, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina em fevereiro de 2011. ** Doutoranda em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. Docente do Depto de Enfermagem da UFSC. Membro do Grupo de Estudos da História do Conhecimento em enfermagem e Saúde (GEHCES). E-mail: vitoria@nfr.ufsc.br Correspondência: Vitória Regina Petters Gregório. Rua João Pio Duarte Silva n° 1070 apt. 504 Bl D. Córrego Grande. Florianópolis- Santa Catarina- CEP- 88037001. *** Professora Associada do Departamento de Enfermagem da UFSC. Doutora em Enfermagem pela Escola Anna Nery (UFRJ). Pós-Doutora pela Lawrence Bloomberg Faculty of Nursing at University of Toronto. Canadá. Líder do GEHCES. Pesquisadora do CNPq. E-mail: padilha@nfr.ufsc.br

RESUMO

Este estudo objetivou analisar as estratégias do poder no contexto da Maternidade Carmela Dutra, Florianópolis – Santa Catarina, no período de 1956 a 2001. Pesquisa qualitativa com abordagem sócio-histórica. Foram entrevistadas nove enfermeiras, utilizando a técnica de História Oral Temática. Os dados foram categorizados utilizando-se Análise de Conteúdo Temática e com base no referencial foucaultiano. Emergiram cinco categorias: o poder no espaço de parir; o uso do uniforme como estratégia de poder; refeitório: espaço de sociabilidade e poder; registro: a convergência e divergência dos olhares e saberes; visita médica: espaço de poder-saber. Os resultados indicam que a atuação da enfermeira na Maternidade foi consolidando sua profissionalização e ascensão na hierarquia da instituição e na sociedade. A evolução resultou numa emancipação da figura profissional da enfermeira, evidenciando o movimento e a flexibilidade do poder. A enfermeira

convive no cotidiano da instituição com disputas, interesses e repressões enraizados nos contextos sociais, culturais e políticos revelados no interior das práticas de cuidado.

Descritores: Enfermagem Obstétrica; História da Enfermagem; cuidado.

ABSTRACT

This study examines the strategies of power in the context of Maternity Carmela Dutra, Florianópolis - Santa Catarina, in the period 1956 to 2001. Qualitative research with socio-historical approach. Nine nurses were interviewed using the technique of thematic oral history. The data were categorized using qualitative analysis and based on Foucaultian referential. Five categories emerged: the power to give birth in space, the use of uniforms as a strategy of power, refectory, space for sociability and power, records: the convergence and divergence of views and knowledge; medical visit: a place of power-knowledge. The results indicate that the role of the nurse in the maternity was consolidating its professionalism and the rise in the hierarchy of the institution and society showing the movement and flexibility of power. The nurse in the daily lives in the institution with disputes, interests and repressions embedded in social, cultural and political contexts revealed within the health care practices.

Keywords: Obstetrical Nursing. Nursing History. Care.

RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo analizar las estrategias de poder en el contexto de la Maternidad Carmela Dutra, Florianópolis – Santa Catarina, durante el período de 1956 a 2001. Investigación cualitativa con abordaje socio-histórico. Fueron entrevistadas nueve enfermeras, utilizando la técnica de Historia Oral Temática. Los datos fueron categorizados utilizando Análisis de Contenido Temático, con base en el referencial foucaultiano. Emergieron cinco categorías: el poder en el espacio de parir; el uso del uniforme como estrategia de poder; comedor: espacio de sociabilidad y poder; registro: la convergencia y divergencia de las miradas y saberes; visita médica: espacio de poder- saber. Los resultados indican que la actuación de la enfermera en la Maternidad fue consolidando su profesionalización y ascensión en la jerarquía de la institución y en la sociedad evidenciando el movimiento y la flexibilidad del poder. La enfermera convive en el cotidiano de la institución con disputas, intereses y represiones arraigados en los contextos sociales, culturales y políticos revelados en el interior de las

prácticas de cuidado.

Descriptores: Enfermería Obstétrica; Historia de la Enfermería; cuidado.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Analisar as estratégias de poder construídas nas relações instituídas no contexto hospitalar configura-se como uma alternativa para desvelar o cotidiano das práticas de cuidado desenvolvidas na Maternidade Carmela Dutra (MCD). As relações de poder estabelecidas no contexto das instituições de saúde entre as diversas disciplinas que ali desempenham suas atividades vêm sendo historicamente discutidas por vários autores.1-3 As diferentes profissões ou especializações da saúde produzem, por meio de seus saberes e práticas, territórios específicos onde circulam certos ordenamentos ligados a saberes mesclados por estratégias e jogos de poder.

Por estratégias de poder segundo a perspectiva foucaultiana entende-se o “conjunto de meios utilizados para fazer funcionar ou para manter um dispositivo de poder. Também se pode falar da estratégia própria das relações de poder na medida em que elas constituem modos de ação sobre a ação possível, eventual, suposta dos outros”.4-5

Esse movimento pode servir para otimizar a capacidade produtiva dos profissionais da instituição e controlar seu comportamento, intensificando a relação docilidade-utilidade, promovendo a gestão do indivíduo e tornando-o disciplinado.

A disciplina é uma técnica do exercício do poder. Se revisitarmos a história, encontraremos a disciplina já na antiguidade, porém no século XVIII esse exercício foi aperfeiçoado em seus princípios fundamentais como uma nova técnica de gerir os homens. A disciplina é a análise do espaço, a inserção dos corpos em espaços individualizados e classificatórios, exerce controle minucioso da atividade, implica vigilância constante do indivíduo e envolve o registro contínuo das atividades. Portanto, a disciplina é um conjunto de técnicas pelas quais os sistemas de poder têm por alvo e resultado os indivíduos em sua singularidade. É o poder de individualização que tem o exame como instrumento fundamental.4

O contexto objeto de análise neste estudo é a MCD, inaugurada em 03 de julho de 1955. Porém, devido à carência de recursos humanos, só começaria a oferecer seus serviços a parturiente e o recém-nascido em fevereiro de 1956. A MCD foi construída com o objetivo de atender a população indigente. Recebeu esse nome em homenagem a Carmela Leite Dutra, esposa do então presidente do Brasil General Eurico Dutra

(1946- 1951). Subordinada à Secretaria de Saúde e Assistência Social, sua administração e organização ficou sob responsabilidade das religiosas da Divina Providência, sendo Irmã Hortênsia a Madre Superiora, e o diretor geral o médico Biase Agnesino Faraco.6-7

Em fevereiro 1956, os primeiros profissionais que ocuparam os espaços no cenário da MCD foram as Irmãs da Divina Providência, médicos, parteiras e profissionais treinados na instituição. Em abril do mesmo ano acontece a inserção da primeira enfermeira freira Irmã Cacilda12 (nome de batismo Ottille Hammes), surgindo conflito e resistência ao poder institucionalizado. Sucederam-na outras enfermeiras freiras na Maternidade, como, por exemplo: Irmã Lúcia Böing, Irmã Alice Rigo, Irmã Áurea, após as quais retorna a Irmã Cacilda. Esse esquadrinhamento de enfermeiras religiosas foi modificado quando em 1968 termina o contrato das irmãs com o Governo de Estado e elas se retiraram da instituição. O serviço de enfermagem passa a ser coordenado por enfermeiras leigas, mas na Sala de Parto as práticas de cuidado continuam sendo organizados por parteiras e médicos. Em 1973, com o ingresso da primeira enfermeira obstétrica na Sala de Parto, fica mais evidente a disputa por espaços e estratégias de poder, notando-se a mobilidade na rede do poder-saber. Na década de 1970 também surgem outros personagens no contexto da MCD, como os alunos de medicina, de enfermagem e médicos residentes. Em 1974, com a saída da enfermeira obstétrica, outras enfermeiras generalistas foram chefes do serviço da Sala de Parto, mas sem ingerência sobre as parteiras, que, em maior número, organizavam o serviço com o aval dos médicos obstetras. Em 1985, outra enfermeira obstetra é inserida na Sala de Parto e nova organização fica evidenciada, com novas forças atuando na rede de poder-saber. Em 1986, com a regulamentação do exercício profissional de enfermagem, houve restrição na atuação da parteira, surgindo novo esquadrinhamento no contexto da Sala de Parto, contribuindo para a flexibilização na rede poder-saber. Desde então, muitos acontecimentos e rupturas passaram a ocorrer no contexto da Maternidade, mas para a enfermagem da MCD um ponto de ruptura maior acontece no ano 2001, quando o Governo do Estado nomeia a enfermeira Evanguelia Kotzias Atherino dos Santos para sua Direção Geral.

Como podemos observar, a história da MCD e das pessoas

______________

12 No decorrer do estudo, Ottille Hammes será nominada Irmã Cacilda, pois este era o nome

que utilizava à época, devido ao fato de ser religiosa na Congregação das Irmãs da Divina Providência.

responsáveis pelo cuidar foi alvo de mudanças no percurso do tempo estudado, e estratégias foram utilizadas para modificá-las. Essas observações nos instigaram a estudar o tema, razão pela qual aqui nos propomos analisar as estratégias do poder no contexto da Maternidade Carmela Dutra, Florianópolis - Santa Catarina, no período de 1956 a 2001. Portanto, o marcador do tempo contemplou o período inicial de 1956, com o ingresso da primeira enfermeira na MCD, a Irmã Cacilda, e o período final de 2001, com a posse da primeira diretora geral enfermeira da MCD, Doutora Evanguelia Kotzias Atherino dos Santos.

METODOLOGIA

Trata-se de pesquisa qualitativa com abordagem sócio-histórica. Para a coleta de dados foi utilizada a técnica da História Oral Temática, gênero da história que tem como objetivo abordar assuntos específicos e previamente estabelecidos.8 Os sujeitos da pesquisa foram nove enfermeiras que trabalharam na MCD no período entre 1956 e 2001, as quais foram entrevistadas de fevereiro a julho de 2009, com o recurso da técnica bola de neve9, até a saturação dos dados. O tempo médio das entrevistas foi de aproximadamente três horas, em locais de escolha das entrevistadas. As entrevistas foram gravadas com gravador digital e posteriormente transcritas, sendo validadas pelos sujeitos de julho a setembro de 2009. Também foram utilizadas outras fontes documentais, como: jornais, livros de passagem de plantão, livros de ocorrências e fotos. Os dados foram organizados pela técnica de Análise de Conteúdo Temática de Minayo (2004).10 A análise dos dados foi fundamentada no referencial teórico-filosófico de Michel Foucault, autor que estabelece um diálogo com as bases filosóficas e históricas contemporâneas ao pensar os acontecimentos do passado, na perspectiva de iluminar a história para interpretá-la.11 Suas obras “Vigiar e Punir” e “Microfísica do Poder”, que trabalham o poder disciplinar, foram as referências fundamentais para a análise dos dados.

A análise dos dados revelou cinco categorias: o poder no espaço de parir; o uso do uniforme como estratégia de poder; refeitório: espaço de sociabilidade e poder; registro: a convergência e divergência de olhares e saberes; visita médica: espaço de poder-saber. O projeto de pesquisa foi avaliado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UFSC e aprovado por parecer exarado no processo protocolado sob o nº 003/09. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, a Carta de Cessão da entrevista e o uso de imagens fotográficas, de acordo com as Resoluções 196/96 e 251/97 do Conselho Nacional de Saúde. As enfermeiras sujeitos do

estudo serão identificadas pelo seu primeiro nome.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na análise das entrevistas realizadas com as enfermeiras emergiram cinco categorias referentes a estratégias de poder no contexto da MCD, como se discrimina a seguir.

O poder no espaço de parir

Nessa categoria focalizamos a Sala de Parto, ambiente onde profissionais médicos, enfermeiras e parteiras desenvolviam atividades que mais denotavam relações de poder-saber, lutas e resistências visando à garantia do espaço profissional e a hegemonia do poder de uns sobre outros.

Com base na perspectiva foucaultiana, entendemos que o poder não é propriedade ou privilégio de ninguém nem de nenhuma classe social. O poder é relacional e está presente no corpo social. O poder não resulta de uma conquista, mas de uma luta contínua e difusa; não apresenta uma configuração fixa, permitindo inversão nas suas relações. Novos sujeitos surgem com novos poderes e saberes, mostrando que as relações de força estão em constante movimento. O poder é algo que se propaga, que só funciona em rede.4,12

Sob essa perspectiva buscamos analisar as estratégias de poder que ocorreram na Sala de Parto da MCD, partindo do pressuposto que ali circulavam condutas, procedimentos, normas e controle das ações entre os profissionais. Foi possível observar como emergiu o poder no interior das práticas de cuidado, onde ele circulou, se manifestou e se concretizou. Os discursos das enfermeiras evidenciaram algumas das estratégias de poder que ocorriam naquele contexto.

Marli Amon ficou como enfermeira-chefe e responsável pela unidade de internação de quartos e apartamentos. Coleta Rinaldi, com a chefia dos berçários de normais e prematuros e eu na chefia da sala de parto e responsável pelo setor de internação da obstetrícia e ginecologia das pacientes não pagantes [...]. Até nossa chegada, não havia enfermeira responsável pelo centro obstétrico, o médico plantonista e o médico residente eram as principais referências, mas as parteiras tinham grande ingerência nesse setor. Assim, quando assumimos, tivemos o prazer de sentir que éramos respeitadas, mas também o desprazer de enfrentar a resistência por parte das parteiras [...]. Como já disse, havia apenas três médicos residentes e eu sempre recorria a eles para sanar minhas dúvidas, [...]. Eles (os residentes), especialmente meu noivo, me alertaram: as parteiras sabem muito da

prática, mas não têm embasamento científico. Você é muito jovem e está começando; se perguntar a elas, talvez não entendam isso e pensarão que você não sabe nada ( 1973) (Ana Maria).

Eu evitava às vezes entrar com as parteiras, geralmente entrava nos partos com os residentes, porque eu observava que apesar da competência que elas tinham da atuação prática, em termos de conhecimento teórico [...] era um pouco limitadas [...]. Às vezes lembro-me de situações assim de que a parteira deixava a parturiente em posição ginecológica e ia atender a porta, e eu, como enfermeira que me sentia responsável pelo serviço, chegava lá e dizia “olha, você não pode fazer isso, e se o parto evoluir e o recém-nascido cair? [...] Aí às vezes elas diziam pra mim, na cara dura: Sim, mas por que você que é enfermeira e chefe do setor, não entra no parto? [...] [...] então muita coisa não se questionava, porque não tinha inclusive o conhecimento produzido sobre isso. Era uma prática que o tratado de obstetrícia inclusive dizia, o Neme e Rezende, fazer tricotomia e enema em todas as mulheres, a gente não tinha publicações científicas, ou pelo menos não tinha acesso porque era uma literatura internacional, dizendo que aquilo não era benéfico (1985) (Odaléa).

[...] os residentes davam muita vez para a parteira, eles não criticavam muito não. Diminuiu o trabalho das parteiras porque eles vinham, faziam o parto, mas elas sabiam bem mais que eles. Elas ensinavam pra eles (1976) (Doraci).

Esses depoimentos falam da relação das enfermeiras com as parteiras, do poder das parteiras na sala de parto pelo seu saber-fazer e disputa pelo espaço e pelo poder-saber quando da inserção da enfermeira obstétrica.

As enfermeiras reconhecem a importância do conhecimento científico para o desenvolvimento de suas atividades, assim como para a obtenção do respeito por parte dos outros membros da equipe de saúde. Percebe-se que na MCD, antes da inserção das enfermeiras no Centro Obstétrico, as decisões em relação à assistência eram divididas entre parteiras e médicos. O médico residente reconhecia o saber-fazer das parteiras, embora comentasse com a enfermeira sobre a carência de conhecimento científico. No entanto, a enfermeira refere que muitas vezes eram as parteiras que ensinavam os médicos, por sua maior vivência prática, o que lhes conferia certo poder na Sala de Parto. Isso demonstra que o poder-saber na Sala de Parto naquele momento

histórico não estava centrado nem na figura do médico, nem da enfermeira, nem dos residentes, mas circulava entre eles, tangenciado pelo saber-fazer das parteiras.

Como chefe da Sala de Parto a enfermeira sanava suas dúvidas sobre a área obstétrica com os médicos, que, com passar do tempo, apropriaram-se do saber-fazer da parteira, expandindo seu espaço de poder. O discurso “de verdade” que circulava na Sala de Parto, ou seja, “tipos de discurso que os profissionais acolhem e fazem funcionar como verdadeiros”,13 não eram passíveis de questionamento, eram seguidos por todos os profissionais médicos, enfermeiras e parteiras. O enunciado de verdade da época era o discurso fundamentado no saber médico.

Mas as enfermeiras começaram a inquietar-se com algumas práticas de assistência à mulher contrapondo-se a seus objetivos de realizar um cuidado de enfermagem com segurança. Como estratégia de poder-saber, foram em busca da atualização do conhecimento por meio de cursos de especialização como forma de ampliar seu saber na área obstétrica e ter respaldo legal para sua prática, o que vai ao encontro da visão foucaultiana4 de que os sujeitos têm a possibilidade de alterar as relações de poder, ou de reagir a elas.

Em 1986, através da Lei Nº 7.498, foi regulamentado o exercício profissional de enfermagem, inclusive o da enfermeira obstétrica.14 Naquela época, em Santa Catarina não havia oferta de cursos de especialização regular, acontecendo em intervalos de até de cinco anos. Somente em 1999, com apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde (MS), o Departamento de Enfermagem da UFSC iniciou uma série de quatro Cursos de Especialização em Enfermagem Obstétrica, ocorrendo o último em 2005, com patrocínio também da Organização Panamericana de Saúde (OPS). No entanto, apesar dos esforços empreendidos no sentido de formar especialistas, existiam dificuldades relacionadas à liberdade de atuação dessas profissionais,2 o que nos leva a perceber que no espaço de parir circulam relações de poder cristalizadas, enraizadas na crescente centralidade da figura do médico.

A estratégia de fortalecimento do poder médico na MCD se deu com a incorporação do saber-fazer das parteiras e da veiculação de um discurso de verdade científico também assimilado por todos os profissionais médicos, enfermeiras e parteiras.

O uso do uniforme como estratégia de poder

No discurso das enfermeiras, o uso do uniforme era obrigatório e seguia uma determinação baseada na função exercida pelo profissional:

as atendentes usavam vestido azul, e as auxiliares de enfermagem, vestido branco. As enfermeiras e os médicos vestiam de roupa branca. Os profissionais de outras áreas, como zeladoria, nutrição e lavanderia usavam uniforme de cor creme. As irmãs da Divina Providência usavam hábito branco, vestimenta longa, simples e sem adereços.

A respeito dos uniformes, era fornecido pela maternidade. As atendentes usavam vestido azul, abotoado na frente, e as auxiliares de enfermagem, vestido branco. As enfermeiras, eu, por exemplo, usava branco”. [...] depois requisitei os uniformes, pensei em calça comprida para ter mais liberdade de movimento. Porque a gente se agachava, e tinha umas funcionárias e uma enfermeira que usavam vestido muito curto. Então eram: as atendentes de calça comprida azul clara com um jaleco azul, e as auxiliares e enfermeiras, calça comprida branca e um jaleco branco. Introduzi assim. [...] solicitei para direção, eles aceitaram (1968) (Nilsa).

Em relação aos uniformes no cotidiano da prática, a enfermeira Nilsa percebeu que vestido dificultava os movimentos das profissionais, além de muitas vezes deixar o corpo descoberto, daí haver pensado em padronizar uniformes mais práticos e mais adequados aos preceitos morais da época. O depoimento expressa a necessidade de implementar o uniforme para identificar as diferentes categorias profissionais, além