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As conseqüências da Crise de 1929 para pensamento econômico brasileiro

A GÊNESE DA TEORIA DO SUBDESENVOLVIMENTO

1.2 As conseqüências da Crise de 1929 para pensamento econômico brasileiro

Os efeitos da crise de 1929 e do pós Segunda Guerra Mundial foram negativos para as economias centrais e principalmente para as economias periféricas (América Latina). A economia brasileira recebe o impacto da crise de 1929, o que repercute tanto no plano das ideias quanto no plano material.

A economia brasileira reagiu, após a crise de 1929 e ao longo dos anos 30, no plano material pelo ideário da industrialização, quando ganha o amparo do Estado. Anteriormente, a prática da intervenção do Estado na economia brasileira havia sido experimentada pela aplicação das políticas intervencionistas, para a valorização dos preços do café.

A principal modificação que incentivou o processo de industrialização no Brasil foi dada pela transição do liberalismo econômico para o Estado desenvolvimentista, graças à “brecha histórica” deixada pela crise de 1929. Durante este processo, as indústrias incipientes foram importantes ao subsidiar a produção de insumos básicos e complementares para a exportação do café.

Embora o Brasil tenha empreendido uma política intervencionista, a crise da superprodução do café deixou a economia em desvantagem. Em 1933, registrou-se o ponto mais forte da depressão e a maior produtividade do café: havia alta oferta do café para pouca demanda. O crédito externo utilizado pelo Estado para financiar a retenção de novos estoques havia minguado e o seu crédito esgotou-se (FURTADO, 2003[1959]).

A interpretação de Roberto Simonsen (1930) sobre a crise de 1929 foi qualificada como a pior já enfrentada pelo Brasil. Acentua o autor que as causas da crise

estavam vinculadas à superprodução, à crise financeira internacional, à política do Banco do Brasil, à agitação política e à falta de elasticidade do meio circulante. Simonsen destaca que a superprodução e a acumulação extraordinária de sacas de café como uma das principais causas para a crise. O governo interveio com o uso demasiado de crédito, que repercutiu no alargamento do meio circulante e na geração de fatores psicológicos de confiança. A resultante desses fatores é a conhecida crise pelo abuso de crédito.

O caráter da política de defesa do setor cafeeiro, nos anos de depressão, concretizou-se em política anticíclica de maior amplitude do que averiguado em países industrializados. A recuperação da economia brasileira, em 1933, não foi conseqüência de nenhum fator externo, mas deveu-se à política de fomento seguida inconscientemente no país para a proteção dos interesses cafeeiros (FURTADO, 2003[1959]).

Nota-se ainda que, nos anos de Depressão, a renda monetária e a renda real foram contraídas concomitantemente com o aumento dos preços dos produtos importados. Em conjunto, estes dois fatores resultaram na queda das importações. A procura interna manteve-se com mais firmeza do que a procura externa, as inversões no setor interno se mostraram mais benéficas do que a aposta no setor exportador, em um período de recessão. Diante disso, um fato inédito ocorreu na economia brasileira: a preponderância do setor produtivo ligado ao mercado interno no processo de formação de capital (FURTADO, 2003[1959]).

Nos anos que se seguem à crise, o fator dinâmico principal é o mercado interno, conseqüência da rápida recuperação da economia brasileira da crise de 1929. A redução das importações incentivou, sobretudo, as atividades ligadas ao mercado interno, o que aumentou a taxa de rentabilidade. Posteriormente, os lucros auferidos por este setor, ao invés de serem invertidos no setor exportador, direcionavam-se para as atividades ligadas ao mercado interno.

Já observamos que de 1929 ao ponto mais baixo da depressão a renda monetária no Brasil se reduziu entre 25 por cento e trinta por cento. Nesse mesmo período o índice de preços dos produtos importados subiu 33 por cento. Compreende-se, assim, que a redução no quantum das importações tenha sido superior a sessenta por cento. Conseqüentemente, o valor das importações baixou de catorze por cento para oito por cento da renda territorial bruta, satisfazendo-se com oferta interna parte da procura que antes era coberta com importações (FURTADO, 2003, p. 276).

De acordo com a assertiva de Furtado, procura-se compreender que a crise da superprodução de café condicionou o governo brasileiro a dar incentivos para a produção interna de produtos, ao invés de exercer a costumeira prática da importação de produtos manufaturados. A princípio aproveitou-se a indústria incipiente para a produção de insumos básicos. Pós “crise de 1929” a prioridade do governo federal brasileiro passou a ser a industrialização, reforçando a intervenção do Estado ao invés de delegar a economia às forças do livre mercado.

Entretanto, Villela e Suzigan (2001) afirmam que não houve antes de 1945 nenhum processo contínuo de industrialização no Brasil. O que houve foram surtos industriais, estritamente ligados ao comportamento do mercado exterior. Por conta disso, sempre foram interrompidos pelas crises periódicas do comércio exterior, causadas pelas oscilações do preço do café, pelas duas grandes guerras mundiais, pela Depressão e pelas mudanças na orientação da política econômica, em específico, a política cambial.

De acordo com Baer (1968), após a Segunda Guerra Mundial o processo de industrialização no Brasil se fortalece, respaldado pela ação do Estado na formulação de políticas governamentais, focadas no estímulo e na proteção das atividades industriais.

Furtado (2003[1959]) explica que a primeira fase da expansão da produção industrial no Brasil deveu-se à brecha histórica, dada pela indústria incipiente e pela compra de equipamentos por um baixo preço. A instalação no país de indústria de bens de capital foi beneficiada pela necessidade de expandira produção para o mercado interno, conjuntamente com a forte elevação dos preços dos produtos importados.

No Brasil, o tema do atraso e do desenvolvimento econômico marca a transição do tema colônia–nação, que predominou entre os ensaístas, para a utilização da interpretação histórica e econômica em torno da questão do desenvolvimento.

A partir dos anos 30 teríamos então um grupo de pensadores que utilizam para a análise o viés sociológico ou antropológico; um outro grupo cuja análise recorre à abordagem institucional: e um grupo que privilegia o método da análise econômica. Nota-se aqui uma curiosa coincidência - essas abordagens expressam os três grandes problemas do pensamento social brasileiro do período: a formação de uma identidade nacional (social, cultural e histórica), a transformação econômica e a reforma do Estado [...] Esse vínculo cria um território

comum que vai permitir, preservadas as divergências, um diálogo constante, mas muitas vezes invisível, entre os vários autores de cada corrente (CEPÊDA, 1998, p. 43, grifo nosso).

Com base no trecho supracitado é possível afirmar que a interpretação ensaísta dá lugar à interpretação econômica, e que esta teve a sua gestação ancorada na análise pioneira de Roberto Simonsen e Caio Prado Junior. O tema central do debate colocado na transição da economia colonial para a fase inicial da industrialização é a formação do Estado Moderno brasileiro (CEPÊDA, 1998).

De acordo com Cepêda (2004), Simonsen foi pioneiro na defesa da industrialização no Brasil e crítico da teoria liberal. No diagnóstico de Simonsen sobre as condições da economia brasileira, nos anos 1930, é afirmado que ela está em condição de “subcapitalismo”. Mais tarde, o termo cunhado por Simonsen, “subcapitalismo”, passa a conotar o subdesenvolvimento.

A volatilidade das mudanças, ocasionadas pelas guerras mundiais e pela Depressão de 1930, resultou em grandes controvérsias doutrinárias, onde se digladiam grupos sociais e políticos. Entre os anos 1920 e 30, novas indagações e dilemas foram levados à sociedade brasileira. O tema do processo de modernização passa a ser o norte das discussões teóricas, da produção bibliográfica dos grandes intelectuais.