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O artigo de opinião como gênero discursivo no contexto jornalístico: delineando outros

1 OS ARTIGOS DE OPINIÃO SOBRE AS COTAS RACIAS NA MÍDIA

1.2 Gêneros textuais: dos clássicos aos gêneros discursivos

1.2.4 O artigo de opinião como gênero discursivo no contexto jornalístico: delineando outros

Para complementar nossa percepção sobre a noção de gêneros discursivos nesse trabalho, passemos, agora, para as contribuições de Melo (1985), estudioso da área da comunicação. Segundo o autor, o artigo de opinião se enquadra na categoria dos gêneros jornalísticos e possui duas significações: matéria publicada em jornal ou revista, segundo o senso-comum, e aquela que se refere a um texto em que uma pessoa, jornalista ou não, desenvolve uma ideia e expressa seu ponto de vista. Melo (1985) acrescenta que o artigo de opinião tem “conteúdo amplo e variado, de forma diversa, na qual se interpreta, julga ou explica um fato ou uma ideia atuais, de especial transcendência, segundo a conveniência do

articulista” (p. 92). Para o autor, o articulista possui liberdade de escolher o conteúdo e a

forma do seu texto, mas deve atentar para a atualidade do tema e a ideologia do jornal. A atualidade, nesse caso, não se restringe ao cotidiano imediato, mas sim ao momento histórico em que se vive. Com essa informação, temos mais um elemento para entender a pertinência de se tratar o tema das cotas raciais por meio de artigos de opinião, dado que esse tema, especialmente no que se refere à sua constitucionalidade, esteve na pauta de debates durante os dez anos que antecederam a Lei de Cotas em universidades e institutos federais do país.

Melo (1985) traz as considerações de Vivaldi (1973) para esclarecer que o maior sentido do artigo de opinião está no ponto de vista exposto por alguém. Dessa forma, tal ponto de vista não pode estar oculto, mas deve ser apontado explicitamente. O conteúdo valorativo do texto encontra-se justamente na assinatura que ele apresenta, dado que o leitor, em muitas

ocasiões, procura saber como determinado articulista pensa e reage diante de determinado fato.

Em uma perspectiva formal, são diferenciados dois tipos de artigo: o ensaio, e o artigo propriamente dito. Para Vivaldi (1973, apud MELO, 1985), o artigo apresenta julgamentos mais ou menos provisórios porque é escrito no auge do acontecimento dos fatos. Por outro lado, o ensaio apresenta pontos de vista mais definitivos, por trazer uma compreensão mais abrangente da situação, sistematizando o conhecimento. Dessa forma, enquanto a argumentação trazida no artigo é mais ligada ao conhecimento e sensibilidade próprios do articulista, no ensaio há embasamento em fontes legitimadas por consistência documental. Entretanto, em nosso corpus, esses elementos se associam de tal forma que, com base em Bakhtin (2006), que vê os gêneros discursivos como elementos mais ou menos estáveis, não podemos pensar em uma separação clara entre o artigo de opinião propriamente dito e o ensaio. Inclusive, apesar do fato de as cotas raciais constituírem uma temática relativamente nova na dinâmica dos brasileiros e de terem se mostrado atuais durante todo o período de implantação no país, de 2002 a 2012, falar de Ações Afirmativas de recorte racial é, em grande medida, falar de relações raciais no Brasil. É por essa razão que diversos elementos de caráter documental, como pesquisas e estatísticas, podem ser relacionados à argumentação dos articulistas dos artigos de opinião do Boletim.

Outra importante definição contida em Melo (1985), e que é bastante pertinente ao nosso objeto, diz respeito ao aspecto da finalidade do artigo de opinião, o que faz com que ele apresente duas feições: doutrinário e científico (MELO, 1985, p. 93). Para o autor, o artigo doutrinário corresponde ao artigo jornalístico, com vistas a analisar um fato da atualidade e que sugere aos leitores uma maneira de vê-lo ou julgá-lo: “é uma matéria através da qual o articulista participa da vida da sua sociedade, denotando sua condição de intelectual

compromissado com o presente” (p. 93).

Já o artigo científico tem o objetivo de divulgar a ciência e dividir novos

conhecimentos com seu público. “Não é comum – mas também não impossível – a publicação de artigos científicos nas edições diárias dos jornais (p. 93)”. O autor acrescenta, ainda, que

há certa dificuldade na distinção entre o artigo jornalístico e o artigo científico diante de colaborações que trazem temas vinculados às ciências sociais: “aí a análise científica nem sempre se distingue (pelo menos para o cidadão comum) da mera apreciação jornalística ou

da participação política” (p. 94). Para o autor, a ocorrência de artigos científicos tem se

propõem-se a chamar pesquisadores sociais para dizer o que pensam sobre determinado assunto.

O artigo científico pode ser ainda subdividido de duas formas: artigo de divulgação e o de caráter educativo. O artigo de divulgação relata à população descobertas no campo das ciências e muitas vezes objetiva mostrar de forma breve o estado de determinadas pesquisas, sendo um meio de formular ideias e divulgar pesquisas. Já o artigo de caráter educativo objetiva convencer os leitores a aderir a novas descobertas: “Juan Díaz Bordenave

chama essa unidade redacional de ‘artigo de convencimento direto’, porque sua tarefa

consiste em ir apresentando ao leitor uma série de argumentos que o conduzam a aceitar a

nova descoberta ou ao uso de uma nova tecnologia” (MELO, 1985, p. 94). Nesse sentido, é

possível pensarmos que o artigo de divulgação está relacionado ao domínio jornalístico de características científicas, uma vez que objetiva relatar resultados de estudos em determinada área. Quanto ao artigo de caráter educativo, vemos uma relação com um jornalismo específico, que atende a demandas por determinadas informações. As caracterizações trazidas por Melo (1985) serão retomadas posteriormente para corroborar nossas reflexões acerca das possíveis características que o gênero artigo de opinião poderia assumir quando inserido no contexto de uma publicação jornalística universitária, como é o caso do Boletim da UFMG.