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As últimas comunidades de caçadores-recolectores do Holocénico

2. HOLOCÉNICO, FACTORES MARCANTES

2.2. Questões e paradigmas arqueológicos do Holocénico

2.2.1. As últimas comunidades de caçadores-recolectores do Holocénico

O Holocénico apresentou alterações paisagísticas e climáticas à escala planetária, às quais estiveram associadas modificações tecno-culturais, mas também outras mudanças profundas de carácter social, entre outras.

Focando o Epipaleolítico (ou Mesolítico Inicial), ao mesmo correspondem os grupos de caçadores-recolectores do Pré-Boreal e Boreal (10-7.6 cal BP), que apresentam (como o próprio termo indica) características em comum com as comunidades do final do Paleolítico, enquanto o Mesolítico (Pleno) corresponde aos grupos de caçadores-recolectores do posterior período Atlântico. Aos grupos do Mesolítico Inicial está associado um incremento do número de sítios comparativamente ao Tardiglaciar (Bicho, 1994, 2000; Haws, 2003).

Segundo Araújo (2003) as mudanças no quadro ecológico do início do Holocénico, que se traduziram na diminuição da biomassa animal e vegetal e consequentemente dos territórios de captação de recursos, levou as comunidades caçadoras-recolectoras mesolíticas a uma reestruturação nos padrões de povoamento e subsistência que inclui a ocupação de novos territórios e o abandono das áreas exploradas durante o Pleistocénico. Esta reestruturação passa pela exploração de fontes alimentares de origem aquática e o alargamento dos territórios económicos (Araújo, 2003). Para o Mesolítico assiste-se ao aumento do número de sítios arqueológicos, predominando os contextos junto à orla costeira (Bicho, 1994, Haws, 2003, Araújo, 2003), no entanto também estão identificados contextos em gruta no Maciço Calcário Estremenho.

26 Estes elementos levaram Araújo (2003: 106 e 107) a propor três grupos de sítios potencialmente relacionados com questões de complementaridade funcional. O primeiro grupo é composto por sítios ao ar livre extensos, no interior, com indústria lítica numerosa e diversificada, com estratégias de subsistência ligadas à exploração de recursos terrestres; o segundo grupo caracteriza-se por sítios ao ar livre de pequena dimensão, presença de depósitos de concheiros, com uma indústria lítica pouco diversificada, situados no litoral; o terceiro grupo corresponde a grutas e abrigos na periferia e interior dos maciços calcários, com recursos alimentares de origem terrestre, marinha e estuarina. Outros autores vão ao encontro da definição destes sítios, destacando a mobilidades destas comunidades entre as zonas interiores do Maciço Calcário Estremenho e as zonas litorais (Valente, 2008).

Dentro do primeiro grupo de sítios destaca-se Areeiro III e Fonte Pinheiro, em Rio Maior; no segundo grupo, Magoito, S. Julião, Vale Frade, entre outros localizados no litoral da Estremadura (Araújo, 2003); e do terceiro grupo de sítios, Lapa do Picareiro (nível arqueológico D, 9528-9014 cal BP, Bicho, et al., 2003) e Abrigo da Pena d’Água (camada F, 8385-7983 cal BP, Pereira & Carvalho, 20015), no Maciço Calcário Estremenho.

Na região interior do Baixo Tejo, destaca-se o Povoado da Amoreira, na margem direita do Tejo, com uma datação realizada em carvões de 8510-8014 cal BP (Oosterbeek, 1994; Cruz, 1997), onde foram identificados buracos de poste associados à estrutura de um acampamento, juntamente com industria macrolítica em que predomina o quartzito (Oosterbeek, 1994; Cura, 2002; Cura et al., 2004); e o Povoado de Fontes, na margem esquerda do Zêzere, que pelo resultado das datações de termoluminescência na camada C (estruturas de barro cozido: 8100±600 BC (ITN_LUM 451), 8000±600 BC (ITN_LUM 452) e 8600±600 BC (ITN_LUM 453); sedimento 5700±500 BC (ITN_LUM 450); Burbidge et al., 2014) e pela cultura material que a constituía o relaciona com o Neolítico antigo/médio (Cruz, 2011), expondo um caracter problemático, com diferentes hipóteses explicativas.

Para o médio Tejo, Extremadura espanhola, os contextos do Mesolítico antigo são escassos, destacando-se El Conejar (duas datações de 9304-9028 cal BP, Carbonell, 2003; Canals, 2008), o abrigo de Caneleja II (nível 5, datação em carvões de 9889-9561 cal BP, Cerrillo-Cuenca e González-Cordero, 2011, 2014) e Cueva de los Postes, onde foram desenvolvidas análises palinológicas, cujos resultados se apresentam posteriormente, é um contexto de enterramento colectivo, com datações entre 8.9 a 8.6 ka cal BP (Collado, 2014).

27 Acerca de 8.2 ka cal BP ocorre uma nova alteração dos padrões de povoamento, mobilidade e até tecnológica, principalmente nas regiões litorais. Estas mudanças foram relacionadas, por alguns autores, com o evento climático 8.2 ka cal BP (Bicho et al., 2010, Carvalho, 2009, Pereira & Carvalho, 2015). Tal como já foi referenciado, no subcapítulo anterior, vários trabalhos têm discutido a influência deste evento climático sobre as comunidades mesolíticas, em que alguns estudos focam a Bacia Mediterrânica (Berger e Guilain, 2009; Mercuri et al., 2011) e outros a Península Ibérica (e.g., López-Sáez et al., 2008; Bicho et al., 2010; Pereira & Carvalho, 2015).

Com o período Atlântico, continuam a ser evidentes ocupações especializadas na recolha de recursos marinhos (e.g., São Julião C) e, no Maciço Calcário, mantêm-se as ocupações em gruta e abrigos (e.g., Bocas) e em locais de ar livre (e.g., Costa do Pereiro, Pena d’Água) (Valente, 2008, 497). Esta é uma fase em que é evidente a concentração das comunidades Mesolíticas em áreas estuarinas, principalmente nos estuários dos grandes rios: Mondego, Tejo, Sado e Mira, correspondendo ao período de maior desenvolvimento de acumulações em concheiros.

Neste sentido é importante destacar o Complexo dos Concheiros de Muge, localizados

entre Salvaterra de Magos e Almeirim, em afluentes do rio Tejo, nomeadamente a Ribeira de Magos, Ribeira de Muge e Ribeira da Fonte da Moça.

Os concheiros mesolíticos de Muge foram alvo de diversos estudos desde a segunda metade do século XIX, sobretudo devido ao extenso espólio osteológico humano existente (Cardoso, 2004 e Detry, 2007). Análises de isótopos estáveis demonstraram uma importante componente aquática na dieta destes grupos (Lubell et al., 1994), posteriormente confirmada por novas análises de oligoelementos e de isótopos estáveis (Umbelino, 2006). De salientar a grande diversidade de espécies presentes nos concheiros, englobando animais de grande porte (e.g., veado, auroque, corço, javali, cavalo) e pequeno porte (e.g., leporídeos, pássaros, moluscos, peixes, crustáceos) (Lentacker, 1986, 1994; Detry, 2007). No que respeita especificamente aos moluscos, salienta-se a importância da lamejinha e do berbigão (Detry, 2007: 287). Os dados obtidos sobre os taxa ictiológicos (Lentacker, 1994) sugerem a possibilidade de que a ocupação dos concheiros seria durante todo o ano, mas ocorriam actividades sazonais. O sistema económico e social nos concheiros de Muge era mais sedentário, para além do enterramento de indivíduos, encontraram-se estruturas de habitação sob a forma de buracos de postes (e.g., Moita do Sebastião – Roche, 1972).

28 Para o interior da Península Ibérica a ausência de dados referentes ao Mesolítico Pleno tem sido sublinhada por alguns autores (e.g. Zilhão1993 e 2003), contudo outros autores, que focam os seus trabalhos na compreensão do processo de Neolitização, sugerem a existência de ocupações de caçadores-recolectores e que estes podem ter influenciado a adopção de práticas de subsistência (e.g. Cerrillo-Cuenca, 2005).

2.2.2. Processo de Neolitização e as primeiras economias produtoras

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