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CAPÍTULO 2 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.2. As crenças dos professores

A ação dos professores em sala de aula é fortemente influenciada pelo conhecimento que estes possuem a respeito do que é língua, língua estrangeira e do que é ensinar e aprender língua, essa língua-alvo. Nesse sentido, Almeida Filho (1993) pontua que a filosofia de ensinar de um professor se traduz em prática real através das competências mantidas em níveis muito diferentes de professor para professor e de uma época para outra. De acordo com Almeida Filho (1993), a competência mais básica é a competência implícita, constituída de intuições, crenças e experiências. A essa somam-se a competência lingüístico-comunicativa, que é a habilidade do professor em expressar-se na língua alvo; a competência profissional, que é a própria ética do professor com relação a si mesmo, aos colegas e à instituição para a qual trabalha; a competência teórica,que se relaciona com a formação acadêmica do professor e o investimento contínuo na expansão de seus conhecimentos teóricos; e, finalmente, a competência aplicada, que é aquela que capacita o professor a ensinar de acordo com o que sabe conscientemente e que lhe permite articular no discurso explicações plausíveis de por quê ensina da maneira como ensina (apud Félix, 2005). A análise das competências implícita e aplicada serão fundamentais para a composição do sistema de crenças revelados pelos professores e seus reflexos na suas ações. Isso porque as crenças dos professores, como já visto, influenciam fortemente as crenças dos alunos e, em geral, a sua própria prática em sala de aula, conforme assinala Yang (2000) analisando os trabalhos de Richards e Lockhart (1994).

Contudo, Barcelos (2000) argumenta que, para entendermos a relação entre as crenças dos professores e suas ações, os limites contextuais deverão ser considerados. Alguns estudos sugerem que a inconsistência entre as crenças de professores e sua prática pode ser causada pelas complexidades do ambiente sala de aula, tais como a relação professor aluno e, no caso do ensino de língua estrangeira, o nível em que a língua- alvo está sendo ensinada. Assim, pode-se ter a impressão de que o professor não ensina de acordo com suas crenças.

Muitos autores têm investigado a origem das crenças. Woolfolk Hoy e Murphy (2001), por exemplo, consideram que a origem das crenças está nas experiências pessoais, que podem ser: a experiência do professor enquanto aluno, os encontros com alunos, pais, outros professores e até mesmo as instituições onde trabalha(ou). Segundo Richardson (1996), as influências sobre o professor partem da experiência pessoal, da experiência com escolarização e instrução e da experiência com o conhecimento formal. Vieira-Abrahão (2001) menciona três componentes que delineiam a prática do professor: a experiência pessoal, o conhecimento transmitido e os valores pessoais.

Ainda sobre a origem das crenças, Richards e Lockhart (1994) afirmam que as crenças podem ser oriundas de: a) experiências enquanto aprendizes de uma língua; b) experiências com relação ao que proporciona melhores resultados; c) preferências estabelecidas na prática; d) fatores relacionados com a personalidade; e) leituras sobre educação ou outras áreas; f) crenças a respeito de uma abordagem ou método. Finalmente, Garbuio (2006), de acordo com os resultados do seu estudo, resume boa parte dos pontos levantados acima na seguinte lista:

• experiências enquanto aprendiz da língua; • influência da primeira professora de inglês; • influência de treinamentos;

• influência de outros professores e suas formas de ensino; • fatores relacionados com a personalidade;

• valores pessoais;

• experiência com resultados (no ensino) provenientes de o conhecimento formal e de outros agentes do contexto de trabalho; e

• conhecimento transmitido/recebido como tradição.

Conforme podemos ver, existe uma grande variedade de fontes de onde as crenças se originam. Podemos, a partir dos estudos citados, estabelecer a nossa própria classificação das origens das crenças:

1) experiências de cunho individual (enquanto aprendiz e/ou professor de uma língua);

2) experiências de cunho interacional (com colegas, alunos, pais, supervisores, coordenadores);

3) diversidade de experiências (contextos de ensino diversos que proporcionam ao indivíduo experiências diversas); e

4) experiências formativas (leituras, cursos, congressos).

A consciência dessas fontes diversas é de crucial relevância para este estudo, uma vez que a origem das crenças do professor se reflete na sua prática diária. A exploração dessas origens pode trazer maior riqueza à análise dos dados, conforme tentamos produzir na discussão dos resultados (Capítulo 3).

Outro ponto a se discutir é em que medida a prática dos professores de fato reflete as suas crenças. Segundo Pessoa e Sebba (2006), “a realidade das escolas e as condições reais do trabalho docente são mais determinantes da prática do professor do que as suas teorias pessoais”. Essas autoras denominam “teorias pessoais” os saberes do professor sobre a prática do ensino. No entanto, argumentam que “professores de uma mesma escola, que sofrem as mesmas pressões e têm as mesmas oportunidades, usam e interpretam uma dada situação de forma bastante diferente, obtendo resultados bastante distintos”. Essa afirmação nos levou a pensar que, durante a realização deste estudo, crenças diferentes emergiriam das professoras participantes, apesar de trabalharem na

mesma instituição. O simples fato de serem duas pessoas diferentes, com atitudes e visões de mundo diferentes, parecia suficiente para hipotetizar que a coleta de dados nesse aspecto, apesar do número reduzido de participantes, seria rica.

Os pontos discutidos acima foram cruciais para a condução deste trabalho, na medida em que a posição de autoridade do professor é um elemento de construção e propagação de crenças no contexto de sala de aula. Contudo, essa autoridade pode ser “contestada” pela inclusão de um outro fator, uma outra autoridade potencial – a do livro didático, emanada dos seus autores. A própria razão de ser deste estudo está na busca da identificação das crenças dos professores e sua relação com sua prática na utilização do livro didático. Isso é o que discutiremos na seção a seguir.