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AS BRINCADEIRAS FOLCLÓRICAS, AS MEMÓRIAS E A REVITALIZAÇÃO DA CULTURA IMATERIAL

as formas de brincar e como isso fortalece a manutenção e difusão do patrimônio cultural imaterial.

A atividade realizada para dois públicos diferentes, as crianças de hoje (7 a 12 anos) e as crianças de ontem (adultos entre 40 e 80 anos) nos provoca a olhar por diferentes pers- pectivas. A brincadeira presente, que traz as informações do passado ressignificadas em novos corpos e suas novas maneiras de brincar, e a brincadeira passada, aquela que apesar de fazer parte há mais tempo da memória corporal destas pessoas, hoje está mais presente apenas na lembrança: o que faziam, como brincavam, quem brincava. Tudo isso reforça a importância da memória coletiva nas ações culturais de uma sociedade, pois se encontravam, no local, pessoas de diferentes contextos sociais. Assim, podemos destacar que a cultura po- pular e as diferentes manifestações folclóricas e tradicionais são mantidas por uma memória coletiva, que

deve necessariamente estar vinculada a um grupo social determinado. É o grupo que celebra sua revificação, e o mecanismo de conservação do grupo está estreitamente associado à preservação da memória. [...] a memória coletiva só pode existir enquanto vivência, isto é, enquanto prática que se manifesta no cotidiano das pessoas (ORTIZ, 2012, p. 133).

Neste caso, apesar de diferentes procedências e experiências anteriores, estas pesso- as fazem parte de um todo, e trazem consigo as mesmas brincadeiras folclóricas, mediantes perspectivas singulares. Isso nos remete à forma como o folclore se comporta, passando de geração a geração novas formas de vivificar as manifestações que fazem parte dessas so- ciedades. Este conjunto de práticas hoje constitui os nossos patrimônios culturais imateriais, que segundo a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Imaterial da UNESCO traz no seu artigo 2º que PCI’s são:

[As] práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados – que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante do seu patrimônio cultural. Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de geração em gera- ção, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua relação com a natureza e de sua história, ge- rando um sentimento de identidade e continuidade e contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana.

Em se tratando de bens culturais de um tipo especial, como o imaterial, devemos levar em consideração que trabalhamos com processos ou bens ‘vivos’, cujo principal veículo é o corpo humano (FALCÃO, 2008, p.7). Este trabalho traz como ideia central a reflexão sobre como este patrimônio ainda é mantido através das brincadeiras folclóricas, e como elas são ativadoras de uma memória individual e coletiva, passando assim a agir como uma potência da memória.

O folclore faz parte da vida de todos nós. Está onde estamos. Surge, adapta-se, modifica-se, adquirindo novas funções, em um processo dinâ-

mico. Contribui e recebe, no entanto, suas características de espontanei- dade e aceitação coletiva [...] (GUIMARÃES, 2002, p. VIII).

Ainda, o folclore está aliado às questões de identidade e assume determinadas carac- terísticas, tais como:

[...] é uma ciência que estuda a cultura viva do povo; o conjunto das tradi- ções que fazem parte da cultura popular tradicional; compreende o estu- do dos usos e costumes, crenças, magias, mitos contos, causos, parlen- das, provérbios, arte, artesanato, dança do povo; é, portanto, o conjunto de criações culturais de uma comunidade, baseado nas tradições expres- sas, individuais ou coletivas, representando uma identidade social (SEC- CHI, 2014, p. 25-26).

Assim, abordar as brincadeiras folclóricas também desperta uma função social: “As brin- cadeiras folclóricas desenvolvem a sociabilidade e o sentimento confraternizador, já que toda a atividade em grupo tende a unificá-lo, [...]” (RIBEIRO, 2000, p.13). E também:

As brincadeiras folclóricas, por serem criadas pelas crianças, correspon- dem às suas características evolutivas. Brincadeiras para os pequenos são mais ricas em fantasias, mais afetivas, enquanto que para os maiores há uma maior exigência competitiva. São menos preferidos, em geral, os brinquedos que restringem o direito de alguma improvisação no gesto e na corrida [...]. O brinquedo e as brincadeiras folclóricas ocorrem de formas cíclicas. [...] Muitas vezes abandonado por uma geração e reer- guidos por outras. [...] (INOCENTE, s/d, p.14.).

Neste sentido, pensar nessas formas cíclicas, nos remete à importância destas brinca- deiras atuando como ativadoras da memória individual e coletiva.

Mais uma vez é prudente ressaltar que por ser a memória um fenômeno diretamente ligado à cultura, ela também está sujeita a transformações. Apropriam-se de fatos para suprir a necessidade de dar respostas sobre as origens através de um passado que é impossível lembrar, mas que está tão vivo para as pessoas, como se realmente tivessem feito parte dele. “É como se o dever da memória fizesse da cada um o historiador de si mesmo” (PIPPI, 2005, p.17) e assim, como sujeito – sociológico, ao externar suas memórias e absorver as da sociedade, mantém-se o ciclo que faz com que as memórias passem a ser coletivas fortalecendo a iden- tidade cultural de um grupo /nação (MARQUES, 2012, p. 21).

Refletindo sobre todas essas conceituações, e retomando a importância dos estudos do folclore como propõe a Carta do Folclore (1995), e aliando aos conceitos de memória tra- zidos por Pipi (2005), é que chegamos à ideia das brincadeiras como potência da memória, e ao pensamento do filósofo Aristóteles sobre “ato e potência”. Para o autor, a potência “se toma em muitas significações. Não temos que nos ocupar apenas das potências que as são no nome (...), outras coisas podem ser consideradas potentes ou impotentes de acordo com certa maneira de ser ou não ser” (1977, p. 20). E continua ao dizer que “potente é aquele que pode algo em qualquer circunstância, e de qualquer maneira”. Neste sentido, em suas expli-

assim, ato é o que existe concretamente; enquanto potência é algo que tem a capacidade de realizar sua existência” (MANZKE, GONZALES E JESUS, 2018, p.182).

A partir desta definição e pensando nas atividades que utilizam como escopo resgatar brincadeiras folclóricas que acabam por (re)ativar estas memórias individuais e coletivas, ou seja, “realizar a existência” desta memória social, que é algo imaterial, tornando-as passíveis inclusive de serem revividas na prática, podemos dizer que a brincadeira pode potencializar a capacidade de registro, retorno e, ainda, manutenção das memórias, e assim das manifes- tações culturais, auxiliando para a salvaguarda dos patrimônios culturais imateriais de uma sociedade.