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CAPÍTULO 2 – A COOPERAÇÃO TRIBUTÁRIA INTERNACIONAL

2.4 As cartas rogatórias e a cooperação jurídica internacional

Uma outra modalidade de cooperação internacional existente é aquela realizada pelos Órgãos do Poder Judiciário, a chamada cooperação jurídica internacional. Destina-se ao cumprimento de atos jurídicos diversos ou ao reconhecimento, internamente, de uma decisão proferida no exterior. Atua paralelamente à cooperação administrativa internacional.

Ambas as formas de cooperação internacional têm em comum com os procedimentos de troca de informações fiscais os problemas decorrentes da excessiva proteção conferida ao sigilo bancário, que dificulta a cooperação internacional tanto administrativa quanto jurídica.

O grande número de cartas rogatórias com pedidos de quebra de sigilo bancário destinadas à apuração de ilícitos tributários nos países rogantes autoriza a inclusão do tema no presente capítulo, a ser abordado de forma resumida apenas para indicar sua problemática relativamente à quebra do sigilo bancário.

Os pedidos de cartas rogatórias solicitados ao Brasil buscam a cooperação para vários tipos de situações, inclusive, aquelas envolvendo recuperação de ativos, lavagem de dinheiro e ilícitos tributários em geral.

As cartas rogatórias configuram a principal modalidade de cooperação jurídica internacional, ao lado da homologação de sentença estrangeira e do auxílio direto. Representam situação em que ao Estado rogado é solicitada a execução de uma decisão judicial proferida pelo Estado rogante.

De regra, as cartas rogatórias destinam-se ao cumprimento de diversos atos, como citação, notificação, coleta de provas ou medidas de caráter restritivo, podendo também envolver pedidos de caráter executório, como quebra de sigilo bancário ou penhora de bens.

A lei do país de origem estabelece os requisitos a serem cumpridos quanto à forma e encaminhamento das rogatórias. No Brasil, o Código de Processo Civil, no capítulo referente à comunicação dos atos, dispõe sobre o procedimento das cartas rogatórias ativas. Já as cartas rogatórias passivas devem ser cumpridas de acordo com a lei do país de destino, que analisará seu conteúdo para saber da possibilidade de realização dos atos solicitados.

Para serem cumpridas no território brasileiro, as cartas rogatórias passivas necessitam do exequatur do Superior Tribunal de Justiça, conforme o disposto na CF, art. 105, I, i: “Compete ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar originariamente a homologação de sentença estrangeira e a concessão de exequatur às cartas rogatórias.”

O instituto das cartas rogatórias surgiu no ordenamento jurídico brasileiro na metade do séc. XIX. Os juízes as recebiam e cumpriam sem nenhuma exigência ou burocracia. A maior parte das rogatórias era proveniente de Portugal e seu cumprimento no Brasil se dava sem que o governo imperial tivesse qualquer ciência a respeito, inclusive as de caráter executório.49

A matéria somente foi disciplinada com o Aviso Circular nº 1, e a exigência do

exequatur para cumprimento das rogatórias surgiu com a Lei 221, de 10/11/1894, que atribuía

competência ao Poder Executivo.

Apenas com o advento da CF de 1934, o STF passou a ser competente para concessão de exequatur em cartas rogatórias. Competência que perdurou até 2004, quando foi alterada pela Emenda Constitucional nº 45.

O procedimento para obtenção do exequatur passa pelo juízo de delibação. Não há, nesse juízo, análise de mérito das razões que convenceram a autoridade estrangeira a decidir pela realização da diligência. São analisados apenas os elementos formais e a violação à

49 ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: teoria e prática brasileira. Rio de Janeiro: Renovar,

ordem pública, soberania e bons costumes. Sem o exequatur as decisões estrangeiras não têm eficácia no Brasil.

Foi no STF que se desenvolveram as teses aplicáveis às rogatórias. Araújo lembra que os vários pontos controvertidos, como a questão das cartas rogatórias executórias e a exceção de ordem pública, foram resolvidos ao longo de 70 anos, período em que a matéria foi da competência da Suprema Corte.50

No STJ, o tema foi regulamentado pela Resolução nº 9, de 4/5/2005, que inovou em alguns pontos, demonstrando a preocupação com a agilidade e o sigilo do procedimento, principalmente em matérias que envolvam ilícitos fiscais.

O art. 7º da referida resolução dispõe que as cartas rogatórias podem ter por objeto atos decisórios ou não decisórios. Esse dispositivo resolveu uma divergência surgida, ainda, no STF, que apenas reconhecia rogatória com medida executória se houvesse acordo ou convenção nesse sentido, ampliando-se, assim, o rol das rogatórias e permitindo maior participação do Brasil na esfera da cooperação jurídica internacional.

Também inova o parágrafo único do art. 8º dessa mesma resolução ao permitir que a medida solicitada por carta rogatória seja realizada sem ouvir a parte interessada quando sua intimação prévia puder resultar na ineficácia da cooperação internacional.

Assim, as cartas rogatórias apresentam-se como instrumento de cooperação jurídica internacional, que, após a Resolução do STJ, tornou-se mais dinâmica, tendo em vista as necessidades internacionais de combate a ilícitos e sonegações fiscais. Por meio de um procedimento simples, é reconhecida a eficácia, no Brasil, de decisão estrangeira, desde que não viole a ordem pública, a soberania nacional ou os bons costumes.

Trata-se de um instituto que vem ganhando destaque devido ao estreitamento das relações públicas e particulares com Estados estrangeiros e que merece ser aprimorado, no âmbito do Judiciário, a fim de promover a efetiva cooperação internacional.

Não se admite mais o sentimento de cortesia no que diz respeito à cooperação entre os Estados, tendo como resultado da não cooperação apenas o desprestígio internacional. “A cada dia aumenta a dependência entre os Estados e o inter-relacionamento de toda ordem, entre os cidadãos”,51 tendo como decorrência um Poder Judiciário com reflexos em mais de um país. A não cooperação jurídica, atualmente, resulta na mesma atitude por parte de outros Estados diante dos pedidos brasileiros.

Ademais, não há falar em violação da ordem pública em relação à atitude de cooperação jurídica, porque o efeito da intervenção da ordem pública é justamente negar a lei estrangeira e, por conseguinte, não proceder à cooperação quando o caso concreto importe em um resultado incompatível com o direito interno.

Na cooperação jurídica internacional, a modalidade de carta rogatória é a mais comum, sendo utilizada inclusive nos procedimentos envolvendo matéria tributária. Porém, no Brasil, os Estados rogantes encontram alguns empecilhos quanto aos pedidos de quebra de sigilo bancário, que, por ser considerada medida de caráter executório, não é cumprida internamente. Trata-se de jurisprudência surgida no STF, que vedava o cumprimento de rogatórias envolvendo tais pedidos, mas que atualmente vem sendo modificada pelo STJ, que, aos poucos, se atenta para a necessidade de cooperação internacional na solução de problemas decorrentes do processo de globalização. Na Carta Rogatória 438/BE, o Ministro Relator Luiz Fux, deixa clara a necessidade de adequação dos institutos jurídicos aos tempos modernos.

Essas são as modalidades de cooperação internacional que auxiliam os Estados no cumprimento das normas legais. Cada uma delas procedimento amigável, assistência

administrativa e cooperação jurídica tem sua aplicabilidade específica, e todas trazem benefícios para ambos os países envolvidos na cooperação.

CAPÍTULO 3 – A CLÁUSULA DE TROCA DE INFORMAÇÕES FISCAIS ENTRE

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