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3 A DIALÉTICA CONSTITUINTE – DESTITUINTE: ENTRE A USURPAÇÃO

3.1. AS CONTRADICÕES DO CONSTITUCIONALISMO MODERNO

Antes de adentrar, especificamente, à atuação neoliberal na CF/88, faz-se necessário entender quais são as raízes do constitucionalismo desde a sua origem moderna ocidental. Muitas são as correntes de pensamento e discussões acerca do que é a Constituição, qual é o seu poder, quem é o seu guardião, qual é a sua função, dentre diversas outras. O Brasil, por reproduzir da lógica do Estado-nação, que se baseia em uma carta constitucional está submetido a estas diretrizes. Conforme já se viu, a formação do Estado na América Latina ocorreu sob a lógica de colonização em suas mais variadas vertentes e que ocorreu por diversos meios, dentre eles o constitucionalismo pensado a partir – também – da lógica europeia. Apesar de se demonstrarem como instrumento de libertação e/ou emancipação social, não se pode esquecer de suas raízes. Sendo assim para que se desenvolva um pensamento crítico é importante compreender qual foi o papel da Constituição na formação do Estado latino- americano, bem como as suas insuficiências, principalmente ao analisar o contexto do sul periférico. Por estas razões, este tópico tratará do aspecto histórico de formação do constitucionalismo, em seguida demonstrará qual foi o seu papel na América Latina e, por fim, demonstrar-se-á alguns pontos de sua crise e sua insuficiências.

3.1.1 – Constitucionalismo: a soberania popular de uma elite sectária.

Atualmente é difícil conceber, a partir da lógica ocidental, um Estado que não se enquadre dentro da categoria “tradicional” e suas características homogeneizadoras perfeitamente delimitadas a partir de um território, população e governo. Ou seja, um espaço com fronteiras geograficamente estabelecidas, composto por determinado número de indivíduos que possuam algumas semelhança e tenham vínculo jurídico com o Estado Soberano. Apesar de isso estar arraigado no imaginário eurocentrado, é preciso conceber que o Estado – assim como os seus elementos e o que os compõe – são criações da modernidade com intuito de atingir a alguns fins. Nada disso é algo que existe desde sempre.

Falando em Europa, antes do modelo de Estado da forma moderna, havia o sistema feudal que se baseava numa espécie de pluralismo jurídico e político. Tratava-se de um modelo fundamentado em leis naturais (divinas) condizentes à realidade de cada feudo, uma vez que não havia um poder centralizador nem uma lei imutável. O jurídico feudal não tratava o direito como uma ciência rígida e pré-determinada que todos deveriam seguir. Para Wolkmer (2001, p. 27) o pluralismo medieval, ocorria mediante a infinita multiplicidade de poderes políticos, distintamente da sociedade moderna, centrada no espaço privado e na ética da racionalidade liberal-individualista. Valorizava os fenômenos coletivos e os múltiplos corpos sociais, cada qual com sua autonomia interna para as funções políticas e jurídicas.

Este modelo de sociedade viveu, entre os século XI e XII sua maturidade, apogeu e declínio. Sua grande expansão e o domínio da igreja culminaram no período denominado Baixa Idade Média, dando início a crise do feudalismo e nascimento da modernidade. Pode-se afirmar que foi um crise generalizada materializada em fome, peste e guerra, representando um divisor de águas entre os modelos de sociabilidade e organização social, incentivando o Renascimento, um movimento que traria consigo a lógica da racionalidade antropocêntrica, em detrimento do teocentrismo (BEDIN, 2013, pp. 53 – 57). O modelo pluralista vai sendo – aos poucos – substituído por um rígido monismo, diminui-se a ligação entre o direito e a sociedade, contraindo-se apenas em lei: um sistema de regras autoritárias, pensadas e desejadas abstratamente, pelas vontades do legislador representado na figura do Monarca (GROSSI, 2004, pp. 45 – 46).

Ademais trata-se, nas palavras de Wolkmer (2006, pp. 101 – 102) da passagem de um sistema agrário-senhorial para a implementação de um mercado livre por meio da força de trabalho assalariado. Este capitalismo incipiente que inicia nos fins da Baixa Idade Média nas repúblicas mercantis do norte da Itália, irá expandir gradualmente, consolidando-se e

alcançando praticamente toda a Europa depois dos séculos XVI e XVII. Nas suas origens, o capitalismo será identificado ao empreendimento individualista e competitivo em busca do lucro ilimitado. Cabe destacar, também, neste processo o aparecimento de um novo segmento social que não faz parte nem do clero, nem da nobreza, mas que adquire propriedades e riquezas, mas sem influência política, vindo a se tornar – em função disso – uma elite revolucionária.

Esta ideia de revolução, no campo político, é uma característica da modernidade. Para os ingleses do século XVIII, tratava-se de um movimento circular das constituições, que se tratava de uma circularidade incapaz de introduzir novos elementos. A ideia de revolução como mudança na estrutura política do Estado, só vai se consolidar com a Revolução Gloriosa, que marcará também a visão de uma ruptura política sem guerra civil. Instaurada sem revolta popular, chamou-se a Convention Parliament, que elaborou a Bill of Rights e proclamou como rei, William de Orange, que assinou a Carta em 1689; momento que marcou a passagem para uma constituição mista com características de soberania do parlamento, checks and balances e separação dos poderes (BERCOVICI, 2013, pp. 94 – 107).

A Bill of Rights e a Declaração de Direitos de Virgínia, representam sem dúvida momentos de ruptura e ascensão do liberalismo burguês. Entretanto, é a partir da Revolução Francesa que surge a manifestação da soberania popular do poder constituinte. Para Bercovici (2013, pp. 29 – 31) o poder constituinte é manifestação da soberania e como tem caráter originário, não pode ser reduzido juridicamente. Não pode ser limitado, mas ao mesmo tempo não é arbitrário, refere-se essencialmente ao poder popular do povo; acresceu-se – além do poder dos governantes – o poder dos governados. Deve-se ressaltar, no entanto, que a ideia deste poder nunca é exercida diretamente pelo povo, mas apenas em termos indiretos e representativos como um poder exercido de forma mediada pelo povo, deste modo, trata-se de ideia indissociável de representação.

A Revolução Francesa, segue Bercovici (2013, pp. 134 – 137) é a revolução por definição, ligando-se a ideia de regeneração político-social; um movimento irresistível da revolta do povo soberano. É a partir deste período que a nação irá se arrogar a soberania das leis. O debate revolucionário acerca da soberania está ligado a quem vai ser o detentor deste poder: a nação ou o povo? O poder popular é reenviado apenas aos momentos de excepcionalidade, nos outros casos, deve ficar nas mãos dos poderes constituídos. Para Sieyès (1997, p. 55), necessitava-se de uma reconstrução da ordem pública sob o valor comum do mercado. Acreditava que a desigualdade era inerente a sociedade, porém alguns privilégios como os da nobreza deveriam ser excluídos, concentrando-se nas mãos dos proprietários dos bens de valores, o Terceiro Estado, que para ele era a nação, entendida como:

Um corpo de associados que vivem sob uma lei comum e representados pela mesma legislatura. Será certo que a ordem nobre tenha privilégios, que ela ousa chamar de seus direitos, separados dos direitos do grande corpo dos cidadãos? Ela sai, assim, da ordem comum, da lei comum. Desse modo, seus direitos civis fazem dela um povo à parte da grande nação. É realmente imperium in imperio. [...] É estranha à nação, antes de tudo, por princípios, pois sua missão não vem do povo; em seguida, por seu objetivo, já que consiste em defender, não o interesse geral, mas o interesse particular. O Terceiro Estado abrange, pois, tudo o que pertence à nação. E tudo o que não é Terceiro Estado não pode ser olhado como pertence à nação. Quem é o Terceiro Estado? Tudo. (SIEYÈS, 1997, p. 56).

Sieyès desenvolve, então, a partir destas premissas a ideia do poder constituinte da nação, que exercita seus direitos provenientes do estado de natureza, que se manifesta como poder constituinte que cria e organiza o Estado constitucional. Assim, a nação torna-se sujeito jurídico-político titular da soberania, sendo atualizada e esgotada exclusivamente pelo exercício do poder constituinte (BERCOVICI, 2013, p. 137). Afrente, segue Bercovici (2013, p. 158), afirmando que a Constituição e a revolução coincidem, sendo assim, a concretização da revolução é a própria constituição; com a sua promulgação, o Estado revolucionário torna-se incompatível. Na passagem do Estado extraordinário (quando a soberania está nas mãos do poder constituinte) para o poder ordinário (quando a soberania passa às mãos dos poderes constituídos) a Constituição exerce função estabilizadora e bloqueia a revolução a fim de garantir a tranquilidade e a ordem pública contra os excessos irracionais e incontroláveis da democracia.

Outra criação que surge em paralelo ao constitucionalismo e merece destaque, haja vista a sua importância nos processos de dominação e imposição, é a ideia de nação. Que para Benedict Anderson (2008, p. 32) nada mais são do que comunidades imaginadas a partir de semelhanças que foram criadas com intuito de governabilidade. Neste mesmo sentido, afirma Hobwbawm (2011, pp. 35 – 36) que a equação, Estado = nação = povo, vinculou a nação ao território. Não havia algo que vinculava os grupos de uma mesma nação enquanto reconhecimento identitário. Tal equação era adequada aos revolucionários liberais, pois acreditavam no conceito de soberania de povo-cidadão = Estado, que constituíam uma nação. O surgimento de um sistema representativo tornava necessário resolver o problema da legitimidade que não se concentrava mais na figura do Monarca, mas no Estado. O liberalismo- capitalista emergente não funcionaria em um território com diferentes nacionalidades, pois:

Em um povo sem laços de simpatia, especialmente se ler e falar diversas línguas, a opinião pública unida, necessária ao funcionamento do governo representativo não pode existir. As influências que formam a opinião e decidem os atos político são diferentes nas diferentes seções do país. [...] Os militares são uma parcela de todas as comunidades, para a qual, pela sua natureza, a distinção entre compatriotas e estrangeiros é mais forte e mais profunda (MILL, 1981, p. 158).

Percebe-se, portanto, que os liberais nacionalistas possuíam a ideia de unificação para prosseguir em seu governo liberal-representativo das elites burguesas. Não negavam a diversidade de existência de nações dentro de um mesmo território, mas era necessário que as apagasse ou isso afetaria o Estado moderno que estava nascendo. É evidente, que analisando isolada e conceitualmente “Estado” e “nação” não possuem qualquer conexão. Para Lacerda (2014, pp. 42 – 47) a concepção etnicista de identidade nacional sublinha a ideia de pluralidade no seio da unidade territorial, uma vez que a nacionalidade é dada pela vinculação individual e coletiva a uma identidade étnico-cultural e não ao Estado, que apenas comporta seus limites territoriais. Sendo assim, há a concepção de que Estado-nação possa remeter tanto a compreensão de que em um Estado só há espaço para uma Nação; ou, ainda dentro da concepção de filósofos como Montesquieu a ideia de que concepção de identidade nacional se vincula aos costumes de cada povo.

Tratar de neoliberalismo, constitucionalismo e colonialidade na América Latina, implica, necessariamente, em abordar os movimentos nacionais. Apesar de – conforme já exposto – o neoliberalismo não ser apenas uma forma nova de liberalismo, é importante ressaltar que suas formas de atuação na Europa e em Nuestramérica foram diferentes. Aqui, para além do caráter burguês elitista, a lógica nacionalista de homogeneização serviu para ocultar diversos grupos, comunidades e nações, negando sua existência, valendo-se para isso do discurso falacioso de igualdade. Compreender de que forma este discurso foi relevante para o papel colonizador do constitucionalismo e de que forma o neoliberalismo o incorporou, é fundamental para compreender a perpetuação da negação da Exterioridade, do direito de ser Outro. É a partir desta perspectiva, que no próximo item (4.1.2), delinear-se-á, como a colonialidade interferiu no constitucionalismo na América Latina e em seus processos de libertação.

3.1.2 – Teoria constitucional moderna: um pensamento ocidental incorporado à periferia.

Os liberais saíram vitoriosos nas Revoluções, junto com elas ganhou força uma nova forma de Estado e as Constituições. O modelo burguês e, pretensamente, universal assumia o poder ainda sem muitos direcionamentos. Fato é que haveria a necessidade de garantir os direitos naturais à vida e a propriedade e o Direito Constitucional seria o mecanismo jurídico para isso. Contudo muitos ainda serão os entraves do mundo pós-revolucionário, dentre eles as questões de Teoria Constitucional. Apesar de nascer junto com o Estado, não se havia

(e não há ainda) uma definição unívoca e acertada do que é uma Constituição. Entretanto, o que é praticamente unânime entre os teóricos é que ela é um dos principais instrumentos de controle de um Estado.

Não houve, portanto, na literatura política considerada como pré-moderna, preocupações conceituais acerca de uma teoria ou um pensamento constitucional. Na Grécia antiga, por exemplo, afirma Saldanha (2000, pp 111 – 120) havia a ideia de politeia usado pelos principais pensadores, como uma ideia de "organização da pólis" ou "ordem política", Aristóteles - em certas passagens - a comparava como oposição à tirania. Na Idade Média, por exemplo, houve momentos de importância e elaboração de cartas como a "Carta Magna" de 1215. Mesmo no século XVIII o próprio Rousseau continuou a usar como teoria das formas de governo como oposição à monarquia, quando fala nas "Cartas da Montanha" e assim foi também em Montesquieu. Inegável, contudo que os debates liberais-formais resultaram temas importantes como a competência do parlamente e do judiciário, ou constituição como um sistema de poderes divididos e a soberania nacional. Durante as lutas dos séculos XVII e XVIII, discutiu-se muito sobre temas como: contrato social, soberania, democracia, liberdade, vontade geral e organização constitucional. Entretanto, até o século XIX não havia uma noção de direito constitucional como matéria ou campo específico de estudo e foi no século XX que se desenvolveu como teoria a partir de Carl Schmitt, em sua “Teoria da Constituição”.

Delimitar teorias constitucionais é parte do processo de compreensão acerca da sua importância dentro do Estado e democracia na contemporaneidade, sendo importante ressaltar que são inúmeras as concepções e impossível delimita-las em um único trabalho. Para uma compreensão das insuficiências do Constitucionalismo moderno, evidenciar-se-á o que a doutrina considerada “tradicional” chama de sentidos: sociológico, político e jurídico da Constituição. O século XX foi período de evidenciar as diversidades e, com elas, pensar os modelos de Constituição, sendo que para Bercovici (1999, p. 37) o grande entrave se dá entre aqueles que acreditam que a Constituição é um simples instrumento de governo, definidor de competências e regulador de procedimentos e os que defendem que ela deve aspirar a se transformar em uma determinadora de tarefas e define fins para o Estado e a sociedade.

Apesar de o debate ter ganhado mais força principalmente no século passado, uma das definições clássicas de Constituição foi proposta por Ferdnand Lassalle em 1862, que defendia que se tratava da soma dos fatores reais de poder, que eram os componentes de uma sociedade, ou seja, estava diretamente vinculada às questões sociais, sendo que a Constituição normativa era uma “folha de papel” e não deveria ter validade se não estivesse em conformidade com os fatores reais (LASSALLE, 2008, p. 20). Ademais, para Neves (2008, pp. 58 – 59)

Lassalle não conceituou só a Constituição em seu sentido sociológico, mas foi além, conceituando-a em sua dimensão sócio-política e socioeconômica ao considerar as normas jurídico-constitucionais como meras expressões da Constituição real. Não encontra relações de reciprocidade entre os fatores jurídicos, reais e os materiais de poder. Não há, portanto, um processo de filtragem normativa e expectativas constituintes, só os fatores reais já existentes.

Uma contraposição radical a esta perspectiva foi desenvolvida por Hans Kelsen por meio de sua “Teoria pura do Direito” e sua reverberação nos mais diversos âmbitos, inclusive no que tange à questão constitucional. Para Kelsen (2003, p. 95) a garantia e a forma de garantir da Constituição só poderia ser resolvida a partir de uma noção clara fornecida pela teoria de uma estrutura hierárquica da ordem jurídica. Sendo assim, compreende a Constituição como um princípio que equilibra juridicamente as forças políticas do momento, uma norma que regula a elaboração de leis e execução de atuação dos órgãos estatais. Em suma, trata-se de uma regra que determina a criação de outras normas essenciais ao Estado, da determinação dos órgãos e do processo legislativo.

Segue afirmando que se o direito positivo conhece alguma forma constitucional distinta da forma legal, nada impede que estas legislações também sejam tratadas no âmbito da constituição. É o que ocorre, por exemplo, quando as Constituições modernas que tratam – além das questões procedimentais – de uma diversidade de direitos fundamentais ou liberdades individuais. Com isto a Constituição define princípios, orientações e limites ao conteúdo legal. Ou seja, ao abordar princípios ainda não previstos como: liberdade de opinião, de consciência, inviolabilidade de propriedade e tantas outras, uma Constituição dispõe que as leis além de serem elaboradas em seus trâmites, não poderão ser contrárias aos princípios por ela previsto. Não sendo apenas regra processual, mas regra de fundo também. Emergindo destas concepções a ideia de inconstitucionalidade formal e material (KELSEN, 2003, p. 96).

Esta é, pois, uma percepção estritamente racional e jurídica do Constitucionalismo. Percebe-se que não há qualquer caráter valorativo a não ser a hierarquia perante as outras leis. A validade da norma, vincula-se especificamente ao conteúdo constitucional. A inconstitucionalidade não possui qualquer caráter subjetivo, mas estritamente jurídico. As relação entre sociedade, política, forma de Estado e Constituição podem coincidir, mas não há uma obrigação neste sentido, haja visto que para ele só o respeito às normas são válidos.

Dentre os diversos críticos à teoria de Hans Kelsen, pode-se destacar Carl Schmitt e a proposição de uma Constituição voltada à forma política. Para o autor, a Constituição em sentido absoluto pode se dar como maneira de ser resultante de qualquer unidade política existente, regulação legal fundamental, ou sistema de normas supremas. Trata-se, para Schmitt

do conjunto da unidade política e ordenação social de determinado Estado. Para ele, não há um derivação de uma série de preceitos jurídicos ou normas as quais se julgam a formação da vontade do Estado. O Estado não possui uma Constituição, mas é uma, trata-se de um status de unidade e ordenação e um não existiria sem o outro. É o exemplo de quando se refere à Constituição como maneira de ordenação política e social, que designa as formas de Governo de um Estado, como por exemplo: monarquia, aristocracia ou democracia. São indeléveis, sendo assim compõem todo e qualquer Estado (SCHMITT, 2011, pp. 36 – 37).

A constituição, neste aspecto, afirma Schmitt (2011, pp. 40 – 42) trata-se de um "dever ser", não como leis ou normas particulares, mas como total de regulação da vida do Estado, a lei fundamental, ou "lei das leis". O Estado, converte-se em uma ordenação jurídica sob a Constituição como norma fundamental, designando-se como uma unidade e totalidade. Contudo ela deve ser válida por emanar de um poder constituinte e se estabelece pela sua vontade. A norma válida é a norma justa, isto é, a concatenação sistemática conduz ao direito natural, não a Constituição positiva. Se a norma positivada é válida, deve-se a uma vontade existente, ou seja, uma norma nunca é válida por si. A positivação só é verdadeira se reside em uma realidade ordenadora. Para ele, o direito positivo proposto por Kelsen reconhece o Estado como um sistema de unidade de normas jurídico, mas não explica como e porque as prescrições legais de um Estado e as distintas normas formem o que denomina de "sistema" e "unidade".

O que se evidencia até estas discussões é o fato de que a Constituição se limita sempre em favor de uma corrente de pensamento, descartando-se as outras. Para Lassalle o que importava eram os fatores reais, Kelsen defende a norma jurídica positivada e em Schmitt o que importa é a questão política. Contudo limitar a Constituição a uma destas perspectivas é simplista para todas as questões que a envolve. Neste sentido, para Konrad Hesse (1991, p. 13), deve-se haver uma reciprocidade entre a Constituição jurídica e a realidade político-social, bem como considerar os limites e possibilidades da Constituição jurídica, para investigar então os seus pressupostos e eficácias. O que considera como “Força Normativa”, que não reside apenas na adaptação de uma dada realidade, ela pode importar tarefas, transformando-se assim em força normativa e ativa se estiverem presentes na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional, criando-se assim uma Vontade de Constituição (Wille zur Versfassung). Consistindo em três fatores: Compreensão de necessidade inquebrantável da ordem normativo contra o arbítrio desmedido; ordem legitimada pelos fatos necessitando de constante legitimação; validade pela vontade humana