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Publicado no Jornal Universidade (on line) do Instituto Ciência e Fé, ANO 11 - ED 125 - FEVEREIRO DE 2010. Acessível em: http://www.cienciaefe.org.br/JORNAL/ed125/ayahuasca1.html

AYAHUASCA, governo oficiliza uso religioso

Por Michelle de Crejat Duarte

As regras do uso do chá, utilizado em religiões como Santo Daime e União do Vegetal, proibem qualquer tipo de propaganda ou comércio da substância.

O governo brasileiro publicou, no dia 25 de janeiro, no Diário Oficial da União, as regras do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) para o uso religioso do ayahuasca, chá utilizado em cerimônias religiosas. O texto oficializa o uso religioso do composto, porém proíbe qualquer tipo de propaganda e comércio da substância. A norma veta o uso do chá com outras drogas e em eventos turísticos, além de estabelecer um cadastramento das entidades que o utilizam.

O texto foi elaborado por uma comissão, criada em 2004 pelo governo, para estudar e avaliar o uso religioso do ayahuasca. O documento, finalizado desde 2006, responsabiliza as entidades religiosas pelo consumo do chá e recomenda que estas façam uma entrevista com aqueles que forem ingerir o composto pela primeira vez, tomando os devidos cuidados com pessoas que possuam situações de risco.

Regulamentação - De acordo com o advogado criminalista, Eduardo Sanz, a regulamentação que permite o consumo da ayahuasca em rituais religiosos está em acordo com a Constituição, que prevê liberdade de crença. “A Constituição garante liberdade de fé. Se o chá é consumido durante o ritual não há como proibir isso”, explica o jurista.

Eduardo Sanz, advogado criminalista.

No entanto, Sanz alerta para o perigo do uso indiscriminado do chá. Segundo o jurista, se há uma regulamentação ela deve ser seguida e o comércio do composto será considerado tráfico de drogas. O advogado explica que a substância ativa do chá, o DMT (N-dimetiltriptamina), é listado no item 8 da lista F2 da Portaria do Ministério da Saúde como substância psicotrópica, e por isso a sua comercialização caracterizaria tráfico de drogas. “Atualmente o consumidor de drogas não pode ser apenado com prisão no Brasil, mas o comércio de drogas caracteriza crime e será punido como tal”.

O chá ayahuasca - Também conhecido como daime, hoasca e vegetal, é feito a partir da cocção de duas plantas, o cipó Mariri Banisteriopsis caapi e a folha da Chacrona Psychotria viridis, presentes na floresta amazônica – e já cultivadas em outras regiões do país, inclusive no Paraná. A bebida possui substâncias psicoativas e segundo relatos dos adeptos das religiões ayahuasqueiras, o seu consumo expande a consciência e permite uma experiência religiosa, pois faz com que quem o ingere “entre em contato com a sua divindade interior”.

O cipó Mariri Banisteriopsis caapi, uma das plantas utilizadas para a realização do chá (acima). A folha da Chacrona

Psychotria viridis também é utilizada no preparo da ayahuasca (abaixo).

Fotos: José Eliézer Mikosz

Efeitos do Chá - De acordo com o psiquiatra que fez parte da comissão de estudos que

elaborou as novas regras do uso do ayahuasca, Dartiu Xavier da Silveira Filho, o composto pode ser considerado uma droga, pois contém substâncias psicoativas na sua composição, porém afirma que a conclusão de permitir o uso religioso do ayahuasca, foi feita após uma série de experimentos e estudos realizados com a ingestão da bebida, em seres humanos e animais, que provaram que seu consumo não constitui um perigo, se usado dentro das regras estabelecidas pelo Conad.

Entretanto, o psiquiatra afirmou que é preciso observar se os adeptos a religião não possuem um quadro de risco. “Pessoas com problemas mentais graves, como psicose e esquizofrenia não devem ingerir o ayahuasca, nem quem toma remédios anti-depressivos”, alerta o médico.

A preparação da bebida ritualística. Fotos: José Eliézer Mikosz

ANEXO 5 - Artigo “Religiões Ayahuasqueiras”

Publicado no Jornal Universidade (on line) do Instituto Ciência e Fé, ANO 11 - ED 125 - FEVEREIRO DE 2010. Acessível em: http://www.cienciaefe.org.br/JORNAL/ed125/ayahuasca2.html

Religiões Ayahuasqueiras

Por Michelle de Crejat Duarte

Doutrinas de cunho cristão que mesclam elementos do espiritismo e de outras religiões

De acordo com o doutor em Ciências Humanas, José Eliézer Mikosz, no Brasil a ayahuasca ficou conhecida no período dos seringais. “Os trabalhadores iam para a região amazônica para extrair borracha e nesta região conheceram a ayahuasca. O mestre Irineu foi um destes trabalhadores que experimentou a bebida”, explica ele. Mikosz aponta o sincretismo presente nas religiões ayahuasqueiras: “Há vários elementos presentes nessas religiões, uma mistura de ritos afros, espiritismo, devido à crença na reencarnação, além do cristianismo e influências do xamanismo indígena”.

José Eliézer Mikosz, doutor em Ciências Humanas.

A antropóloga da Universidade Federal do Paraná, especializada em Etnologia Indígena, Edilene Coffaci de Lima, explica que o Santo Daime é uma religião genuinamente brasileira, que surgiu na década de 20 no coração da Amazônia e que com o tempo surgiram outras religiões que utilizavam a ayahuasca em suas cerimônias, como a União do Vegetal. “As religiões

ayahuasqueiras são religiões muito ecléticas, que possuem elementos de diversas outras religiões e os seus adeptos tomam o chá para poder ter acesso a uma experiência religiosa”. Coffaci se posiciona a favor da regra que permite o uso do ayahuasca em cultos religiosos. Segundo ela, para chegar a esta conclusão os estudiosos que escreveram o texto publicado no Diário Oficial passaram anos analisando de perto como se desenvolvem estes rituais religiosos que utilizam o chá de ayahuasca. “Esta resolução acabou de ser publicada, mas antes dela já haviam sido publicadas outras”.

Para a antropóloga da Universidade Federal do Paraná, “a experiência religiosa pode ser vivida de diversas maneiras. Prender-se no uso da bebida para condenar uma religião é intolerância e preconceito”. Afirma que dentro dessas religiões o uso da bebida tem uma finalidade e por isso não pode ser proibido ou julgado superficialmente por pessoas que nao conhecem a religião.

Edilene Coffaci de Lima, antropóloga da UFPR. Santo Daime

Religião autenticamente brasileira

O Santo Daime surgiu na década de 20 a partir de uma crença difundida no interior da Amazônia. O movimento religioso que originou o Santo Daime teve início com o neto de escravos, Raimundo Irineu Serra, o mestre Irineu, que recebeu uma revelação: uma aparicão de Nossa Senhora da Conceição, na primeira vez que tomou o chá ayahuasca, que nomeou de Daime. A doutrina do Santo Daime faz uma nova leitura dos evangelhos e traz uma forte influência do cristianismo nos seus ensinos. As celebrações da religião são feitas através de letras de músicas, transformados em hinos e danças, que eles chamam de bailado. Durante essas celebrações, os participantes ingerem a ayahuasca.

O movimento religioso que originou o Santo Daime teve início com o neto de escravos, Raimundo Irineu Serra,

o Mestre Irineu. União do Vegetal

Mikosz, membro do NEIP (Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos), descreve que a União do Vegetal ou UDV surgiu cerca de 30 anos após a criação do Santo Daime. A religião foi fundada pelo seringueiro José Gabriel da Costa, mestre Gabriel, e também utiliza a

ayahuasca nos seus rituais para auxiliar seus adeptos a terem uma experiência espiritual mais profunda. Segundo Mikosz, para se tornar sócio da UDV, o interessado deve ser indicado por alguém que já é membro e participar de uma entrevista. Ele conta ainda, que todas as religiões ayahuasqueiras são reencarnacionistas.

A União do Vegetal foi criada por José Gabriel da Costa, o Mestre Gabriel.

O doutor em Ciências Humanas defende a resolução do Conad. Mikosz, que já fez parte da União do Vegetal, explica que não há perigo na ingestão do chá durante as cerimônias. O estudioso ressalta o resultado do Projeto Hoasca, um estudo realizado em 1992 que demonstrou que a quantidade de DMT, composto psicoativo, presente no chá é abaixo do considerado tóxico. Além disso, Mikosz ressalta que nenhum alucinógeno cria dependência. “No caso da ayahuasca, sempre haverá um efeito mesmo depois de anos de uso”.

Mikosz conta que os participantes da União do Vegetal acreditam muito na parte cristã da religião, em Deus, em Jesus e nos santos. No Santo Daime, segundo ele, também é assim. “Há pessoas que acreditam que o mestre Irineu é uma reencarnação de Jesus”. O doutor ressalta ainda a importância que a natureza tem para a religião. “Quase todas as pessoas que entram em contato com a ayahuasca começam a amar a natureza”.

Na Grande Curitiba existem dois núcleos da União do Vegetal. Os dois, conta Mikosz ficam localizados em Quatro Barras. São eles: o Núcleo de São Cosmo e São Damião e o Núcleo Monte Alegre. Segundo ele, os sócios da UDV pagam uma mensalidade e usam uniformes durante as cerimônias realizadas pela religião.

A experiência - Mikosz relata sua experiência com o consumo do chá. “Eu experimentei o chá pela primeira vez em 2003 e foi para mim uma surpresa a maior sensibilidade e consciência que a bebida pode oferecer”. Ele explica que o ambiente é muito importante nesse tipo de situação. Durante o ritual, afirma ele, são colocadas músicas com letras que podem falar de Deus e de Jesus, “sempre com mensagens positivas”.

“Na minha experiência eu via as imagens do que era dito, das letras das músicas”. Ele relata que antes do ritual são lidos documentos, que são como se fossem normas e estatutos da UDV. “As pessoas bebem o chá de livre e espontânea vontade para concentração mental e para vivenciar mais facilmente uma experiência espiritual. Mas para esses grupos esse estado aumenta muito a sua sensibilidade, funciona como um amplificador de sensações. Nesse momento você consegue fazer muitas reflexões sobre a sua vida pessoal”, afirma ele.

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