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1. Sílvio Romero, um espírito combatente

2.4. Artigos XVII e XVIII de Sílvio Romero: Breves Considerações

Neste capítulo, realizamos uma breve análise dos artigos XVII e XVIII do livro de Silvio Romero que tratam especificamente da leitura deste autor sobre os capítulos IV “Efeitos do parasitismo sobre as novas sociedades” e V “As novas sociedades”, que compõe a obra de Manoel Bomfim.

Este recorte foi elaborado como critério de delimitação da análise aqui realizada, a fim de evidenciar a abordagem de Sílvio Romero nas análises sobre A

América Latina: males de origem. Por conta da multiplicidade de temas e assuntos

abordados durante a leitura das obras que compõem o corpus deste estudo, foram selecionados, para efeito de análise elucidativa, um tema extremamente recorrente na crítica romeriana: as implicações que o parasitismo trouxe para as nações latino- americanas, principalmente a brasileira.

Ressaltamos que os artigos XVII e XVIII do livro de Sílvio Romero foram incorporados a este trabalho (ANEXO 1), para facilitar a compreensão e o acesso de outros pesquisadores ao estudo de Sílvio Romero. Conservamos ainda a estrutura textual, os grifos e erros existentes na obra original, salvo a atualização ortográfica, que para melhor compreensão foi modificada.

Segundo Romero (1906), a quarta parte intitulada Efeitos do parasitismo sobre

as novas sociedades configura-se como a parte mais importante do livro de Manoel

Bomfim, porque se refere mais diretamente ao Brasil, identificando-o como exemplo do que ocorreu nos demais países da América do Sul.8

Notamos, entretanto, que a ênfase dada ao capítulo IV de Manoel Bomfim não corresponde a uma possível convergência de idéias, ao contrário, Sílvio Romero destaca esta passagem de compreensão da formação das populações nacionais como o momento mais aventureiro e leviano de toda a obra.

8 Manoel Bomfim expôs a formação das populações nacionais na quarta parte do livro, porém Romero afirma

que nesta parte o autor obteve mais erros que acertos. “Entre os assuntos, acerca dos quais entendeu o Sr. Bomfim dissertar a rédeas soltas, dizendo, na 4ª parte de seu livro, as coisas mais arriscadas e aventurosas, figura a formação das populações nacionais. (ROMERO, 1906, p. 171)

É possível pensarmos também que o furor romeriano rebelou-se diante da iniciativa de Bomfim em tentar caracterizar não apenas o gênio latino-americano, mas especificamente o do brasileiro, um projeto que Romero já pensava estar realizado em suas obras. Daí, a acusação logo nas primeiras linhas do artigo XVII de que o “Diretor do Pedagogium” não passava de um plagiador. Citemos o crítico:

São duas notações simplíssimas, quintas vezes feitas antes do pretensioso desorganizador do pedagogium.

O que nelas, de fato, lhe pertence são as tolices com que teve a habilidade de as deturpar. (ROMERO, 1906, p. 191)

Dentre os aspectos definidores do gênio latino-americanos estão o conservantismo e a falta de espírito de observação, características estas que Sílvio Romero não ousa contestar, mas que foram deturpadas, no seu entender, por Manoel Bomfim com a finalidade única de impor a tese de que a deformidade não está na mistura de raças, mas sim na herança dos povos ibéricos.

A partir daí, a crítica romeriana centra-se na defesa ao conservadorismo como a única forma de mantermos a tradição e compreendermos a individualidade dos povos, ou seja, o discurso de Manoel Bomfim é dúbio porque ao mesmo tempo em que propõe reconhecer a identidade dos povos latino-americanos, ataca a tendência conservadora e a hereditariedade social. Registremos a passagem de Romero:

Sim, se Manoel mesmo escreve isto: Em que consiste a hereditariedade social? Consiste na transmissão, por herança, das qualidades psicológicas, comuns e constantes e que, por serem constantes e comuns através de todas as gerações, dão a cada grupo social um caráter próprio distinto: transmissão por herança, no grupo anglo-saxônico, das qualidades que caracterizam o tipo judeu anglo-saxônico, perpetuação nos judeus das qualidades típicas da raça; se Bomfim mesmo escreve isso, com que seriedade vem exprobrar aos latino-americanos o obedecerem a tais princípios e terem, pois, alguma coisa a conservar? (ROMERO, 1906, p. 196).

Outro tema apontado na leitura de Sílvio Romero diz respeito à falta de observação dos povos latino-americanos, a falta de espírito criativo para as artes e letras e a tendência para a imitação, características estas que já tinham sido expostas pelo autor da História da Literatura Brasileira em outros estudos.

A quinta e a última parte de A América Latina: males de origem nomeadas de

As novas sociedades, o autor se deteve nos efeitos dos cruzamentos entre raças e

no posicionamento que as nações sul-americanas deveriam ter frente à civilização e ao progresso europeu, destacando-se os seguintes assuntos: a hombridade dos ibéricos; o alto poder de assimilação, a reprodução destas qualidades nas colônias latino-americanas, a contribuição do índio e negro, dentre outros temas.

Para Sílvio Romero a quantidade de assuntos abordados capítulo V é antes “uma interminável miscelânea. Quase tudo errado. Bomfim abriu a torneira e deixou correr abundante a caudal dos espantosos... pensamentos.” (BOMFIM, 1906, p. 206)

Desse modo, o crítico prosseguirá a análise dos temas enumerados reinvidicando rigor científico para as argumentações de Bomfim, quando na verdade constrói sua crítica sem nenhum critério metodológico. Convém lembrarmos que Sylvio Rabello (1944) denominou de crítica professoral ou didática os livros de polêmica feitos em resposta a outros autores, como é o caso de A América Latina: males de origem.

O apontamento de Rabello vai ao encontro de diversas passagens do livro- resposta de Sílvio Romero como na fiel reprodução do título A América Latina e mais ainda na seguinte passagem:

O mestrinho do pedagogium ainda estava no abc nas classes primárias, quando eu já caracterizava os latino-americanos, respectivité os brasileiros, por estas palavras, que não troco por toda a América Latina, com todos os seus parasitismos, falsos ou verdadeiros. (ROMERO, 1906, p. 198).

Tendo em vista que no capítulo 3 realizaremos um cotejo entre os conceitos abordados por Sílvio Romero e Manoel Bomfim, podemos tecer algumas considerações sobre os aspectos estruturais da crítica romeriana.

O primeiro contato com A América Latina de Sílvio Romero nos impressionou devido à ausência tanto dos critérios científicos tão defendidos nas demais obras críticas, como pela descompostura textual em que articula sua argumentação. O uso de termos impróprios e xingamentos era particularidade própria e comum da “polêmica”, gênero este que Sílvio Romero era mais que especializado.

Cada um dos vinte e cinco artigos (mais de quatrocentas páginas) assemelha- se a forma de uma resenha critica ao livro de Bomfim, no entanto, neste caso, o objetivo não era convidar os leitores a apreciar a referida obra, e sim oferecer ao público da revista Os Anais argumentos suficientes para desprezar o pensamento de seu conterrâneo.

O artigo Polêmicas literárias e mercado editorial Brasil-Portugal na segunda

metade do século XIX de Valéria Augusti, apesar de trazer focalizar a recepção dos

textos e polêmicas entre Portugal e suas ex-colônias, importa-nos, pois, como confirmação de que as polêmicas tinham grande aceitação do público-leitor em sua maioria pertencente à elite do país.

Assim, Sílvio Romero utilizou todas as ferramentas argumentativas para desqualificar obra e autor, reduzindo-o ao título de “mestrinho”, “diretor do Pedagogium” e “Manoelzinho” a fim de diminuir a força do discurso autoral claramente evidenciado nos escritos de Bomfim.

É importante salientarmos que a publicação de A América Latina: males de

origem em 1906 se deu na fase mais pessimista de Sílvio Romero, que não mais

propagava a evolução das raças através da miscigenação com a mesma certeza dos anos 80 do século XIX. Do contrário estaríamos incorrendo no erro de analisar a crítica romeriana apenas pelos perfil psicológico do polemista.