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Artigo 1 – O outro lado da estatística

No documento A estatistica que engana! (páginas 43-47)

3.1. A Estatística e a comunicação social

3.1.1. Artigo 1 – O outro lado da estatística

O primeiro artigo (tabela 1) é um artigo introdutório onde se procurou sensibilizar o leitor para o uso abusivo da estatística nas informações que invadem o seu quotidiano, dando alguns exemplos.

Exemplo 1:

“O consumo de carnes vermelhas ou processadas provoca cancro.”

O primeiro exemplo reflete a facilidade com que se estabelece uma relação causal não tendo em consideração outros aspetos também eles importantes para o desenvolvimento do

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fenómeno, neste caso, o cancro. Este exemplo ilustra também o sensacionalismo criado pelos títulos avançados pela comunicação social após a publicação em Outubro de 2015, pela Organização Mundial de Saúde (OMS), de um estudo sobre o consumo de carnes vermelhas e carnes processadas e a sua relação com o desenvolvimento de cancro. O grupo de trabalho envolvido neste estudo concluiu existirem evidências suficientes entre o desenvolvimento de cancro e o consumo de carnes processadas, no entanto, essas evidências tornavam-se mais limitadas em relação ao consumo de carnes vermelhas e o desenvolvimento de cancro. (Bouvard et al., 2015)

Quando a OMS deu a conhecer este estudo, os noticiários e os títulos de vários artigos de jornais criaram preocupação e alarmismo na população ao darem apenas enfâse ao facto de o consumo de carnes vermelhas e processadas causarem cancro. Só a leitura do feed ou do corpo da notícia permitia esclarecer o leitor sobre a existência de alguma probabilidade entre o desenvolvimento de cancro e o consumo de carnes vermelhas e sobre outros aspetos importantes no combate daquela doença que foram entretanto divulgados pela Direção-Geral de Saúde (DGS) face ao alarmismo criado em torno deste assunto, tais como estilos de vida saudáveis, prática de exercício físico, consumo moderado de carnes vermelhas e processadas e o consumo de frutas e legumes (considerados alimentos protetores) (Direção-Geral de Saúde, 2015).

Exemplo 2:

“90% dos utilizadores do produto P sentiram uma redução acentuada da queda de cabelo!”

Este exemplo ilustra o uso abusivo da estatística pela publicidade para comprovar a qualidade do produto e veracidade dos resultados. No entanto, lendo a informação que, de uma maneira geral, se encontra em rodapé e com um tamanho de letra muito pequeno, constata-se que a amostra é muito reduzida e não é apresentada a sua caracterização, bem como a caracterização do erro amostral. Nestas situações, este erro é geralmente grande e consequentemente a precisão torna-se muito reduzida, ou seja, que o intervalo de confiança tem uma amplitude muito grande. Este problema foi discutido na secção 2.2.1. do capítulo 2 – Falácias Estatísticas.

31 Exemplos 3 e 4:

“As relações sexuais provocam cancro, pois 100% das pessoas que morrem de cancro, ou praticam relações sexuais, ou são filhos de pessoas que praticam relações sexuais”.

“100% das pessoas que comem sopa morrem.” (Ninguém vai dizer que a sopa mata, pois não?)

Estas duas situações exemplificam relações não causais e a sua escolha prende-se também com o facto de tornar a leitura do artigo mais “atrativa” e brincar com a temática exagerando, por exemplo, as conclusões evidentes, abusivas e não causais.

Exemplo 5:

“Foi encontrada a cura para a doença rara R…” (Mas esqueceram-se de salientar que o ensaio foi realizado em ratinhos e ainda não foi testado em humanos!)

Ao longo dos tempos, os estudos realizados com animais ajudaram, e continuam a ajudar a humanidade no tratamento e cura de algumas doenças, no entanto, nem todas as conclusões poderão ser aplicadas aos humanos, pois apesar de existirem semelhanças, existem também diferenças, que podem originar um comportamento diferente quando o tratamento é aplicado aos humanos. Este exemplo foi desenvolvido no Artigo 5 (“Modelos animais e conclusões em humanos…”).

Exemplo 6:

“Nos centros comerciais homens acompanham e as mulheres compram.” (Cuidado com esses senhores que estão cheios de disponibilidade para responder…)

Neste exemplo pretende-se apelar para o bom senso na recolha das amostras, uma vez que se os indivíduos do género masculino apresentam muita disponibilidade para responder a um inquérito, então muito provavelmente não andam a efetuar compras. Estes indivíduos apresentam características e comportamentos diferentes daqueles que não apresentam tanta disponibilidade. Desta forma, a amostra assim recolhida não é representativa da população, existindo a introdução de viés de seleção, já discutido na secção 2.3.1. do capítulo 2 – Falácias Estatísticas.

32 Tabela 1 - Artigo 1: O outro lado da estatística!

O outro lado da estatística!

A publicidade e de modo geral os meios de comunicação social bombardeiam-nos com números, percentagens e resultados estatisticamente significativos. Frequentemente somos convidados a participar destes “números” e de forma voluntariosa damos e tornamos pública a nossa opinião sobre os mais diversos assuntos, respondemos a inquéritos nas lojas, serviços públicos, programas televisivos, correio eletrónico, blogues, redes sociais, etc.. As estatísticas são muitas vezes usadas para dar validade a conclusões e justificar decisões… e a mensagem que se pretende transmitir assim sustentada passa quase como verdade inquestionável.

O uso adequado da estatística para validação de hipóteses parece fundamental, mas o uso dela para criar sensacionalismo e enganar tem de ser revisto. Neste contexto, seguem uma lista de afirmações curiosas:

“O consumo de carnes vermelhas ou processadas provoca cancro.” (Dadas as questões de ética, esta causalidade não será difícil de assegurar!)

“90% dos utilizadores do produto P sentiram uma redução acentuada da queda de cabelo!” (…se lermos as letras pequeninas ao fundo da página verificamos que o produto foi testado num conjunto muito pequeno de pessoas. Porque será?)

“As relações sexuais provocam cancro, pois 100% das pessoas que morrem de cancro, ou praticam relações sexuais, ou são filhos de pessoas que praticam relações sexuais”. 

“Foi encontrada a cura para a doença rara R…” (Mas esqueceram-se de salientar que o ensaio foi realizado em ratinhos e ainda não foi testado em humanos!)

“Nos centros comerciais homens acompanham e as mulheres compram.” (Cuidado com esses senhores que estão cheios de disponibilidade para responder…)

“100% das pessoas que comem sopa morrem.” (Ninguém vai dizer que a sopa mata, pois não?) As estatísticas e a linguagem estatística são apresentadas muitas vezes para criar sensacionalismo: confundindo ou enganando.

Este artigo é o primeiro de uma coleção de artigos onde irão ser apresentados resultados de estudos reais novos ou previamente discutidos na literatura, tentando chamar a atenção do leitor para o sensacionalismo das conclusões, as leituras incompletas ou abusivas, amostras pequenas, estudos mal conduzidos.

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Caso o leitor pretenda dar a sua opinião pode enviá-la para ooutroladodaestatistica@gmail.com.

Autores: Professora Susana Borges / Professora Doutora Vera Afreixo

No documento A estatistica que engana! (páginas 43-47)

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