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3.3 A vida no local de trabalho

3.3.1 As condições de trabalho e remuneração

O entendimento sobre o que significa ter boas condições de trabalho variou entre os entrevistados. Apareceram questões como o acesso aos materiais necessários para a execução da atividade docente e infraestrutura da escola, falta de professores, disciplina dos alunos e a valorização profissional.

A materialidade do trabalho e a infraestrutura da escola não aparecem como os principais problemas da RMEBH durante as entrevistas realizadas. Os problemas relacionados com a materialidade variam de uma escola para outra. Nas falas de duas entrevistadas há uma boa avaliação em relação à estrutura física da escola, uma delas relaciona o acesso aos materiais necessários para a execução do trabalho com o conhecimento da rotina da escola.

Com relação à escola, ela tem estrutura física para o trabalho, ela oferece condições de trabalho (Professora O., sindicalizada).

Eu tenho boas condições de trabalho. Eu conheço a rotina da escola, estou aqui há nove anos então eu sei exatamente onde buscar os materiais. Esse aspecto material é tranquilo. Não falta nada de materialidade (Professora L., não sindicalizada).

Outra entrevistada, que também trabalha na área da saúde, compara as condições materiais da educação com a materialidade oferecida pela saúde. A percepção da entrevistada da precariedade do trabalho na área da saúde a leva a considerar que suas condições materiais de trabalho na educação são melhores. A professora avalia que a existência de um caixa escolar facilita o acesso à materialidade, diminuindo a tramitação burocrática entre a solicitação e o recebimento de verbas para a realização de projetos na escola. O caixa escolar é

uma conta própria da escola na qual o poder público deposita o erário para a compra de materiais, contratação de auxiliares de serviço, execução de obras e financiamento de projetos elaborados pelo corpo docente.

As condições de trabalho na educação infantil é uma condição boa, se você olhar o fator materialidade. O que você precisa para um projeto, você solicita e tem. Isso pra mim é bem presente porque na saúde é uma pobreza, a gente pede uma coisa, é uma burocracia porque a gente não tem um caixa igual a escola tem, o caixa escolar, que tem o dinheiro ali e pode utilizar. Saúde é mais difícil (Professora Mo., sindicalizada).

O professor R, que já esteve na direção do sindicato e rompeu, compara a escola pública com a escola particular, avaliando que as condições oferecidas pela RMEBH são piores do que as do ensino particular e melhores se relacionadas com outras redes públicas de educação. Na opinião dele, o grande problema está na falta de compromisso dos colegas com a educação.

Se você comparar as condições de trabalho com a realidade que eu tinha na escola particular, é razoável para baixo. Se for comparar com a realidade da escola pública, tá muito bom. O grande problema do trabalho é que não existe compromisso do coletivo. [...] Acho que falta compromisso social com a educação. Nosso recreio, por exemplo, pela lei é de 20 minutos, ele dura 40 minutos e ninguém reclama. (Professor R, não sindicalizado).

Apesar de não aparecerem muitas críticas em relação à materialidade do trabalho, a maioria dos entrevistados aponta vários problemas que influenciam as condições de trabalho. O problema da disciplina dos alunos foi citado em duas entrevistas. A rotatividade de professores e a ausência constante dos profissionais foram outros fatores mencionados como problemas para a organização escolar.

A escola perdeu um pouco de organização. Rotatividade de professores, então o professor não conhece muito essa especificidade do local. A comunidade tem códigos muito próprios. A gente ta inserido num meio que é muito peculiar, eles têm toda uma organização extra-escola, a gente é o estrangeiro, então eu acho que a gente tem que se adequar aos códigos (Professora L, não sindicalizada).

O ensino fundamental ta pior que o ensino infantil, a infraestrutura não é tão boa, ta faltando muito profissional na rede, ta tendo muita substituição, atrapalha o planejamento e não tem tanta materialidade, a questão de barulho também, incomoda bastante, problemas muito graves de disciplina. [...] (Professora Ca, não sindicalizada).

A valorização profissional também é outro tema recorrente entre os docentes. Os baixos salários da categoria, a diferenciação entre professoras da educação infantil e professores do ensino fundamental, a ausência de um plano de carreira que incentive os profissionais a darem continuidade aos estudos são fatores considerados essenciais para a valorização profissional (ROCHA, 2009). No ano de 2012, a remuneração inicial do professor de ensino fundamental é de R$1676,03 e

de uma professora da educação infantil é de R$1030,35. O tratamento diferenciado promovido pela SMED resulta numa fragmentação da categoria, como se percebe pelos depoimentos das professoras da educação infantil e pelo acontecimento mais recente da RMEBH. No mês de março deste ano, as professoras da educação infantil iniciaram uma greve pela isonomia salarial e contaram com a adesão dos professores do ensino fundamental somente nos três primeiros dias.

[…] tem o outro lado, a desvalorização do cargo do educador que é uma coisa feita pela própria prefeitura que quis atender a demanda da educação infantil, mas gastando pouco. Não paga o educador infantil igual ao professor de primeiro e segundo ciclo, tem uma diferença de plano de carreira, de tratamento na SMED. Tem uma discriminação dos próprios professores, não são todos, mas a maioria acha que a gente fez concurso de magistério de 2º grau e agora a gente quer ganhar igual um professor com curso superior, mas a maioria das educadoras [da educação infantil] de Belo Horizonte tem curso superior e pós-graduação ou só o curso superior (Professora M, sindicalizada).

Eu acredito que esse é o pior mandato. Pior prefeito no tempo em que eu to na educação de Belo Horizonte. Ele não ta valorizando, não ta incentivando. O pior, acho que ele ainda menospreza, ele faz a gente fazer papel de bobo, de palhaço. Vem colocar aumento mixuruca, em várias parcelas que a gente fica recebendo aumento até o final do ano que vem. Então, não acredito que ele esteja investindo na educação não. Muito fraco e muito mal aplicado [investimento]. A administração pública na educação como todo ta muito precária, muito ruim, muito largada [pausa]. Descaso, essa é a palavra. Um descaso muito grande (Professora Ca., não sindicalizada).

Apesar do professor do ensino fundamental receber uma remuneração superior à remuneração da educadora infantil, o seu salário equivale a três salários mínimos em 2012. Na fala de um dos entrevistados aparece a leitura sobre o papel social do professor na sociedade como parte de “uma categoria pensante”, a “intelectualidade” e a incompatibilidade deste papel social com a tendência dos docentes a receberem uma remuneração cada vez mais próxima ao salário mínimo. Outro elemento que aparece em sua fala é a questão da permanência do profissional da educação em relação ao à permanência do prefeito, indicando que o envolvimento do docente com a educação é maior porque ele “vive” do seu trabalho que é lecionar, diferente do prefeito que possui uma função transitória.

Eu falo com os professores que a tendência nossa é ser assalariado, ganhar um salário mínimo e nós somos uma categoria pensante, somos a intelectualidade. Eu sou formador de opinião. Nós, professores concursados temos mais compromisso do que o Márcio Lacerda, ele vai passar, se ele não for eleito ano que vem ele não ta mais no poder e nós vamos continuar. Esse é o meu trabalho, eu to vivendo de aula, eu tenho que lutar por esse espaço aqui (Professor M., militante do PT).

Essa fala reforça o papel redentorista do professor ao entrevistado se definir como um “formador de opinião”, relacionando essa função social do professor com o

merecimento de uma remuneração superior ao salário mínimo. Por outro lado, a evolução da remuneração dos docentes da RMEBH no período de 1996 até 2011, comparada com a evolução do salário mínimo mostra essa “tendência ao assalariamento” da qual fala o entrevistado.

TABELA 1 – SALÁRIOS DA RMEBH COMPARADOS COM OS SALÁRIOS MÍNIMOS DE 1996, 2006 E 2011

1996 2006 2011

CARGO

Sal.RMEBH Sal. Mín. Sal.RMEBH Sal. Mín. Sal.RMEBH Sal. Mín.

Educador Infantil --- --- 500,00 1,15 1.030,35 1,6 Professor Municipal I* 448,57 4 676,00 2,15 1.080,00 1,7 Professor Municipal I Licenciatura Curta 572,50 5,13 1.049,00 3,25 --- ---- Professor Municipal II** 695,88 6,21 1.049,00 3,25 1.676,03 3

*Professor das séries iniciais do ensino fundamental, com formação mínima em magistério. **Professor de disciplinas específicas com formação em licenciatura plena.

Fonte: ROCHA, 2009, p. 162; BELO HORIZONTE, 2011, p.1351(adaptado).

A percepção sobre as condições de trabalho não variou muito entre sindicalizados, não sindicalizados e militantes políticos. Aparecem majoritariamente os problemas da valorização profissional e da ausência de professores na escola. No próximo tópico serão trazidas as falas sobre a intervenção da SMED ou de coordenadores no processo de trabalho.