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As alterações climáticas e o ordenamento do território: ameaça e oportunidade

Alfredo Leal Franco 20 de junho de 2016

s alterações climáticas aparecem geralmente como o ambiente em risco e uma ameaça para a humanidade, mas também podem ser vistas como uma oportunidade para estimular uma mudança estrutural que favoreça a resolução de outros problemas. Analisaremos esta questão na perspetiva da intervenção do ordenamento do território nos processos de adaptação às alterações climáticas.

Fonte: Cartoon de John Ditchburn via Inkcinct

Em qualquer sociedade existe um modelo de desenvolvimento com um paradigma subjacente que funciona como matriz e referência principal das dinâmicas socioeconómica de um país, assim como da orgânica da sua

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governação. O paradigma de desenvolvimento comum a todos os países tem sido o capitalismo e, nesse âmbito, confrontam-se hoje em dia os modelos de crescimento económico sem limites e o de desenvolvimento sustentável, sendo que o primeiro dá a primazia à economia, secundarizando os aspetos sociais e ambientais, e o segundo salienta a relação virtuosa que deve existir entre essas as componentes económica, social e ambiental numa ótica de longo prazo. As visões de ordenamento do território são condicionadas pelos modelos de desenvolvimento dominantes e, enquanto política pública, pelo papel que o Estado elege na sua relação com a sociedade.

O ordenamento do território tem dois momentos face às alterações climáticas de origem antropogénica, o antes e o após. No antes de elas evidenciarem a sua existência assim como os seus fortes impactos, já se confrontava com grandes desafios devido às mudanças aceleradas de diversa índole ocorridas a nível mundial: globalização, mudanças demográficas, tendências de urbanização, com a criação de grandes cidades, e de litoralização, na maior parte das vezes com a ocupação de zonas de risco, aumento do consumo de solo com a expansão das zonas urbanas, consumo excessivo de recursos naturais finitos para além da sua capacidade de regeneração e produção de uma carga cada vez mais insustentável de resíduos. Todas estas alterações aconselham a reconfiguração das visões e práticas de ordenamento do território.

No após, a emergência crescente das alterações climáticas complexifica muito mais os anteriores desafios. Existe hoje uma crise generalizada do crescimento económico sem limites, agravada pelos impactos das alterações climáticas que continuarão no futuro, com uma intensidade, frequência e duração cada vez maiores. As alterações climáticas podem mesmo ser vistas como a expressão duma doença mais profunda na sociedade moderna, em que os processos e valores dominantes da economia política concentram crescentemente a riqueza numa minoria, tomando como aceitáveis a injustiça social e as externalidades ambientais negativas.

Como resposta às alterações climáticas, as estratégias de adaptação entram nesta equação a montante e a jusante. A montante, apresentam um modelo de intervenção que vai influenciar o ordenamento do território, de modo a que este incorpore e dê resposta a essa nova realidade. Mas para além da adaptação, o

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ordenamento do território lida com um conjunto de outras questões e interesses, que podem ser conflituosos ou mesmo contraditórios com as necessidades da adaptação às alterações climáticas. Assim, a jusante as soluções de ordenamento do território decidirão pela opção que estiver mais em conformidade com o modelo de desenvolvimento existente, indo determinar o tipo de adaptação que irá ser implementado. O ordenamento do território (OT) deverá então encontrar soluções que possam reforçar sinergias entre os diversos interesses em presença, limitando os conflitos, nomeadamente a tensão entre o modelo de adaptação às alterações climáticas que em princípio seria o mais indicado e o que terá de ser adotado face aos modelos dominantes de desenvolvimento e de OT existentes.

Fonte: Cartoon de John Ditchburn via Inkcinct

Na perspetiva de funcionamento top-down atualmente vigente a nível generalizado, o modelo de desenvolvimento em vigor (entre outros possíveis) vai determinar o modelo de ordenamento do território (entre outros possíveis), que por sua vez vai determinar que modelo de adaptação às alterações climáticas (entre outros possíveis) poderá ser posto em prática. Nesta perspetiva, pode constatar-se que as assimetrias do poder determinam para quem, onde e quando os impactos das alterações climáticas são sentidos e o leque de recursos para a recuperação das situações deles resultantes. Mas numa perspetiva alternativa de bottom-up é possível percorrer o percurso inverso de relações de influência, podendo haver até uma utilização simultânea destas duas perspetivas numa procura das soluções mais adequadas.

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As alterações climáticas, com os seus impactos, contribuem para aumentar a crise global existente, de modo que a sua superação e consequente mudança de modelo também deverão ocorrer a nível global. Assim, reforça-se a necessidade de alterar a visão vigente de ordenamento do território, mesmo ao nível do quadro do modelo de desenvolvimento existente, o que não invalida que se coloque seriamente a hipótese de mudança do próprio modelo de desenvolvimento. E qual será esse novo modelo de ordenamento do território?

Criando uma resposta a esta questão, João Ferrão refere que existe um “amplo consenso quanto à necessidade de [adotar] novos valores em relação ao território e às práticas de ordenamento do território” (Ferrão, 2011, pg. 124) e que o que está em jogo é uma nova cultura, uma “cultura de território, uma cultura de ordenamento de território, uma cultura da aprendizagem, (…) uma cultura de mudança e de inovação social” (idem, pg. 124). Assim, quanto à visão de ordenamento, propõe a “adopção de concepções neomodernas” e de uma “política de ordenamento mais eficiente e resiliente, mas também mais justa e democrática” (ibidem, pg. 133).

Será que as novas visões de ordenamento do território e de desenvolvimento propostas face às alterações climáticas vão também poder dar resposta a outros problemas existentes nas sociedades atuais? Será que irão implicar o repensar do modelo global da sociedade e produzir propostas para uma mudança mais ou menos profunda do seu paradigma e dos seus modelos a nível generalizado? Nesta perspetiva, a forte ameaça que as alterações climáticas representam para a sociedade poderá conter em si o germe das condições para aproveitar esta grande oportunidade para a resolução dos seus principais problemas.

Alfredo Leal Franco é aluno de doutoramento no Programa Doutoral em Alterações

Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável no Instituto de Ciências Sociais

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