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As Associações de alunos e escolas normais: questões políticas

No início do século XX, havia enorme tensão e rivalidade entre os governos das grandes potências europeias, como Alemanha, Inglaterra e França. Assim, na primeira metade deste século, a população viveu uma era de catástrofes com as duas guerras mundiais. Também aconteceram muitas mudanças sócio-político- econômicas, como a Revolução Russa, a crise mundial do capitalismo e a explosão da barbárie nazi-facista, mas, mesmo com tudo isso, ocorre uma notável transformação social e crescimento econômico, através do qual a tecnologia dá um salto vertiginoso.

A primeira Guerra Mundial foi tratada somente no periódico O Estimulo, porém num estilo de redação bastante implícito, como, por exemplo nos textos: “A propósito da partida dos Voluntarios Paulistas”, assinado somente pela letra H.; na coluna Noticiario da edição de n. 37, o pequeno texto “Manifestação Cívica”; também na coluna Noticiario da edição de n. 38, os pequenos textos: “A nossa companhia de guerra” e “A entrega da bandeira”. E, nos exemplares seguinte, 39 e 40, também nessa coluna Noticiario, tem-se o texto “A Paz”, que trata do fim da guerra. Percebi que os textos têm uma conotação de enaltecer o civismo e o patriotismo e não de denunciar as atrocidades da guerra, provavelmente este deva ser o motivo pelo qual o tema guerra aparece implicitamente.

Também constatei algo interessante que possa ter alguma relação com a situação provocada pela Primeira Guerra Mundial ou algum sentido. O periódico O

Alvorecer deixa de ser publicado em abril de 1914. Excelsior! só possui exemplar

publicado nesse ano no mês de setembro e, em 1916, também um, cessando, assim, a publicação. Já a revista O Estimulo são três números publicados em 1914, dois em 1916, mas, em 1917, somente um número publicado e, em 1918, somente dois.

Analisando a questão da publicação, quando foquei a Tipografia Augusto & Siqueira Comp., que imprimia a revista O Estimulo do Gremio Normalista “2 de

agosto”, concluí que as editoras nesse período passavam por muitas dificuldades em virtude da guerra, chegando a fazer impressões na Europa. Tavez seja esse o motivo da escassez da publicação da revista O Estimulo, o custo do material e impressão. Quanto a essa situação, os redatores do jornal A SAPA, alunos do 4º ano do Curso Normal da Escola Normal Secundária da Capital fazem uma crítica à escassez da publicação e à redução do números das páginas da revista. É possível crer que não tinham noção de toda a situação política e econômica, daí a crítica.

Já em Portugal, é provável que a guerra também possa ser um dos motivos, pois o país participou dos combates. Em um dos últimos números a serem publicados de O Alvorecer, em fevereiro de 1914, existe um texto de A. Serrano, intitulado Coisas que eu penso, que trata do assunto guerra. Esse autor escreve: “A guerra é a mais hedionda de quantas calamidades assolam a humanidade.” (p. 2). Durante o texto, apresenta vários argumentos sobre o tema guerra e finaliza-o assim: “Heroi e fratricida, heroi póde ser suicida, heroi é ladrão... e um monstro é um heroi! Guerra é o cortejo infernal dos herois... guerra é morte, a morte a destruição... [...]”. (p. 2). Parece aqui que se trata de um desabafo implícito relacionado à 1ª Guerra Mundial, que, pela data da publicação do periódico, estava para explodir87,

uma vez que Portugal já havia enviado tropas para a defesa das colônias africanas Angola e Moçambique, ameaçadas pela Alemanha sem declaração de guerra. Vale ressaltar que todas as publicações, periódicas ou não, somente foram obrigadas à censura prévia enquanto durasse a guerra, a partir de 28 de março de 1916.

Também na edição de n. 13, em um texto intitulado Guerra, há um prenúncio da situação que estava prestes a eclodir; o autor desse texto apresenta a versão do conto de Ballenche88, publicada em 1912.

No caso brasileiro, considerei que a dificuldade de impressão das publicações, ou mesmo a suspensão delas, está relacionada ao alto custo das impressões em virtude da situação econômica provocada pela guerra. Já em Portugal, atribuí essa situação às desavenças ocorridas entre os diretores do periódico O Alvorecer e também ao anúncio da guerra, uma vez que constatei alguns indícios dessa situação.

87 A Primeira Guerra Mundial ocorreu entre 28 de julho de 1914 e 11 de novembro de 1918.

88 A Guerra - versão - “La douleur seule compléte la vie, et íl n´y a pas de réel que les lames.”

Procurei, aqui, uma vez se tratando das mudanças sócio-político- econômicas, fazer uso de Arrotéia (1993), porque, quando comparamos, precisamos levar em conta o caráter nacional de uma nação, considerando “[...] a importância das comunidades locais e as especificidades regionais que determinam certas particularidades à organização e funcionamento dos sistemas educativos”. (ARROTÉIA, 1993, p. 12-13).

Tendo por base esse conceito, constatei que tanto as escolas normais do Brasil bem como as de Portugal, por serem públicas, tinham por trás de suas atividades o Estado, com suas determinações e normatizações quanto ao ensino. No Brasil, isso está presente mais fortemente, já em Portugal “parecia” haver mais liberdade para o desenvolvimento da imprensa acadêmica no interior das escolas normais, isto quando me refiro à Escola Normal Primária do Porto e à Escola Normal Primária de Coimbra. Quanto à Escola Normal Primária de Lisboa, essa liberdade é fortemente cerceada, talvez pela publicação acontecer no início da República.

Na edição de n.35 da revista O Estimulo, de 14/11/1916, no texto A

proposito da partida dos Voluntarios Paulistas, o autor, que assina somente H.,

escreve que “o militarismo, portanto, já não póde ser taxado, como foi por muita gente, de verbalismo de poeta. Tomou vulto. Cresceu. E, já sendo comprehendido e praticado por muitos jovens, ha de proximamente, se incrementar no nosso caro Brasil, como instituição benefica á soberania do paiz.” (H, 1916, p. 657).

Na mesma edição da revista O Estimulo, no texto O patriota e o cidadão, Andrade escreve que “formar homens fortes – instruidos e patriotas, dedicados e robustos – é o escopo que a Educação Civica tenta realizar, é o fim para o qual ella caminha a pouco e pouco.” (ANDRADE, 1916, p. 648).

Como já apontei, são as características de cada República que vão diferenciar as escolas normais. Tanto no Brasil como em Portugal, as Constituições proclamam uma República laica. Segundo Catroga (2006),

[...] se desejava laicizar o capital simbólico, visando a produção (e reprodução) do consenso social e nacional, quer mediante a substituição de Deus pelo culto da Pátria e a abolição dos juramentos religiosos nos actos políticos e judiciais, quer através da instauração de feriados civis (extinguindo ou restringindo os religiosos) e da promoção de festas e de uma nova hagiografia cívica. (CATROGA, 2006, p. 40).

Para Wheeler (1978), a mobilização política da 1ª República tentou fazer aquilo que nenhum regime anterior tentara;

“[...] «formar um povo moderno», conduzir Portugal para o círculo das nações da Europa ocidental através da criação de uma sociedade mais aberta e auto-suficiente e de um sistema de governo mais representativo, os dirigentes republicanos esforçaram-se por pôr em prática os seus ideais de justiça social e democratização”. (WHEELER, 1978, p. 869).

Ainda para esse autor, “a 1ª República constitui um fenómeno novo na política e no governo em Portugal” (p.867).

Já no Brasil a “Primeira República”, entre os anos de 1910 e 1930, também é conhecida como “República Velha”, “República Oligárquica”, “República dos Coronéis” e “República do Café”. Trata-se de poder oligárquico, o governo era realizado por um pequeno grupo que estabelecia as regras eleitorais, as quais não eram propriamente democráticas. Em algumas regiões, prevalecia a influência e o poder dos coronéis, dos fazendeiros ou criadores de gado.

Também caracterizaram os anos 1920, os grandes debates e discussões na maioria dos Estados, sobre o ensino e a educação chegando a elaborar um diagnóstico nacional sobre os mesmos.

No que se refere ao ensino e à educação, a Primeira República herda

Um ensino primário deficiente, com um corpo docente em geral leigo e mal preparado. Uma escola secundária - ministrando um ensino preponderante literário, livresco - com finalidade propedêutica, mantida principal mente por entidades privadas e destinado aos filhos das classes abastadas; um ensino superior fragmentado... (WEREBE, 1994, p.37).

Segundo Pagni (2000), durante os anos de 1920, a intelectualidade brasileira via a educação como

[...] um modo de formar ‘novas elites’ para servir o Estado e, ao mesmo tempo, promover a formação da nacionalidade por intermédio de uma cultura nacional e de uma educação moral sólidas que assegurassem o progresso de nossa civilização, dentro da ordem estabelecida e sem ruptura política. (PAGNI, 2000, p. 49).

Considero que as “Repúblicas” de Brasil e Portugal apresentam características diferentes devido ao período em que cada uma acontece e consequentemente as escolas normais também apresentam individualidades.

As normatizações administrativas e políticas são bastante explícitas em alguns peródicos, como por exemplo a do “civismo”, na década de 1910, e a do “nacionalismo”, na década de 1920. Constatei isso nos inúmeros textos (artigos e matérias) registrados nos periódicos brasileiros com o desenvolvimento desses dois temas. Esse tipo de formação vai ser embutido nos alunos por meio dos cultos cívicos e as festas escolares. Nos periódicos brasilerios, são muitas as referências ao termo civismo presente em muito conteúdos e também nas festas escolares cívicas. No caso da revista do grêmio da Escola Normal da Capital, há exemplares inteiros dedicados à “festa da árvore”, à “festa das aves”. São relatadas pelos alunos as inúmeras atividades cívicas, organizadas pelo grêmio. Outro exemplo encontra-se na edição de 06/10/1913 da revista O Estimulo, na qual todos os artigos até a página 420 estão carregados de patriotismo devido ao lançamento do navio de guerra, o encouraçado São Paulo. Além da descrição de todos os atributos do navio, a revista traz também homenagens ao almirante responsável pelo encouraçado: Alexandrino de Alencar. Dentre os textos encontrados nessa edição, também existem alguns exaltando o simbolismo da bandeira nacional.

Para Nunes (2003, p. 372), “Inúmeras cerimônias para comemorar o Dia da Bandeira eram realizadas nas diversas cidades brasileiras. As festividades em São Paulo, nos anos 20, ficaram famosas.” Segundo Nunes (2003, p. 372), “A bandeira em que o corpo do menino se transforma é o símbolo máximo do Brasil republicano”. Ainda para Nunes (2003, p. 372), ensinava-se o “comportamento daquele que serve o próximo, à cidade e o país”.

Na revista Excelsior!, do grêmio da Escola Normal de São Carlos, também aparecem os temas civismo e nacionalismo quanto às festas escolares e os textos das conferências, mas com uma ênfase menor, pois não há nenhum exemplar totalmente dedicado a uma data especifica. Em Portugal, como já foi mencionado em capítulos anteriores, tem-se, em Educação Feminina e em O Alvorecer, o registro da “festa da árvore”, uma data fortemente comemorada pelas escolas portuguesas. Para Pintassilgo (1998), tratava-se a festa da árvore como uma religiosidade cívica republicana que caracteriza a 1ª República.

Para Pintassilgo (1998), talvez esses cultos cívicos tivessem a intenção de substituir “[...] os rituais, cultos e símbolos associados ao catolicismo e apresentar alternativa rituais, cultos e símbolos inspirados no laicismo”. (p. 151-152). Recorrendo a C. Riviére, Pintassilgo afirma que essa ritualização das sociedades modernas é designada “pela expressão «liturgia política», constituindo-se na seguinte: Séries d´actes solennels, répétitifs et codifiés, d´ordre verbal, gestuel et postural, à forte charge symbolique”. (p. 156).

Ainda para esse autor, essa “liturgia política”, caracterizada como um ato repetitivo, estereotipado e simbólico, tinha por objetivo favorecer a integração social dos grupos e reforçar os laços de identidade. Um recurso “característico dos momentos em que uma ideologia (e um poder) necessita de se firmar [...]” (p. 156). Conclui que, no Brasil, não era diferente, aqui também era preciso firmar uma nova ideologia, uma nova forma de governo, de poder, ou seja, a República, tal qual se apresentava naquele momento, ainda se encontrava em processo de legitimação. Daí essa investida nacionalista por meio da educação com seus cultos cívicos e festas escolares, tanto no Brasil como em Portugal. Em Portugal, Mattoso (1994) afirmou que: “depois de 1910, durante algum tempo, a retórica <nacionalista> dominara em absoluto” (p. 593). Para esse autor, somente a partir da década de 1920, é que começa haver mudanças. Já, no Brasil, os temas civismo, patriotismo, nacionalismo são divulgados por muitos desde o final do século XIX, como registrei no percurso desta tese. Entre eles aparecem Olavo Bilac, Rui Barbosa, Rio Branco.

Como exemplo, tem-se o pequeno texto de Rui Barbosa, intitulado A Pátria, no qual o autor trata do civismo publicado na revista O Estimulo de n.28, em 20/04/1914. Rui Barbosa, além de ser um divulgador do patriotismo, em 1886, traduziu o livro Primeiras lições de coisas, de Norman A. Calkins. Esse livro apresenta premissas metodologias baseadas no método intuitivo. Como visto no transcorrer desta tese, as “lições de coisas” estavam muito presentes no currículo.

Na revista O Estimulo de n.29, publicada em 02/08/1914, o texto de Olavo Bilac, intitulado A EDUCAÇÃO, traz uma visão interessante sobre esse tema. Bilac foi um escritor e jornalista dedicado à vida política do Brasil, principalmente, às campanhas cívicas, das quais a mais famosa foi em favor do serviço militar obrigatório.

A revista Excelsior! fez uma grande homenagem ao Barão do Rio Branco em um texto escrito pelo professor João Lourenço Rodrigues. Muitas de suas páginas

foram dedicadas a enaltecer a figura do brasileiro, que defendeu o país em situações de guerra e esteve a frente de negociações pelas divisas de nossas terras, consolidando, assim, as fronteiras brasileiras. No texto, Rodrigues (1912) apresenta os motivos patrióticos e cívicos que o levaram a proferir tal conferência89,

enaltecendo as virtudes do Barão do Rio Branco, que deveriam ser observadas pelos alunos, pois no momento era de suma importancia conhecer os feitos dos grande homens. Rodrigues repete inúmeras vezes em seu texto a frase considerada pelo Barão do Rio Branco um lema: “onde quer que esteja meu pensamento está na Pátria” (p. 7).

Vale ressaltar que, nas escolas paulistas, essas festas cívicas eram promovidas primeiramente pela direção dos grêmios e, depois, a partir de 1916, pelos professores membros da Liga Nacionalista. Assim, um sinal importante dos anos iniciais das escolas normais paulistas, ocasiões fortemente marcadas pela presença do Orfeão normalista, desenvolvendo atividades musicais diversas e outras, era sempre tudo organizado pela direção do grêmio normalista, como foi possível comprovar em vários textos (artigos e matérias) publicados nos periódicos em questão. Reportei-me aqui ao conceito “estratégia”, proposto por Certeau (1994, p. 99), quando esse autor a define como o cálculo ou manipulação das relações de forças que se torna possível a partir de um momento em que um sujeito de querer e poder, no caso aqui, uma instituição (a escola normal e o grêmio) tem como “estratégia” imprimir à formação dos normalistas um sentido fortemente patriota.

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