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As abordagens concorrentes

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2. TEORIAS DAS DIFERENÇAS SALARIAIS NO MERCADO DE TRABALHO

2.1 Diferenças salariais nas condições de trabalho e produtividade dos

2.1.2 Teoria do Capital Humano

2.1.2.1 As abordagens concorrentes

Diversos autores elencaram críticas e limitações à teoria do capital humano, apresentando diferentes interpretações sobre a relação entre salários e escolaridade, que resultaram no surgimento de abordagens alternativas. Nos parágrafos que seguem, serão apresentadas aquelas de maior tratamento na literatura.

Em 1973, Spence argumentou que, na maioria dos mercados de trabalho, o empregador não possui pleno conhecimento sobre as capacidades e habilidades do indivíduo que está contratando, nem mesmo imediatamente após sua contratação. Desta forma, a decisão de admissão se daria pela observação de certas características e atributos do funcionário em potencial, tais como educação, trabalho prévio, raça, sexo, antecedentes criminais e outras informações, que são exigidas pelos empregadores e transmitidas pelos possíveis empregados, a fim de determinar os níveis salariais e os postos a serem ocupados. Para o autor, os atributos que podem ser alterados pelos indivíduos, ou seja, aqueles que estão sujeitos à escolha individual, a exemplo da educação, são considerados como “sinais” e, portanto, este princípio ficou conhecido como Teoria da Sinalização.

De acordo com a teoria da sinalização de Spence (1973), como o mercado de trabalho não consegue avaliar as habilidades inatas dos trabalhadores, a educação

serve como uma sinalização da produtividade individual. Desta forma, pessoas mais produtivas e habilidosas são atraídas a elevar seus níveis de escolaridade de forma a sinalizar maior produtividade. Neste contexto, o que existe não é uma relação positiva entre os rendimentos do trabalhador e sua escolaridade, como afirma a teoria do capital humano, mas sim entre a renda e suas habilidades, sendo a escolaridade apenas uma indicação válida da produtividade individual.

Com base nos argumentos de Spence (1973), Ehrenberg e Smith (2000) e Ramos (2015) apontam que a educação apenas revela a produtividade intrínseca dos trabalhadores e suas características, mas não ajuda a formá-las. Assim, fornece alguns indícios que os empregadores consideram estar relacionados com a produtividade, tais como: idade, raça, gênero, experiência, educação e demais características pessoais. Para os autores, alguns desses indicadores são imutáveis, como raça e gênero, no entanto outros podem ser adquiridos, como a educação, e esses são os chamados “sinais”.

Ainda com referência à educação como sinal, Arrow (1973 apud RAMOS, 2012) afirma que as características do indivíduo determinam a produtividade, contudo não são os conhecimentos adquiridos na escola que determinam essa produtividade. O autor argumenta, neste sentido, que o sistema escolar serve como uma espécie de “peneira”, e os indivíduos se inserem nesse sistema de modo a atingir determinadas metas (ensino médio, ensino superior, pós-graduação etc.) visando enviar “sinais” para os empregadores acerca de suas capacidades em termos de atributos, como inteligência, disciplina, dedicação etc., a fim de obter vantagem ao se posicionarem no mercado de trabalho. Os empregadores, portanto, remuneram os atributos mencionados, visto que são esses atributos que determinam a produtividade do trabalhador, e fazem com que, nas empresas, o indivíduo adquira rapidamente os conhecimentos específicos necessários para desempenhar suas funções. Essa abordagem também ficou conhecida com Teoria do Filtro.

Outros problemas em relação à teoria do capital humano foram apresentados por Lima (1980). Para ele, a linha de pensamento dos trabalhos de Becker e Schultz é exagerada no sentido de admitir que o capital humano é sempre resultado de decisões de investimento em educação. Neste contexto, as diferenças de produtividade são sempre ocasionadas pelas diferenças em investimento e, assim, não são consideradas outras razões que causam diferenças nas rendas individuais

além da educação formal, tais como atitudes, habilidades, motivação, força física e outras características de um indivíduo que possam gerar retornos.

Adiante, o autor aponta o surgimento de teorias alternativas que buscam explicar que outros fatores, além da educação, podem impactar positivamente no rendimento futuro dos trabalhadores. Neste sentido, além da teoria da sinalização, já mencionada anteriormente, Lima (1980) considera ainda outras duas abordagens: a teoria da socialização e a teoria credencialista. A primeira afirma que os indivíduos são socializados, especialmente na escola, para tornarem-se ou trabalhadores conformados, sujeitos a aceitar e cumprir ordens, ou pessoas capazes de tomar decisões, resolver problemas, ser independentes e criativas. Aqui, a escola assume a função de preparar diferentes pessoas para ocupar papéis distintos na sociedade. Os seguidores desta linha de pensamento concluem que as variáveis não cognitivas associadas ao processo de escolarização são mais relevantes que aquelas ligadas à habilidade.

A Teoria Credencialista, conforme aponta Lima (1980), é uma corrente de pensamento defendida especialmente por sociólogos, cujo argumento principal é que as escolas servem apenas para fornecer uma espécie de credencial que facilita a tarefa das empresas no processo de seleção dos trabalhadores. Para o autor, esta ideia provém da percepção da existência de cortes nos perfis de renda, precisamente nos pontos onde as credenciais são adquiridas: títulos do ensino primário, fundamental, médio e assim por diante. Assim, admitindo-se que a produtividade de uma pessoa que concluiu um determinado nível de ensino e de outra que quase o concluiu não seja muito diferente, as diferenças de renda são explicadas pela existência da credencial. Neste contexto, em um processo seletivo, um candidato que possua um diploma pode ser preferível a outro com vasta experiência profissional, mas sem um título acadêmico.

Entre os adeptos dessa corrente, Lima (1980) aponta a existência de duas visões distintas. A primeira defende que a única função das escolas é escolher os estudantes com base no ambiente familiar e entorno socioeconômico, sem que haja nenhum processo de socialização. A segunda acredita que as escolas não apenas escolhem os estudantes com base em suas características, mas também os socializam para exercerem determinadas atividades no futuro.

Neste sentido, Sadeck Filho (2001) afirma que a teoria credencialista contribui para a existência das disparidades de renda, mantendo a divisão de classes já

existente na sociedade. Complementarmente, Ramos (2012) acrescenta que, na perspectiva do credencialismo, a educação é apenas um meio inclinado a reproduzir uma hierarquia social já existente. Assim, o sistema educacional capacitaria os cidadãos para ocupar diferentes funções na sociedade, transmitindo, por meio do ensino, a cultura de cada classe social para as gerações seguintes. Este aspecto cultural contido nos postos de trabalho é determinado pelo ambiente familiar e pelo grupo social de origem, conduzindo à escolha de centros escolares e a futura ocupação de postos de trabalho por indivíduos que possuam perfis e valores compatíveis.

Não é difícil perceber a educação como uma busca por credenciais visando aumentar a competitividade no mercado de trabalho. Parte considerável dos alunos tende a frequentar o sistema escolar buscando mais um diploma do que conhecimentos. Deste modo, é possível dizer que a conhecimentos e habilidades somente são válidos por meio do diploma, pois essa forma de “credencialismo” pode ser explicada em termos econômicos, ao passo que diploma sem incorporação de conhecimentos e habilidades é algo mais difícil de ser avaliado (RAMOS, 2012).

Outra corrente que se diferencia mais radicalmente da visão neoclássica do capital humano é a Teoria da Fila2. Segundo essa teoria, os elementos que

determinam a produtividade não estão associados às características dos trabalhadores (oferta de trabalho), mas sim aos postos de trabalho (demanda). Deste modo, o que altera os níveis de salários não é a concorrência entre trabalhadores, mas sim a concorrência por melhores postos de trabalho criados, pois eles implicam em salários mais elevados, estabilidade, prestígio etc. De acordo com essa teoria, a concorrência é determinada por uma espécie de “fila”, na qual o nível educacional determinará a posição na fila. Assim, quanto melhor o nível educacional do indivíduo, mais bem posicionado ele estará na fila (RAMOS, 2012).

Outras críticas que não resultaram diretamente no surgimento de uma teoria alternativa à do capital humano foram apontadas por Shaffer (1961). O autor apresenta três razões por meio das quais ele se opõe à teoria do capital humano, afirmando que a economia tem mais a perder do que a ganhar com a generalização deste conceito. A primeira delas é a diferenciação entre investimento no homem e investimento em capital não humano. Shaffer (1961) argumenta que ao menos uma

2 A Teoria da Fila foi popularizada por Lester Thurow na década de 70, em seu estudo Generating Inequality.

parcela de qualquer dispêndio para a melhoria do homem não é investimento, como o termo geralmente é utilizado, pois estas despesas são realizadas por razões diferentes da possibilidade de um retorno financeiro e estão mais relacionadas à satisfação pessoal. A segunda razão é, para o autor, o fato de que embora as despesas para a melhoria das habilidades e capacidades produtivas do homem influenciem positivamente à sua produtividade e, consequentemente, seus salários, é infactível mensurar um retorno resultante de uma despesa de investimento. Por fim, o autor argumenta que, mesmo que fosse possível mensurar a parte do rendimento do homem que decorre de investimento, seria inviável na perspectiva do bem-estar social e econômico fazer uso dessa informação unicamente ou prioritariamente para o desenvolvimento de políticas públicas ou privadas. Shaffer (1961) não afirma em seu trabalho que a aplicação da teoria de capital humano é equivocada, mas que ela deixa margem para dúvidas e é de valor questionável no sentido de fornecer bases para a formação de políticas públicas.

Quanto aos testes empíricos, Blaug (1985) apresentou alguns pontos que ele considerou negativos em relação a abordagem neoclássica da teoria do capital humano. Para ele, a teoria deixa a desejar no esclarecimento dos determinantes da demanda privada de educação pelos seguintes motivos: não avalia esquemas de financiamento da educação, não leva em consideração a propriedade pública de escolas e universidades, ignora o processo de aprendizado gratuito proveniente da prática, despreza os incentivos dos mercados internos de trabalho e não oferece cálculos aceitáveis com relação às taxas de rendimento entre os diferentes tipos de investimentos na composição de capital humano. Ainda de acordo com Blaug (1992 apud WALTENBERG, 2002), outra limitação é o fato de que nos estudos empíricos da teoria do capital humano, somente se verifica a hipótese de que a escolaridade e experiência são mais relevantes na determinação da renda do que as habilidades inatas e o entorno familiar.

Com relação ao treinamento no trabalho, Blaug (1992 apud WALTENBERG, 2002) critica a falta de estudos mais específicos, pois apenas haviam investigações que partiam do princípio de que as taxas de rendimentos de escolaridade e treinamento eram iguais, e isto não parecia ser correto. Sobre as equações mincerianas, o autor questiona a existência de problemas na estimação das taxas de retorno privadas que, em algumas situações, eram negativas e as pessoas permaneciam demandando este tipo de educação. Por fim, quanto as funções de

rendimentos, o autor questionou o fato de que ninguém teria conseguido testar com êxito as equações de demanda e oferta que determinariam as funções de rendimentos, o que seria de extrema importância para o desenvolvimento empírico da área.

Cabe ressaltar que as críticas à Teoria do Capital Humano foram levantadas em diferentes contextos e abrangem diversos níveis de discordância (RAMOS, 2012). No entanto, as abordagens que foram aqui apresentadas representam alternativas que conversam, ao menos em algum momento, com a corrente neoclássica.

2.2 Diferenças salariais decorrentes de imperfeições no mercado de trabalho

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