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Segundo Koch (1996), existem três concepções de linguagem e de leitura construídas no decorrer da história: 1) como representação “espelho” do mundo e do pensamento; 2) como instrumento “ferramenta” de comunicação; 3) como forma “lugar” de ação ou interação. A primeira afirma que a linguagem serviria para representar o mundo e a realidade que nos cerca e ainda aquilo que pensamos sobre ela. Dessa forma, a linguagem seria uma espécie de “espelho” refletindo tudo a nossa volta, incluindo nossos pensamentos. A segunda concepção nos mostra que a linguagem seria centrada apenas na comunicação, funcionando para transmitir mensagens. Na terceira concepção, percebemos que a linguagem seria fruto da interação entre enunciador/enunciatário, falante/ouvinte, autor/leitor, prestando-se não só como representação do pensamento, mas também como processo de comunicação, isto é, uma peça fundamental para a interação entre os seres humanos. Nesse caso, a linguagem seria influenciada pelo contexto linguístico e extralinguístico, pela ideologia e pela história, não só a oficial, mas também a história de cada indivíduo.

Segundo nossa compreensão, essas concepções não esgotam nem explicam o funcionamento da linguagem. Para sermos coerentes com nosso referencial, devemos tomar a linguagem como construtora de realidades. A linguagem não reflete a realidade, mas a refrata. Nesse mesmo sentido, a linguagem científica não descreve seus objetos, mas verdadeiramente os constrói.

Resgatando um pouco de história, a escrita propriamente dita surgiu, por volta de 3100 a.C, na Suméria, onde hoje se localizam o Irã e o Iraque, numa região antigamente denominada Mesopotâmia, entre os rios Tigre e Eufrates. Nessa região, a floresta era escassa, havendo somente terra e água. Os rudimentos da escrita eram feitos em pequenas placas de barro, como almofadas.

Com o passar do tempo, foram aperfeiçoadas as técnicas e surgiram outras fontes, também muito exploradas, como a madeira, o metal, as pedras dos monumentos, as peles de animais, que foram usadas até a descoberta do papiro, precursor do papel, amplamente utilizado para a escrita durante muitos séculos. Assim, a concepção de escrita espalhou-se pelo planeta, aparecendo, por isso, variações do sistema de escrita. Para melhor representar a escrita, cada nação criava os seus próprios símbolos gráficos e os seus próprios usos para representarem suas línguas. Dessa maneira, surgiram sistemas variados de escrita. Alguns estudiosos acreditam que a escrita também tenha surgido de forma independente em outras

partes do mundo, como na China, por volta de 1300 a. C., na América Central, entre os maias, dos quais sabemos ainda muito pouco, e cuja escrita ainda não foi totalmente decifrada, e no Egito, por volta de 3000 a. C. Os demais sistemas de escrita foram derivados desses quatro países, sobretudo dos sumérios.

Em seus primórdios, a escrita foi utilizada exclusivamente para fins contábeis. Desse modo, as primeiras manifestações mesclavam números e desenhos de animais e objetos que serviam para contar alguma história, como as inscrições rupestres feitas em várias cavernas. Por isso, a escrita difere do desenho. Quando um desenho deixa de representar um objeto do mundo e passa a representar uma palavra de uma língua, deixa de ser um simples desenho e passa a ter natureza semiótica, passa a ser uma grafia que representa uma palavra. Em outras palavras, torna-se signo.

Os sistemas de escrita começaram com caracteres na forma de desenhos de objetos que representavam palavras, mas esse sistema logo se esgotou diante da complexidade com que se organizavam a vida humana e as sociedades. Diante das necessidades de representação gráfica humana, os sistemas de escrita começaram a representar os sons das palavras e não mais as ideias. A princípio, parecia fácil, porque, por exemplo, para escrever irmão, traçava-se o desenho de duas pernas que significavam ir e o desenho de uma mão, que completava a mensagem, mas apareceram situações diferentes, bem mais complexas, que necessitavam de melhor esclarecimento.

Segundo Cagliari (2004), a história da escrita vista em sua plenitude, sem seguir certa teoria de evolução ao longo do tempo, caracteriza-se em três fases distintas: a pictográfica, a ideográfica e a alfabética.

A fase pictográfica se distingue da escrita, porque era expressa através de desenhos ou pictogramas, os quais apareciam em inscrições antigas. Por isso, encontramos formas de escrita muito mais sofisticadas nos cantos de Ojibwa da América do Norte, na escrita asteca, principalmente, no catecismo, e atualmente nas HQ, histórias em quadrinhos. Os pictogramas estão associados a uma imagem do que se quer representar e não ao som. Dessa forma, consistem em representações gráficas menos elaboradas dos objetos, cuja função seria representar a realidade.

A fase ideográfica caracteriza-se pela escrita representada através de desenhos especiais chamados ideogramas. Dentre as principais escritas ideográficas, as mais importantes são a egípcia, conhecida também com o nome de hieróglifo; a escrita mesopotâmia, da Suméria; as escritas do Mar Egeu; a cretense e a chinesa. Por isso, o uso de letras vem caracterizar a fase alfabética que se originou dos ideogramas que perderam seus

valores ideográficos, assumindo nova função na escrita: a função fonográfica. O ideograma perde o valor pictórico e passa a ser uma representação fonética. Dentre os mais importantes estão o indiano e o greco-latino.

O sistema alfabético passou por inúmeras transformações até se tornar o que conhecemos hoje. Os fenícios aproveitaram os sinais da escrita egípcia e realizaram um inventário de caracteres, cada um descrevendo um som consonantal. As vogais não tinham importância e cada palavra era facilmente reconhecida somente pelas consoantes. Por isso, até hoje essas características permanecem no sistema de escrita do árabe e do hebraico. Os gregos usaram o sistema de escrita dos fenícios e fizeram adaptações, entre elas a adição de vogais, relevantes na formação e no reconhecimento das palavras. Nesse aspecto, devemos aos gregos a invenção da escrita alfabética como a conhecemos: com vogais e consoantes. Pelo número de combinações possíveis, a escrita alfabética possui menor número de símbolos.

Nesse contexto de adaptações e adições, a escrita grega incorporada e adaptada pelos romanos sofreu variações que resultaram no sistema greco-latino, originando, assim, o nosso alfabeto.

O sistema de escrita apresenta algumas formalizações: escrevemos de cima para baixo e da esquerda para a direita. Embora isso seja muito comum entre vários sistemas, nem todos são assim. Sistemas como o chinês e o japonês são escritos da direita para a esquerda, em colunas verticais. Já os árabes escrevem da direita para a esquerda, em linhas de cima para baixo.

Acreditamos que compreender como surgiram a leitura e a escrita, relevantes atividades ligadas à crescente complexidade da organização humana em sua história, e ainda compreender como eram praticadas, nos fornecerá subsídios para trabalharmos com as dificuldades de nossos alunos, em suas leituras e produções de texto. Afinal, a história nos mostra que a leitura e escrita não são instrumentos naturais e corriqueiros da vida sobre a Terra. São características exclusivamente humanas e relativamente novas, se considerarmos o tempo da vida dos humanos, desde que “saímos” das cavernas.