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As Conferências Democráticas do Casino: ruptura/modernização como

A busca pela legitimação científica consistia na homologação de diferentes áreas do saber, as correntes filosóficas foram fundamentais na formação crítica da Geração de 70. Mas, dentre as múltiplas orientações que eram reivindicadas, a história se consolidou como um paradigma comum entre os intelectuais. O processo de canonização da historiografia se iniciou, porém, com os autores do liberalismo clássico. Pioneiro, Alexandre Herculano sobressaiu quando pensou a nacionalidade pelo viés histórico, sua principal obra foi História de Portugal, concebida em quatro volumes.

A principal contribuição de Herculano foi a construção de uma narrativa crítica e de cientificação histórica. O aperfeiçoamento da análise fez com que o autor liberal concluísse que a história da pátria poderia ser dividida em dois períodos: o da liberdade e da virilidade moral da nação, correspondente à Idade Média; e o período da decadência relativo ao Renascimento. Enquanto a descentralização dos municípios representava a base do poder burguês durante o medievo, o Renascimento fez o caminho inverso, inibindo a diversidade ao estabelecer a unidade assente na centralização do poder administrativo absolutista.106

106

A narrativa historiográfica e o diagnóstico de decadência de Herculano vingaram e se desenvolveram na década de 1870 - alinhados às perspectivas filosóficas se transformaram num poderoso instrumento de união e de contraposição ao regime. Durante o referido decênio, a fundamentação histórica conceituou Oliveira Martins como um dos principais historiadores portugueses. Entre suas principais obras estão História de Portugal e História da Civilização Ibérica, ambas de 1879. Teófilo não ficou atrás, autor de uma vasta bibliografia historiográfica, escreveu História do Teatro Português, Manual da História da Literatura Portuguesa e História do Romantismo em Portugal.

A aceitação do crivo histórico-científico fez parte da construção ideológica desses autores. Antero de Quental, por exemplo, além de retomar a tese sobre a decadência de Herculano, fundamentou toda a sua conferência no casino lisboense, intitulada Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos últimos três séculos, em fatos e concepções da história portuguesa. Portanto, para compreender a extensão da consciência radical da Geração de 70 é imperativo elucidar quais acontecimentos do passado da Geração marcaram e influenciaram suas atividades e suas maneiras de pensar, sejam eles de longa, média ou de curta duração107, pois são condicionantes que, inclusive, são citadas de forma recorrente nas obras dos autores.

O pleito entre correntes progressistas e conservadoras marcou o século XIX e pode ser caracterizado por dois períodos distintos, antes e após meados do século. Na primeira metade do oitocentos, o ideal burguês se apresentava como progressista enquanto os defensores do Antigo Regime se colocavam como conservadores. Entretanto, após a vitória do ideário burguês assegurada pela monarquia constitucional, as correntes socialistas e/ou republicanas se constituíram como frente progressista. Não obstante, nos dois períodos a problematização sobre a inserção e participação das massas na institucionalização política esteve presente. O socialismo científico e o ideário republicano, identificando a falha do liberalismo frente à demanda da inclusão social, se colocaram como alternativas para uma revolução prática, não apenas teórica, abstrata e incompleta como a burguesa.

Assim nasceu em 1864 a Associação Internacional dos Trabalhadores (A.I.T) com a finalidade de instituir a emancipação proletária. Enquanto que nas revoluções liberais as multidões eram concebidas como agentes inertes, levadas pelos ideais e pelos interesses da burguesia, na segunda metade do século, a teoria e o protagonismo de setores populares

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As circunstâncias históricas de curta duração são relativas aos acontecimentos da Questão Coimbrã e das Conferências Democráticas, além de fatores concomitantes que aconteceram no âmbito internacional, como a Comuna de Paris em 1871. As de média duração são, principalmente, a instituição da monarquia constitucional; e as de longa serão abordadas no próximo capítulo que analisa o sentimento de decadência dos autores.

tendiam a se unir em termos práticos e revolucionários.108 Primeiro através da Internacional, depois pela tentativa revolucionária da Comuna de Paris de 1871, evento de fundamental importância na medida em que instituiu a primeira república proletária.

Alinhada aos preceitos divulgados e defendidos pela Primeira Internacional, a Comuna se aproximou do viés Socialista como ideal para a efetivação da república. Nesse sentido, e por estabelecer, mesmo que num curto período, o primeiro governo popular, a tendência republicana se mostrava como a principal alternativa para suplantar as contradições oriundas do liberalismo clássico. Foi esta conciliação ideológica, entre a República e o Socialismo, de aspiração popular comprovada tanto em termos teóricos como prático, que chegou com mais força em Portugal no início da década de 1870.

Os conferencistas foram em sua maioria socialistas e republicanos. Duas eram as razões que contribuíram para esta tendência: a) o modelo de República fundamentado pela filosofia positivista só seria desenvolvido em Portugal após 1872, ano em que Teófilo, identificado como o introdutor desta filosofia, aderiu à teoria de Comte como o principal método progressista; b) a conjuntura internacional, através do protagonismo da Primeira Internacional e do significado da Comuna de Paris, proporcionando o influxo do ideal Socialista. As aspirações anunciavam a revolução republicana, porém, a palavra República só teria fundamento se estivesse em harmonia com a justiça, ou seja, com o Socialismo.109

Em março de 1871, quando foram realizadas as Conferências Democráticas, noções como republicanismo e socialismo se fundiam. O desejo revolucionário ainda era muito incipiente, sabia-se da necessidade de modernizar o país e de inseri-lo em projetos progressistas. Para tanto, foram feitas as Conferências Democráticas do Casino que consubstanciaram os sentimentos e os conteúdos abstraídos durante os anos de universidade com esquemas políticos que se apresentavam quase como ininteligíveis por serem ainda uma novidade. Evidente foi o esforço que os conferencistas empreenderam para compreender tais transformações, as Conferências significavam abrir o debate público, entender a conjuntura nacional e internacional e, democraticamente, ouvir intelectuais dispostos a mudar o rumo do país.

108

BITTENCOURT, Flávia Rodrigues. A Construção do Pensamento Político de Antero de Quental (1870- 1875). 2014. 54 f. TCC (Graduação) - Curso de História, Universidade Federal de São Paulo, Guarulhos, 2014. p. 17.

109

MEDINA, João (org.). As Conferências do Casino e o Socialismo em Portugal. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1984. p. 17.

Mesmo Teófilo que, no limite, manteve certo distanciamento da mobilização feita por seus pares, escreveu sobre a evolução política do movimento que havia se iniciado em Coimbra e que se estendia para Lisboa de forma a amplificar o debate:

[...] era preciso estabelecer comunhão intelectual, e assim se planejaram as

Conferências democráticas em Lisboa, em 1871. A Escola revolucionaria

ou de Coimbra foi fortemente combatida em Lisboa, porque aqui era o centro da pedantocracia, ou, como se chamava então, da Literatura oficial. [...]. Dissemos que a Escola de Coimbra só se propagou a Lisboa sob a forma de aspiração política, em 1871 doze dos propugnadores da emancipação intelectual assinaram as bases de umas Conferências

democráticas, que chegaram a ser levadas a efeito no salão do Casino.110

Apesar de reconhecer o significado político das Conferências, Teófilo não participou diretamente das mesmas. Antero chegou a enviar-lhe uma carta-convite explanando os intentos que se pretendiam suscitar. Visavam a reunião de intelectuais de diversas concepções para tratar sobre as “grandes questões contemporâneas”, fossem elas “religiosas, políticas, sociais, literárias e científicas”. O espírito democrático se expressava na seguinte afirmação:

Temos um programa, mas não uma doutrina: somos associação, mas não

igreja: isto é, liga-nos um comum espírito de racionalismo, de humanização

positiva das questões morais, de independência de vistas, mas de modo nenhum impomos uns aos outros opiniões e ideias [...] seremos, em política, pelo governo do povo pelo povo; em sociologia, pela emancipação do trabalho; em literatura e arte, pelo fim social e civilizador da arte e literatura, combatendo as tendências egoístas e esterilizadoras que hoje predominam. Dentro disto, todas as opiniões são perfeitamente livres.111

O sentimento democrático estava explícito e o de ruptura ficava evidente, expressões como “pelo povo”, “emancipação do trabalho”, “fim social e civilizador” e combater “tendências egoístas e esterilizadoras” são assertivas que confrontavam a ordem estabelecida de um regime elitizado, excludente e negligente com as questões sociais.

A controvérsia de tais finalidades estava na própria condição em que as conferências foram ministradas. Mesmo com o apelo democrático e social, Portugal, além do alto índice de analfabetismo, tinha um setor industrial mal desenvolvido, o que resultou na inexpressividade numérica da classe proletária. Um fator estrutural importante na medida em que estavam sendo discutidas teorias socialistas. Tanto assim que as conferências conseguiram reunir entorno de 300 pessoas, apesar da quantidade do público, tratavam-se de pessoas influentes

110

BRAGA, Teófilo. História das Ideias Republicanas em Portugal. op. cit. pp.184-185. 111 MEDINA, João. As Conferências do Casino e o Socialismo em Portugal. op. cit. p. 154.

como membros do parlamento, escritores e jornalistas, enquanto o operariado se apresentou em minoria.112

A atmosfera revolucionária também era democrática, seguindo uma agenda de conscientização nos moldes escolares, a luta seria travada no plano das ideias. O Programa das Conferências sublinhava a necessidade de ligar Portugal ao movimento moderno, de acordo com os princípios vitais de uma sociedade que se pretendia civilizada. Sendo assim, era indispensável a conscientização dos fatos que solapavam as estruturas europeias. A questão primordial abordada pelo Programa estava em “Agitar na opinião pública as grandes questões da filosofia e da ciência moderna; estudar as condições da transformação política, econômica e religiosa da sociedade portuguesa”.113

Entretanto, como em qualquer sociedade onde há liberdade de expressão, acesso à informação e o livre debate - mesmo que promovido num sentido horizontal - desenvolvem-se discordâncias. A proposta dos conferencistas e a agitação por eles promovida eram o inverso da política de paz e de baixo desempenho ideológico vivenciado desde a instauração do governo Regenerador. Setores, principalmente da imprensa católica, não viam com bons olhos os anseios democratizantes e os identificavam como nocivos à ordem estabelecida. Essa contraposição pode ser compreendida pelo ambiente revolucionário que dominava os ânimos no território francês.

As conferências foram simultâneas aos desdobramentos da Comuna de Paris e isso deixou de sobressalto setores conservadores da sociedade portuguesa. O periódico católico A Nação, alertava para os riscos de Portugal se submeter aos ideais revolucionários.

Ontem no salão do Casino começaram as célebres conferências democráticas. Qual é o seu fim? Espalhar as doutrinas que têm produzido em França as desgraças que têm horrorizado o mundo. Uma dúzia de indivíduos desvairados pelas teorias do filosofismo [...] a que só nas perturbações sociais vêem ensejo para sair da obscuridade, são os pregadores desta missão desorganizadora que, há muito, outros iguais, por diversos modos, têm empreendido com um tal ou qual sucesso, desmoralizando e insubordinando uma pequena parte da população das nossas cidades.114

Era inevitável o receio de uma sublevação dotada de cientificismo e que pareasse com a revolução francesa. A apreensão do que poderia se desdobrar as conferências foi declaradamente sustentada pelos próprios letrados. Animado, Eça publicava nas Farpas o

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MÓNICA, Maria Filomena. O Senhor Ávila e os conferencistas do Casino. Análise Social, Lisboa, v. XXXV, p.1013-1030, 2001. p. 1026.

113 MEDINA, João. As Conferências do Casino e o Socialismo em Portugal. op. cit. pp. 70-71. 114

seguinte: “É a primeira vez que a revolução, sob a sua forma científica, tem em Portugal a palavra”.115 Pela tensão gerada a censura oficial não tardou, apenas cinco das dez conferências foram realizadas, entre elas a de Antero, O Espírito das Conferências e Causas da Decadência dos Povos Peninsulares; a de Augusto Soromenho, Literatura Portuguesa; A Literatura Nova ou O Realismo como Nova Expressão da Arte de Eça de Queiroz e A Questão do Ensino de Adolfo Coelho.

A portaria ministerial que cancelou as conferências partiu do então presidente do conselho de ministros, o marquês D’Ávila que presidiu o conselho do governo de reformistas regeneradores entre os anos de 1868 e 1871. De tendência moderada, os regeneradores investiram majoritariamente em reformas econômicas e administrativas, entendiam que a centralização era crucial para as medidas progressistas que visavam o aumento da riqueza, o avanço industrial e a manutenção da coesão social.116 Desde 1851, quando o programa regenerador foi oficializado, o partido se fortalecera em detrimento de uma política materialista que priorizava reformas políticas e econômicas. Entrementes, a centralização reivindicada se assentava em princípios que viabilizavam a continuidade da monarquia constitucional.117 Sendo assim, a paz constituída, o equilíbrio de forças políticas que se mantinham no poder em detrimento de seus próprios interesses e que garantia os privilégios de grupos seletos, não poderia ter seus fundamentos politicamente institucionalizados ameaçados por ideais revolucionários.

Apesar da proibição, seria difícil calar os letrados que, desde a época de Coimbra, vinham se acostumando e tomando gosto em debater publicamente com autoridades. Imbuídos de consciência radical e fundamentados pelo sacerdócio filosófico, os conferencistas lançaram um manifesto público contrário à medida proibitiva do marquês. Tentando sempre angariar o apoio de Teófilo, Antero, autor do manifesto, escrevia ao conterrâneo118 e o informava ter tomado a liberdade de colocar seu nome no protesto sem o consultar previamente: “entendi que de modo algum iria contra as suas intenções, e os seus sentimentos pondo o seu nome entre os dos outros amigos. Eu conheço o seu caráter, [...] não hesitei um momento”.119

115

Idem. Ibidem. pp. 1013-1014. 116

RIBEIRO, Maria Manuela Tavares. A Regeneração e o seu Significado. op. cit. pp. 102-103.

117 BITTENCOURT, Flávia R. A Construção do Pensamento Político de Antero de Quental (1870-1875). op cit. p. 38.

118

Ambos nasceram em Ponta Delgada, Açores.

119

QUENTAL, Antero de. Seis cartas de Antero a Teófilo sobre as Conferências do Casino. In: MEDINA, João. As Conferências do Casino e o Socialismo em Portugal. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1984. p. 155.

Interessante notar o teor convocatório direcionado aos pares, mas, além disso, o fato de a carta ser pública sugere que o convite se estendia também para a mobilização da opinião geral. A intenção de fazer esse tipo de protesto poderia consistir em uma advertência, uma repreensão e um convite a não se deixar enganar, assumindo o papel característico do intelectual que é de iluminar a opinião pública como defensor de valores superiores.120 Estas intenções combinadas podem ser atribuídas ao manifesto feito por Antero de Quental.

Em suma, ao se referir à portaria que mandou fechar a sala onde foram ministradas as conferências, Antero invocava princípios democráticos, tentando demonstrar que a proibição em si era apenas um exemplo de como Portugal estava na contramão da modernidade. Assim, afirmava que a ação do marquês representava um ato tolo e “contrário à lei e ao espírito da época”, pois, ela atentava contra a liberdade do pensamento, da palavra e da reunião, direitos que fazem com que a sociedade seja idealmente humana. A violação desses direitos poderia provocar corpos inertes, sem associações de livre consciência. As ponderações de Antero mostram um sentimento de repulsa e de indignação ao ressaltar que a atitude do ministro se configurava como um crime contra a dignidade humana, “esquecendo-se” que os homens a quem atingia com sua decisão sentiam dignidade e independência. “Um ministro constitucional não podia prever estas excentricidades. V. Ex.ª obrou como quem é: nada mais. Quase que sinto desejo de o aplaudir”.121

O ataque à autoridade ministerial do marquês se estendia ao que ele representava: os interesses do Estado. Para o letrado, a ação era autoritária na medida em que os intelectuais foram impedidos de exercerem seus direitos sem terem passado por um processo. Para Antero, a justificativa de Ávila estaria no fato de serem os conferencistas “inimigos da ordem e das crenças públicas”.

É um ato contrário ao espírito da época [...] a época é liberal, e o ato é despótico. A época é tolerante, e o ato é inquisitorial. A época é inteligente e o ato é estúpido [...]. O que é a lei? É a opinião armada, nada mais. O que é a opinião? É o espírito da sociedade em que vivemos. Os estadistas ingleses são filósofos: a Inglaterra é um grande povo. V. Ex.ª não é um estadista inglês.122

120

BOBBIO, Norberto. op. cit. pp. 60-61.

121

QUENTAL, Antero de. Carta ao Ex.mo Sr. António José D´Ávila: Marquês D´Ávila, presidente do conselho de Ministros. In: SERRÃO, Joel. Prosas Sócio-Políticas: publicadas e apresentadas por Joel Serrão. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1982. pp. 302-303.

122

Ao comparar a atitude da portaria com o modelo legislativo inglês, Antero acrescentava que a Inglaterra dispunha de leis compatíveis aos diversos interesses sociais e que a cada circunstância histórica adaptava a legislação conforme a demanda da opinião pública.123 Entretanto, se o marquês não era um estadista inglês, Portugal também não era a Inglaterra. Cabe ressaltar que as observações do autor do manifesto projetavam e consideravam o que poderia ser Portugal se comprado às demais potências, visando, assim, o aperfeiçoamento legislativo juntamente com um modelo democrático entendido por ele como moderno. Mas, Portugal tinha lá suas particularidades no que tange à modernização e institucionalização de liberdades civis, afinal, o país passou por significativas mudanças durante a primeira metade do século XIX, entre elas, a consolidação do direito de reunião e do livre associativismo.

O encerramento das conferências pôde ser interpretado como a mão forte do Estado frente às problematizações e questionamentos levantados de forma pacífica pelos letrados. Não obstante, o marquês D’Ávila seguiu o protocolo institucional ao considerar primeiro o relatório do procurador geral da Coroa para depois deliberar o fim das conferências. Segundo o parecer do procurador Martens Ferrão:

[...]. Esta é a questão francamente posta à sociedade atual, que tem de ser aceite como em si é: guerra social em que não pode haver neutros. Às vozes de extermínio contra a sociedade constituída e contra a Religião, viu Paris derrocados os seus monumentos, arrasados os seus edifícios públicos, violada a propriedade particular e a da nação, consumidos pelas chamas os museus, as bibliotecas, os arquivos do Estado, viu os ataques ao laço indissolúvel da família, aceite o direito ao roubo, os reféns massacrados ou queimados nas prisões e a liberdade substituída pelo terror em nome da Humanidade, que assim se diz regenerada. Este é o progresso das sociedades sem crenças, que por sistema rompem com todo o passado em todas as suas manifestações. [...]. Semelhantes factos num país grande precipitam-no na ruína; num país pequeno são, sem remédio, a sua aniquilação [...] É para mim certo que a religião não tem política, mas que a política não pode passar sem a religião.124

A referência e a ênfase na religião como parte estruturante da sociedade tradicional ficava evidente e, provavelmente, a menção e o enfoque dado à religiosidade estariam ligados não só ao conteúdo abordado por Antero em sua conferência que identificava o catolicismo, não o cristianismo, como uma das causas da decadência, mas também poderia se referir a

123

Idem. Ibidem. p. 304. 124

FERRÃO, Martens. apud MÓNICA, Maria Filomena. O Senhor Ávila e os conferencistas do Casino. op. cit. pp. 1018-1019.

quinta e última exposição feita no casino por Adolfo Coelho, A Questão do Ensino, que sustentava a ideia de um ensino laico.

Para Coelho o catolicismo era a religião do Estado, o letrado atrelava aos fundamentos católicos princípios nocivos que inibiam o desenvolvimento científico. Em contrapartida, a atitude do marquês somente refletiria a aversão católica em relação às ciências do espírito em nome de uma retórica que adornava “os espíritos com noções vagas”. Portanto, para o conferencista, Ávila identificou em sua exposição e na de Antero

o ensino de proposições condenadas pela Igreja do Estado, e quando dias depois da minha conferência [...] nos dirigíamos para o Casino [...], achamos a porta fechada, estando nela afixada cópia da portaria que proibia a continuação dessas Conferências.125

Letrados como Antero de Quental e Adolfo Coelho estavam imersos em seus ideais progressistas, tendiam a desconsiderar os valores alheios que, no caso, eram os de Estado. Esta tendência é particular ao universo da intelectualidade que se deixa guiar unicamente pela razão ao passo que as autoridades oficiais são guiadas pela razão de Estado126, como era o