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As descontinuidades e as tensões nas ações públicas

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1 POSSE, PROPRIEDADE E USO DAS TERRAS NO MUNICÍPIO DE CAMAMU

2.3 As descontinuidades e as tensões nas ações públicas

Após a criação e a implantação de um Projeto de Assentamento e a elaboração do Plano de Desenvolvimento do Assentamento (PDA), diversas “ações e programas” coordenadas pelo INCRA ou em parceria com outros entes da federação estão previstas para a implementação da Política Nacional de Reforma Agrária (PNRA), desde a infraestrutura básica e a universalização do acesso a direitos fundamentais até o fomento para a geração de renda. No entanto, as ações públicas não se direcionam somente aos âmbitos estruturais, econômicos e produtivos. De acordo com o II PNRA (MDA/INCRA, 2004, p. 7), o “novo modelo de reforma agrária” prevê a “ocupação soberana e equilibrada do território, garante a segurança alimentar, promove e preserva tradições culturais e o meio ambiente, impulsiona a economia local e o desenvolvimento regional”, além de promover a igualdade de gênero. Este mesmo documento projeta que os assentamentos rurais, juntamente a agricultura familiar, serão responsáveis pelo fornecimento de alimentos e produtos agrícolas frente ao aumento da demanda provocado pela expansão das exportações agrícolas, crescimento econômico e o Programa Fome Zero, representando “uma importante alternativa de emprego” (MDA/INCRA, 2004, p.9).

Apesar desse entendimento amplo a respeito do “novo modelo de reforma agrária” preconizado no II PNRA pudesse ser considerado como um avanço político, Montes (2013) avalia que seu alcance em relação às proposições, os objetivos e as metas ficou bem aquém das expectativas geradas como um instrumento de um “processo amplo e massivo de reforma agrária” como indicava. O autor avalia que não ocorreram mudanças significativas no quadro fundiário nem na qualificação das áreas reformadas “como unidades autônomas e sustentáveis capazes de responder aos propósitos esboçados” no início do governo Lula, quando o II PNRA foi elaborado (MONTES, 2013, p. 57). Contudo, houve um aumento substancial no apoio orçamentário e financeiro em relação às ações visando à recuperação da capacidade produtiva e à viabilidade econômica dos atuais assentamentos, o que garantiu assistência técnica, crédito, programas de educação, política de comercialização e capacitação.

Nesse contexto, foi elaborado o Programa de Assessoria Técnica, Social e Ambiental (ATES), baseado nas diretrizes do Programa Vida Digna no Campo58 e do II PNRA, sob

coordenação do INCRA. Além de “assessorar técnica, social e ambientalmente as famílias assentadas nos Projetos de Assentamentos da Reforma Agrária”, o objetivo principal da ATES consiste em tornar esses Projetos em “unidades de produção estruturadas, com segurança alimentar garantida. Os projetos são inseridos de forma competitiva no processo de produção, voltados ao mercado e integrados à dinâmica do desenvolvimento municipal, regional e territorial, de forma ambientalmente sustentável” (MDA/INCRA, 2008, p.10).

A concepção da ATES busca desenvolver uma metodologia com “caráter educativo” e “participativa”, partindo de cada realidade e dos conhecimentos locais, tendo um enfoque multidisciplinar da equipe técnica. Para a execução dos serviços da ATES, o INCRA estabelece parcerias com instituições públicas, privadas, entidades de representação dos trabalhadores

58“O Programa Vida Digna no Campo: desenvolvimento rural, política agrícola, agrária e segurança alimentar” foi

rurais e organizações não governamentais ligadas à reforma agrária. No município de Camamu, a EBDA era a entidade responsável pela prestação de assistência técnica nos assentamentos rurais criados ou reconhecidos pelo INCRA naquele momento, como já mencionamos anteriormente.

Os profissionais da EBDA, portanto, eram os responsáveis pela execução da ATES com diversas atribuições detalhadas no “Manual Operacional de ATES” (MDA/INCRA, 2008) e outras atividades decorrentes do convívio e da proximidade com os assentados. No entanto, a elaboração ou a tentativa de implementação de projetos direcionados para as atividades produtivas ou a geração de renda representavam as principais atividades desempenhadas pelos técnicos, conforme a avaliação dos assentados. Isso não era somente uma demanda ou justificação constante emanada pelos assentados devido à ausência de alternativas produtivas ou econômicas para as famílias, mas também pelos papéis instituídos pelo próprio arcabouço legal institucional ou mesmo pelos poderes públicos, os quais deveriam ser desempenhados pelos assentamentos rurais, ou seja, produzir alimentos e produtos agrícolas de forma sustentável para o autoconsumo e o abastecimento do mercado interno, além de outras funções já descritas.

Os moradores recordavam os inúmeros projetos iniciados com essa finalidade, mas sem sucesso até aquele momento. Um dos mais lembrados foi o projeto de fomento para a criação de galinhas, sem conclusão por falta de recursos financeiros para a construção dos galinheiros, conforme uma interlocutora detalhou: “só veio material para construir parte dos galinheiros. A mulher que deu o curso de criação disse que os galinheiros poderiam ser feitos de madeira mesmo. Mas começaram a levantar os galinheiros de bloco, enquanto as cozinhas e as áreas estavam caindo” (Entrevista com a moradora T.). Já outra moradora A. contou que “faltou dinheiro para telar, mas ela agora resolveu terminar com madeira mesmo, mas faltavam os pregos”.

A estrutura semiacabada permanecia no pequeno espaço atrás das casas. No entanto, este não foi o maior inconveniente, como o morador recorda: “Depois que fizemos o curso de criação de galinhas, uns pintos foram deixados aqui. Deixaram com o vizinho, mas ele não estava dando conta de dar comida para eles, pois precisavam de muita ração. Eu acabei pegando os pintos tudo magro, e que às vezes não tinha nem açúcar dentro de casa para poder comprar ração para os bichos” (Entrevista com a moradora T.). Na realidade, diversos moradores solicitaram ou foram encorajados a iniciar a criação de galinhas após o curso. Todavia, os animais não podiam sobreviver ou se desenvolver somente com uma alimentação a base de folhas, ou seja, os moradores precisavam comprar ração, mas muitos não conseguiram arcar com as despesas e, por isso, distribuíram os animais para os vizinhos. Após os moradores reclamarem para a assistência técnica sobre esses acontecimentos, os técnicos não contribuíram para encontrar uma solução plausível. Ao contrário, criticaram os moradores que pediram ou aceitaram os animais sem apresentar condições para criá-los, o que aumentou a indignação de muitos, como a moradora V. nos explicou:

Das galinhas foi assim. Eles fizeram aqui, investigaram sei lá o quê, tinha que aceitar, aceitar. Uns pediram cinquenta pintos, outros pediram cento e cinquenta pintos, outros pediram cem, eu por muito pedi trinta, porque eles me forçaram a valuar isso. E quando foi depois, ainda veio dizer que a gente foi burro e pedir esses negócios. Tá vendo, que foi aceitar. Eu, hein? Eu disse: vou ficar num beco sem saída sem dar opinião. Depois fala que quem cala, consente, eu não sei entender (Entrevista com a moradora V.).

Como não possuíam uma ata ou um registro escrito sobre a discussão do projeto, não podiam comprovar ou cotejar com as informações repassadas e as decisões tomadas frente à sua execução. Desse modo, a “palavra” dos técnicos contrapunha-se à dos moradores. De um

lado, os técnicos argumentavam que os moradores deveriam ter se pronunciado sobre não ter condições financeiras para criar os animais. Por outro lado, os moradores alegavam que foram constrangidos a concordar, e mesmo se não falassem nada, ainda seriam responsáveis, “porque quem cala, consente”. De qualquer modo, os moradores resolveram abater os animais antes do tamanho e do peso adequados a fim de resolver esse problema.

Ainda houve o “projeto das hortas”, que foi retomado recentemente. A EBDA promoveu um curso para a implantação de hortas domésticas nos anos anteriores. Contudo, as hortas dão muito trabalho e, sem água, o trabalho se torna muito penoso. Os técnicos, todavia, incentivavam constantemente a recuperação do espaço para as hortas, ainda mais com a possibilidade de comercialização dos produtos para a alimentação escolar do município pelo PNAE. Assim, as mulheres decidiram implantar a horta coletiva em uma área próxima da agrovila, sendo que cada leira era responsabilidade de uma assentada, e aquelas que tinham mais experiência com roça compartilhavam seus conhecimentos com as outras. Ali, encontramos cebolinha, salsa, coentrinho, alfavaca, pimenta, couve, hortelã, rabanete, cenoura e tomate. Elas reclamavam, entretanto, que tinha “gente que pegava coisas ali, mas não tinha coragem de plantar um nada, nem no quintal”. Ademais, o processo de cassação do mandato da prefeita I.59 interrompeu a organização e o encaminhamento para a entrega de produtos da

agricultura familiar para as escolas do município pelo PNAE, o que não se resolveu até o final do trabalho de campo.

Outros projetos também foram citados como o da mamona60, conforme a moradora

sintetiza: as famílias foram cadastradas para receber as sementes, que nunca foram entregues. Ela não se interessava pelo cultivo, mas afirmou que foi pressionada para pegar, circunstância análoga ao projeto das galinhas, e que aceitou para que as pessoas não a chamassem de preguiçosa. Por isso, temia que cobrassem sobre o destino dessas sementes. A maioria dos moradores do Assentamento não citou ou não se recordou desse projeto, dentre tantas intervenções e ações públicas que permeavam seu cotidiano.

Contudo, acompanhamos a tentativa de implantação de outro projeto mais amplo. Este tinha como fim fornecer dendê para a produção de biodiesel, por meio de uma cooperativa do município, para as usinas de beneficiamento da Petrobrás Biocombustível. No início do trabalho de campo, em 2011, alguns técnicos da EBDA me confidenciaram que estavam elaborando esse projeto para inserir os assentados na cadeia do biodiesel. No entanto, não tinham comentado ainda com os moradores para não lhes gerar expectativas, uma vez que poderia não dar certo.

Na realidade, o dendê se tornou alvo de políticas públicas tanto a nível federal como no estado da Bahia desde as décadas de 1980 e 1990, respectivamente. Elas visavam promover a mistura de óleo de dendê ao óleo diesel, como foi o caso do Programa Nacional de Óleos Vegetais para Fins Energéticos (PROOLEO), ou mesmo expandir a área e a produção de dendê na Bahia com o Programa de Desenvolvimento da Dendeicultura Baiana, por exemplo (MESQUITA, 2002). Contudo, destacamos as ações mais recentes, tais como o Programa de Produção Sustentável de Palma de Óleo, em 2010, desenvolvido pelo Governo Federal para a produção de biocombustível. O objetivo desse Programa “é disciplinar a expansão da produção do óleo e ofertar instrumentos para garantir uma produção em bases ambientais e sociais

59 Em 2009, a candidata I. foi eleita prefeita de Camamu pelo Partido dos Trabalhadores (PT). No ano seguinte,

seu mandato foi cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral da Bahia sob a acusação de abuso de poder econômico e compra de votos na campanha de 2008, quando distribuiu refeições aos eleitores na antevéspera das eleições. Contudo, permanecia no cargo devido à liminar submetida ao Tribunal Superior Eleitoral, que decidiu cassar o mandato da prefeita em 2012.

60O “projeto da mamona”, citado pela moradora, se refere ao Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel

(PNPB), criado em 2004, pelo Governo Federal a fim de promover a produção e o uso de biodiesel, sendo que a produção de matéria-prima pela agricultura familiar foi incentivada para que pudesse participar dessa cadeia produtiva. A mamona se tornou um dos principais cultivos, disseminados especialmente na região Nordeste, com o propósito de abastecer as usinas de beneficiamento de biodiesel.

sustentáveis”, tendo como diretrizes a “expansão da produção integrada com a agricultura familiar” e “preservação da floresta e da vegetação nativa” (MAPA/2010).

Ao mesmo tempo, o MDA, em parceria com a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac) e outras entidades, executava, no momento em que realizamos o trabalho de campo, um projeto para a produção de mudas de dendê a fim de melhorar a renda dos agricultores, segundo a notícia disponível no sítio eletrônico do MDA: “Agricultores do Território Baixo Sul da Bahia recebem 14 mil mudas de dendê”. De acordo com essas informações, 70 mil mudas seriam entregues até o final do ano de 2011, beneficiando 580 agricultores familiares do Território. O coordenador de biocombustíveis do MDA explicou que já existiam a produção e a comercialização de dendê espontâneo por agricultores para o Programa de Biodiesel, no entanto buscava potencializar a produção de dendê com mais tecnologia por meio da variedade tenera, que permitia triplicar a produção em relação às palmeiras espontâneas. A safra dessa nova variedade seria colhida e comercializada no prazo de três anos. As cooperativas parceiras do projeto eram responsáveis pela entrega e pelo plantio das mudas junto com os agricultores familiares, além de fornecer assistência técnica sob orientação da EBDA e Ceplac (MDA, 2011).

Já o sítio eletrônico da Ceplac descreve que a produção dessas mudas integra o Plano de Aceleração do Desenvolvimento do Agronegócio na região cacaueira do estado da Bahia (PAC do Cacau) com o objetivo de “reduzir o déficit existente no mercado brasileiro” e aumentar a produção de biocombustível a partir de óleos vegetais. Essas mudas substituiriam o dendê espontâneo no Território Baixo Sul, que apresenta baixo rendimento sendo explorado “de forma extrativista e processada artesanalmente” (CEPLAC, 2009).

Neste contexto, o Assentamento Argemiro Mendes foi inserido nesse projeto por meio da EBDA para receber as mudas de dendê da variedade tenera a fim de substituir o dendê espontâneo ou nativo, como os moradores denominavam, já que o dendê cultivado ou o tenera, apresenta uma altura menor, o que possibilita colher os cachos com uma foice, sem a necessidade de escalar a palmeira. O dendê cultivado, entretanto, requer manejo e adubação do solo para uma produtividade satisfatória o que difere do dendê nativo, o que predomina no Assentamento.

O dendê nativo, por outro lado, pode começar a produzir a partir de quatro anos, e perdurar até noventa anos. Contudo, as palmeiras são muito altas e, como consequência, os agricultores precisam subir no pé para cortar os cachos61. No entanto, não é qualquer pessoa,

ou melhor, qualquer homem que realiza esse trabalho. O cortador de dendê precisa subir e saber realizar o corte. Por isso é considerada uma atividade “perigosa e trabalhosa. Às vezes os homens têm tonturas ou problemas na coluna e não conseguem mais subir” (Registro do depoimento no diário de campo do morador A.). O cortador recebia metade da colheita, ou até R$50,00 por dia, e normalmente trabalhava em diversas propriedades, visto que existiam cada vez menos cortadores de dendê. De acordo com as explicações do técnico agrícola da EBDA, “os produtores de dendê nativo normalmente não cuidam direito [dos dendezeiros], pois trabalham como extrativistas. Eles têm a ideia de que não precisa adubar nem limpar o terreno. Se fizessem esse manejo, poderiam aumentar a produção, mas acham que não precisam” (Registro do depoimento no diário de campo do técnico da EBDA).

Assim, as mudas de dendê foram entregues, e a expectativa era de que seriam plantadas no início de 2012. Todavia, a maioria não tinha sido plantada até o final do trabalho de campo,

61Conforme informações do técnico da EBDA, os cachos podem ser colhidos a cada quinze dias, mesmo no

período entressafra, o que possibilitava ao agricultor vender de 200 a 300 quilos por semana e “fazer um dinheirinho durante o mês”. Para buscar o produto na propriedade, o valor da tonelada de dendê era de R$180,00 naquele momento.

isto é, mais de um ano após o recebimento. Elas permaneciam ao ar livre e se deterioravam gradativamente. Na realidade, uma série de eventos atrapalhou a realização desse projeto, impedindo seu progresso, conforme nossos interlocutores relataram. Inicialmente, o projeto previa o plantio das mudas de dendê cultivado nas áreas individuais, já que a colheita poderia ser realizada pelos próprios assentados sem a presença de um cortador. A primeira parte do projeto foi aprovada e 4 mil mudas de dendê foram entregues. Essa quantidade, contudo, era muito superior à esperada e ultrapassava em muito a capacidade de cultivo dos assentados, conforme os assentados nos detalharam:

(...) [o técnico] perguntou a quantidade que a gente podia plantar. Eu disse que só podia plantar meia tarefa. Eu não queria de jeito nenhum, mas para não ficar de fora, é obrigado a aceitar. Porque um fala que tem preguiça e com tanta terra, e não sei o quê. Eu não queria de jeito nenhum, mas eles ficaram incentivando que eu estava com preguiça. Então, traz só cinquenta mudas. Uns pediram 200, outros pediram 300. Estes que pediram 300 foram embora, nem moram mais aqui.

Quando foi depois, a [presidente da Associação] disse que aquelas mudas não vêm mais assim, cada um para si, agora vai vir para plantar no coletivo. [O técnico da EBDA] disse que era para plantar no coletivo, para todo mundo plantar, que aumentava mais. E eu pedi uma muda para plantar no meu lote, e falaram que agora não pode dar, porque vai plantar no coletivo. Quando foi agora, [outro técnico da EBDA] chegou na reunião esses dias: quem foi de vocês que aceitou essas mudas tudo? [A presidente da Associação] não se lembra mais como começou, deveria ter uma ata, ter assinado aquilo tudo, anotado tudo, só que não incentivou a gente. (...). Quando teve essa conversa, tem muitos que ficaram quietos, na hora que ficou quieto, é porque aceitou. Por que aceitou? Porque a gente ficou quieto, porque se a gente dizia que não queria, ficavam falando que era preguiça minha, e acabou nisso aí. (...) É nove metros de cada pé, eu não tenho terra para isso. Cinquenta mudas é a terra que eu tenho lá pode se dizer, porque nove metros, porque não pode plantar mais tudo junto. (...) E eu vou viver de quê? (Entrevista com o morador C.).

Vocês que pediram, porque não planta no lote de vocês? [assentado reproduz a indagação proferida pelo técnico da EBDA]. Porque disseram que era para o coletivo, ainda falaram que era para roçar lá na beira da maré, lá debaixo dos dendês, na área do dendê, roçar e plantar as mudas. Quando os dendês estivessem grandes, os debaixo estivessem safreiros, ia derrubar aqueles altos, porque os dendês lá são altos. É muito alto, é quinze metros de altura, vinte metros. Foi assim o acerto (Entrevista com o morador A.).

Como que eu vou viver só de dendê?, uma coisa difícil da pessoa trabalhar com aquilo. Aí, falaram “porque não pediu outra coisa? Foram pedir dendê!” Aí chegam dizendo que vem um projeto, que vem tantas mudas de dendê. Uns aceitam, outros não. Tudo bem, quando viu não era aquilo não, eram 4 mil mudas (Entrevista com o morador T.).

Quando decidiram que as mudas deveriam ser plantadas na área comum, outro fator agravou essa situação: o Coletivo. Toda segunda-feira, era dia do Coletivo, ou seja, uma pessoa de cada família deveria trabalhar na área comum do Assentamento, podendo ser dispensada se estivesse doente. As atividades escolhidas dependiam daquilo de que se tinha mais necessidade, como explica nosso interlocutor: “Se é para roçar, nós vamos roçar, se é para plantar dendê, a gente vai plantar, se for para limpar a ponta de cavaco, a gente vai, é assim” (Entrevista com o morador A.).

No entanto, a participação no Coletivo diminuía cada vez mais, o que causava desânimo naqueles que participavam, visto que essa situação acarretava mais trabalho, menor produtividade e, o que é pior, a insatisfação de ter de dividir o resultado com aqueles que não

contribuíram. Além do pouco número de pessoas, a maioria era mulher, o que era um problema para eles, especialmente no que se refere ao plantio do dendê, como os moradores explicavam: As pessoas precisam trabalhar para se manter, para plantar esse dendê fica difícil. Só no Coletivo mesmo, não são todos que vão no dia de segunda-feira. O cara não quer perder o dia de serviço, manda a mulher para lá. A mulher não resolve quase nada. Cada muda daquela é quase 30 quilos, para uma mulher pegar é uma dificuldade (Entrevista com o morador A.).

Agora mesmo para plantar este dendê, é uma dificuldade danada. Bem poucas pessoas vão [no Coletivo], só vão mais as mulheres, porque os homens não querem ir. E é serviço para homem, os homens não querem ir, vão as mulheres. As mulheres não aguentam (...) eles não querem se envolver (Entrevista com o morador D.).

A realização de tarefas, que exigiam maior força física, se tornava muito penosa para as mulheres, causando danos à saúde, o que presenciamos nos dias seguintes do Coletivo. Muitas mulheres se queixavam das dores no corpo devido ao peso das mudas de dendê, ficando impossibilitadas de exercer outros afazeres nas suas roças ou mesmo nas suas casas. Por isso, elas estavam apreensivas, perguntando em relação à maneira com que aquelas mudas seriam plantadas, pois tinham mais de 3 mil mudas deteriorando e não tinham condições de plantá-las. Como comentou uma delas: “a gente ficou tudo doente, eu fiquei um bocado de dias que nem podia tomar banho. Um peso brabo! Estava vendo na hora das nossas tripas sair, quando pega aquilo, parece que vai enterrar”, como a moradora R. desabafou. Para agravar ainda mais a

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