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2.1 HISTÓRICO, CONCEITOS E PRINCÍPIOS DAS AÇÕES AFIRMATIVAS

2.1.1 As Ações Afirmativas no contexto internacional

As demandas sobre Ações Afirmativas no contexto internacional surgiram nos Estados Unidos, durante a luta dos negros contra o racismo em 1941, com a assinatura de um decreto pelo presidente Franklin Roosevelt, proibindo a discriminação racial contra os negros. Em 1964, com a promulgação da Lei dos Direitos Civis, pelo presidente Lyndon Johnson, o mesmo defendia que não poderíamos acreditar que duas pessoas teriam as mesmas chances para atingir um objetivo, uma vez que as condições iniciais de algumas eram desfavoráveis às outras (BRANDÃO, 2005).

Contudo, segundo o professor Carlos Brandão (2005) o termo “Ação Afirmativa” foi criado por outro presidente americano em 1961, John Kennedy, ao instalar uma Comissão por Oportunidades Iguais de Emprego, utilizando a expressão affirmative action. No entanto, esse

princípio só foi politicamente concebido, entre as décadas de 1960 e 1970, quando ocorreu a primeira iniciativa governamental dessa política, na forma da Lei da Oportunidade Igual no Emprego.

Tal medida ocorreu principalmente pela pressão da sociedade civil, especialmente dos movimentos negros, tanto o do tipo pacífico, liderado por Martin Luther King e Malcon X, quanto o do tipo radical, como o “Panteras Negras”, que pregavam a reação armada ante a discriminação da população negra. No entanto, naquela época, os sistemas adotados beneficiavam, evidentemente, a classe média negra ao invés das demais classes baixas. Contudo, a pretensão inicial dessas políticas nos Estados Unidos era diminuir a discriminação social e ser um importante fator de busca pela igualdade (BRANDÃO, 2005).

Depois disso, muitas discussões foram acentuadas em torno das Ações Afirmativas americanas, principalmente, porque a maioria do povo estava a favor do fim dessa política, justificando que as medidas eram inconstitucionais. Segundo Paulette Russel (2006) opositores da Ação afirmativa argumentavam que:

(...) esta é, em si mesma, uma forma de discriminação ilegítima, porque nega aos que não são minoria o ingresso nas faculdades de sua escolha; alegam também que fazer entrar em consideração a raça compromete o mérito, resultando que estudantes negros qualificados, pertencentes às minorias, são admitidos no lugar de estudantes brancos mais qualificados. Argumenta-se que a Ação Afirmativa, e outras iniciativas para diversificar a educação superior, estigmatiza todos os membros do grupo beneficiado. (RUSSEL, 2006, p. 205).

Por volta dos anos 2000, mediante alguns julgamentos contraditórios com relação à reserva de vagas em algumas universidades, a Suprema Corte americana decidiu se manifestar e constatou que essa política é constitucional, mas não a forma como é adotada, principalmente no que concerne às cotas raciais. Conforme aponta Russel, em junho de 2003, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que “...a raça pode ser um fator a mais a ser levado em consideração no processo de admissão a faculdades, mas também determinou estritamente sob que circunstâncias tais políticas seriam legalmente permissíveis” (2006, p. 207).

Antes, uma forma de justificar a Ação Afirmativa nos Estados Unidos era que a mesma trazia igualdade, imparcialidade e justiça restaurativa. Entretanto, essa política só conseguiu se consolidar quando passou a promover essa ação como contribuição para a diversidade educacional. Dessa forma, entendia-se que as políticas afirmativas trariam benefícios educacionais, sobretudo nas relações interpessoais, evidenciando que essas ações contribuem de forma significativa para a construção de uma sociedade “racialmente” mais igualitária (RUSSEL, 2006).

Nesse sentido, percebeu-se que nas últimas décadas houve nos EUA aumentos expressivos nas matrículas de negros, hispânicos, asiático-americanos e indígenas na educação superior. Para aumentar a diversidade nas universidades americanas, implementaram mudanças inicialmente em seus processos de admissão, conforme aponta Russel (2006):

A raça do candidato é levada em consideração, ao lado das notas escolares e da pontuação nos exames padronizados de admissão, entre outros fatores, o que resulta num corpo discente heterogêneo. A distribuição de bolsas e auxílios baseia-se não apenas no mérito, mas também nas necessidades financeiras do estudante (RUSSEL, 2006, p. 2003).

Assim, tais políticas nos Estados Unidos continuam até os dias de hoje, principal-mente como movimento de inclusão. Ademais, já foram implantadas também na Inglaterra, Canadá, Índia, Alemanha, Austrália, África do Sul, Nova Zelândia e Malásia, por exemplo.

Segundo informações do site do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa –

GEMAA11, na Índia, as Ações Afirmativas foram estabelecidas no ano de 1948, com os gru-pos beneficiários como Intocáveis (dalits), Tribais (adivasis) e outras castas desprivilegiadas (other backward classes), seu âmbito de atuação foi em empregos públicos, promoções no emprego público, universidades e assentos parlamentares, por meio de cotas. Na Malásia, a aplicação destas políticas foi a partir de 1971, em que os beneficiários eram os malaios (bu-miputra) e o âmbito de aplicação foi no setor público, contratos governamentais, companhias privadas com participação pública e universidades públicas, por meio do sistema de cotas, bolsas e financiamentos.

Na África do Sul, estas políticas se deram a partir de 1993, no qual os beneficiários eram negros (africanos, coloureds e indianos), mulheres e deficientes físicos, e o âmbito de atuação foi no serviço público, instituições semi-estatais e universidades públicas, mediante sistema de cotas, financiamentos e metas de inclusão. Na Irlanda do Norte, as políticas afirmativas acontecem desde 1989, cujos beneficiados eram grupos religiosos sub-representados como católicos e protestantes e o âmbito de aplicação não era na educação e sim emprego e promoção no emprego, pelo sistema de metas, ações legais de representação (como interferir na maneira como as empresas contratam e promovem seus trabalhadores, propagandas, treinamento, punições, etc).

Apesar das críticas contra essas políticas de Ação Afirmativa - como os discursos conservadores de ferir o princípio da isonomia, pois cria artificialmente situações de

igualdade e reforçar o senso de inferioridade, por criar um fator de humilhação; as alocuções de que a diversidade étnica e cultural de um povo é sinônimo de riqueza de uma nação e por isso outras minorias também estariam afastadas deste processo de inclusão; e a violação da meritocracia, porque não se pode incentivar benefícios para certos grupos étnicos, pois se estaria afrontando a mérito dos demais concorrentes, por exemplo (BRANDÃO, 2005) - a experiência, nestes países, apresenta significativas mudanças alcançadas, como o crescimento da classe média da população negra, representações em cargos no governo federal e mais estudantes oriundos de escolas públicas nas universidades e, consequentemente, mais profissionais negros no mercado de trabalho.

Não obstante, alguns autores, como Wedderburn (2005), afirmam que o conceito de Ações Afirmativas não foi concebido nos Estados Unidos, mas sim na Índia em 1919. De acordo com o historiador e etnólogo Carlos Moore Wedderburn (2005):

O conceito de ação afirmativa originou-se na Índia imediatamente após a Primeira Guerra Mundial, ou seja, bem antes da própria independência deste país. Em 1919, Bhimrao Ramji Ambedkar (1891-56), jurista, economista e historiador, membro da casta “intocável” Mahar propôs, pela primeira vez na história, e em pleno período colonial britânico, a “representação diferenciada” dos seguimentos populacionais designados e considerados como inferiores. A vida política e a obra de B. R. Ambedkar sempre estiveram voltadas para a luta pelo fim do regime de castas. (...) Para ele, quebrar os privilégios historicamente acumulados pelas “catas superiores”,

significava instruir políticas públicas diferenciadas e constitucionalmente

protegidas em favor da igualdade para todos os seguimentos sociais (Wedderburn, 2005, p. 314).

Portanto, há um século, percebe-se o início da discussão sobre políticas públicas específicas a grupos historicamente discriminados no mundo todo, em determinadas sociedades. E o que se encontra em risco nas alocuções em geral é sempre a questão da raça em detrimento à questão social ou étnica para alcançar a igualdade e eliminar as desigualdades na educação superior em especial. É importante ressaltar que, no caso norte-americano, os negros não constituem o único segmento beneficiário da Ação Afirmativa, a qual também se aplica a mulheres, indígenas, asiáticos e outros grupos (MEDEIROS, 2005).