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As críticas que envolvem especificamente os municípios

CAPÍTULO II — CRÍTICAS À LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL

II.3 As críticas que envolvem especificamente os municípios

É também bastante relevante a avaliação crítica de Moraes (2004). Segundo este autor, a Lei de Responsabilidade Fiscal não levou em consideração os mais diversos aspectos que conferem peculiaridade (heterogeneidade) — no que se refere aos elementos que abarcam tanto a composição da receita quanto da despesa — aos mais de cinco mil municípios brasileiros. Analisando as receitas47: se, por exemplo, as cidades das regiões Sudeste e Sul, em função de concentrarem a maior parte da atividade econômica, são as mais ricas; por outro, as das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste ainda dependem demasiadamente das receitas oriundas das transferências48. Outro contraste que salta aos olhos, por meio deste autor, é que a maior parte dos municípios brasileiros tem menos de vinte mil habitantes, ao passo que somente nos municípios com mais de duzentos mil é que a receita tributária própria tem um peso considerável quando levado em conta a receita total — uma análise simples basta para que se possa chegar ao motivo: estes municípios possuem sólida base econômica para tanto, ao passo que em municípios menores a base econômica é essencialmente rural —, ou seja, estes entes privilegiados são mais descolados do que os outros municípios quando se considera as transferências.

Pelo lado das despesas, seria da mesma forma fundamental a Lei de Responsabilidade Fiscal contemplar a existência de cruciais diferenças na composição desta rubrica entre os vários municípios. Taxativamente, os municípios maiores despendem mais de sua receita com serviços e bens públicos de caráter social e de infra-estrutura com o intuito de suster as necessidades demandas pela sua população. Pelo contrário, municipalidades de menor magnitude direcionam muito de suas receitas em gastos com a administração e o com o Legislativo. Esta situação tende a piorar ao se considerar que estes múltiplos fatores podem acarretar em um fluxo migratório das cidades com baixa infra-estrutura para as cidades maiores, pois lá terão maiores possibilidades de encontrar uma aparelhagem urbana mais adequada49. Deste modo, o planejamento orçamentário-financeiro das cidades maiores tende a ser cada vez mais falha uma vez que assumem parte das responsabilidades dos municípios menores. Assumem da mesma forma cada vez mais as matérias cujas competências são da União e dos estados, segundo Moraes (2004, p.118), levando a uma assimetria de atribuições.

Tudo isso evidencia o fato de que os novos paradigmas fiscais introduzidos pela LRF foram acionados em detrimento da ausência de mecanismos institucionais que deliberassem sobre a integração entre os três principais entes. Assim, ainda se tratando das relações

45 verticais (entre a União e estados e municípios) somente se tem a preocupação em se passar as responsabilidades de execução para os entes municipais (sem que haja também a contrapartida de suficiente aporte financeiro). O que aciona o sinal de alerta é que municípios e estados são cada vez mais alijados do processo de planejamento e elaboração de tais planos de ação. Isto é determinante para que as regionalidades e peculiaridades de cada ente municipal não sejam levadas em conta.

Outro argumento crítico que se pode fazer quanto as relações horizontais (coordenação entre municípios), temos que mais uma vez a LRF faz as vezes de empecilho para tal integração, ao não fomentá-la. É evidente que se há uma real cooperação e, por conseguinte, associação entre os entes municipais, as dificuldades, como as acima mencionadas, seriam absorvidas de modo menos traumático por parte destes entes. Moraes (2004, p.121) lembra que sob o pretexto da transparência e controle, as Câmaras de Vereadores devem considerar somente a área territorial do seu próprio município, defeso a cooperação de investimento que uma cidade em melhor situação pode fazer na outra com maior necessidade de crédito.

Há ainda uma questão que agrava os pontos acima mencionados e que, portanto, é cada vez mais nevrálgica para os grandes municípios: os limites para endividamento, aprovados pelo Senado em 2001, afastam estes entes do crédito que viabilizaria a manutenção das políticas públicas através de novos investimentos. Deste modo, mesmo que haja comprovada capacidade de pagamento, não é mais possível o investimento a partir de certo limite, de modo a agir no sentido do controle fiscal ostensivo.

Para os entes municipais, portanto, não há outra maneira de equacionar a aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal com a manutenção dos gastos sociais demandados a não ser incrementar eficiência no que se refere à arrecadação e à alocação dos recursos, visto que a demanda por serviços municipais tem experimentado uma trajetória de crescimento quando comparada com as entradas (receitas). É, pois, necessário tal equacionamento para que a produtividade no gasto público (explicado no derradeiro capítulo deste trabalho) seja alcançado, de fato, pelo Estado.

Outro contraponto crítico que se pode fazer acerca da aplicação da real da nova lei está no fato de que os Estados e a União se aproveitam de seu maior peso político e, portanto, são privilegiados, em relação ao Município, se o parâmetro considerado é a tolerância ao descumprimento dos parâmetros da lei: envio da proposta orçamentária e a devida prestação de contas fora do prazo estipulado por ela. Moraes (2004, p.123) faz uma análise comparando

46 os anos de 2000 e 2002 e mostra que o déficit público seguiu uma trajetória de crescimento na União (40% para 50%) e nos estados (52% para 57%), ao passo que o contrário foi verificado nos municípios (8% para 3%) mostrando, em que pese as dificuldades enfrentadas, por serem preteridos, uma maior disciplina da política fiscal deste ente quando da aplicação dos que lhes é proposto.

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