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As diferenças econômicas estruturais dos países da zona do

CAPÍTULO 3: OS DILEMAS MACROECONÔMICOS DO EURO

3.3 Soberania Monetária e assimetrias macroeconômicas na zona do

3.3.1 As diferenças econômicas estruturais dos países da zona do

A diferenciação dos países em termos de comportamento divergente entre as economias, e que ocorre também após a introdução do euro, pode ser observada em mais de uma forma, sendo discutida amplamenta pela literatura acadêmica, especialmente após a CFG (STIGLITZ,

2016; PRIEWE, 2011; STOCKHAMMER, 2016; DE GRAUWE, 2011; REGAN, 2017; BIBOW, 2018; BOYER, 2013; DEL HOYO et al, 2017; FRIEDEN; WALTER, 2017). O debate que ocorre sobre esse tema pode ser colocado sob vários aspectos, pois depende tanto do enfoque adotado pelos autores para analisar o problema, quanto de suas referências teóricas, permitindo mais de uma interpretação sobre o assunto. Por exemplo, é possível atentar para o comportamento de indicadores econômicos relevantes (fundamentos), como taxas de inflação, desemprego, nível de endividamento do setor público, crescimento econômico etc. e atribuir maior ênfase à causa do processo de diferenciação entre as economias a partir dos desvios dos fundamentos corretos. Nessa visão, del Hoyo et (2017) afirmam, a respeito dos países que tiveram um baixo desempenho na zona do euro já a partir dos anos 1990: “(...) a divergence

phase has taken hold, and does not yet appear to have clearly reversed. Attributing such a development to adopting the euro, rather than to economic fundamentals and policies over the previous decades seems, once again, short-sighted (...)” (p. 54).

Sob uma outra visão, entretanto, pode-se associar o desempenho desses fundamentos não como causa, mas sim consequência de diferentes tipos de estratégia de desenvolvimento (ou crescimento) adotada pelos países, agravada pela restrição imposta pela perda de soberania monetária. Nesse sentido, Stockhammer (2016) mostra a ligação entre os dois grupos de países que caracterizam um sistema análogo ao de centro-periferia, com os respectivos modelos de crescimento: “The debt-driven and export-driven growth models thus were in symbiotic

relation, were credit-driven growth in the south pulled in exports from the north and Nordic trade surpluses were recycled as private credit flows to southern Europe, where they financed property bubbles and rising household debt.” (p. 6). A configuração da UME que restringe o

controle do Estado sobre sua própria moeda em uma economia monetária impacta significativamente na execução de políticas que poderiam contrabalancear essa dinâmica que surge entre o centro e a periferia da zona do euro, notadamente durante o período crítico da crise, como destaca o autor: “The loss of monetary sovereignty means that countries cannot set

interest rates and, more importantly in times of sovereign debt crisis, they don’t have the lender of last resort facility to support the government. (...) The separation of monetary and fiscal space fatally weakened the ability to counteract the crisis.” (ibidem, p. 10). Por conta disso, na

ausência desses instrumentos de política, tais como taxa de juros e câmbio nominais, a alternativa que resta aos países menos competitivos é por meio de um ajuste interno (“internal

devaluation”) conforme assinalado por Stiglitz (2016) e De Grauwe (2011).

Após a introdução do euro, os países periféricos puderam reduzir os juros e aproveitar maiores taxas de crescimento, ou seja, os benefícios da subida na hierarquia se manifestaram.

Durante a crise, entretanto, esse tipo de ajuste a qual se referem Stiglitz (2016) e De Grauwe (2011) foi a opção que restou aos países da periferia menos competitivos, seja para compensar desequilíbrios externos, como da balança comercial, seja internos, com os diferenciais de inflação e competitividade em relação a seus pares do centro, medidos através de custos unitários do trabalho (FLASSBECK & LAPAVITSAS, 2013). No contexto dessa heterogeneidade entre as economias, o exercício da soberania monetária desempenharia um papel crucial89.

Com essa perspectiva, ao comentar sobre a execução de política econômica em economias monetárias, Davidson (1990a) aponta para a necessidade de coordenação entre elas, sinalizando por exemplo para a monetária, fiscal e de renda:

A coordinated monetary, fiscal, and incomes policy should be a major objective of economic policy-makers. Since fiscal policy and incomes policy are, by their very nature, likely to reside in the executive branch of the government, it seems practical to give responsibility for coordinating monetary policy with these other policies to the administration. (DAVIDSON, 1990a, p. 105).

Porém, esse não é o caso para os países que aderiram à UME, conforme indica De Grauwe (2011), já que a perda de soberania monetária implica não somente a perda sobre o controle da moeda per se, mas também sobre esses instrumentos de política:

A third important step in the process towards political union is to set some constraints on the national economic policies of the member states of the eurozone. The fact that while monetary policy is fully centralized, the other instruments of economic policies have remained firmly in the hands of the national governments is a serious design failure of the eurozone (DE GRAUWE, 2011, p. 15).

89 Isso se dá principalmente por dois motivos interligados: um teórico e um prático. Sob o ponto de vista teórico,

essas são economias monetárias da produção. Segundo Carvalho (1992) há seis princípios fundamentais de uma economia monetária, sendo que a não-neutralidade de longo prazo da moeda, ou seja, o seu caráter de ativo decorre desses princípios fundamentais. São eles: da produção, estratégia dominante, temporalidade, não-ergodicidade, coordenação e das propriedades do dinheiro. A ideia contida em Carvalho (1992) de uma economia monetária da produção pode ser sintetizada da seguinte forma: “A model of an economy built on the above six principles will

present the results Keynes expected: the long-period non-neutrality of money, the full realization of the meaning of the concept of financial circulation, created in the Treatise on Money, and the principle of effective demand (...) In a monetary economy, money is not only a means of circulation but it is also an asset, a means of conserving wealth, the main atribute of which is the capacity to liquidate debts and to represent purchasing power in its purest form” (p. 49). Como já visto anteriormente, esse atributo de conservar riqueza e liquidar débitos deriva de sua

função primordial: a de servir como unidade de conta. No caso, ela é criada (nomeada/definida) pelo Estado, que é o money of account. Desse modo, conclui-se que moeda tem influência sobre o nível e a trajetória das variáveis reais ao longo do tempo, e sendo ela uma criatura do Estado, é a partir de sua atuação que essa unidade de conta com aceitabilidade generalizada não só é definida e nomeada, mas também é por essa característica que é possível utilizar mecanismos de controle sobre sua oferta, bem como outros tipos de política que daí derivam.

Por sua vez, a dinâmica estabelecida entre esses países do centro e da periferia da zona do euro, como salientado por Stockhammer (2016), indica que há equivalência no que diz respeito à ausência de soberania monetária (jurídica) mas não no aspecto econômico. Isso é especialmente válido ao se atentar para a relação entre credores e devedores, ou de outra forma, para os fluxos monetários e financeiros que se estabelecem entre eles, afetando a vulnerabilidade econômica e financeira, bem como a capacidade de reação no período de crise dos países periféricos (PISTOR, 2017). Assim, mesmo que os países da zona do euro se situem em um mesmo nível de hierarquia monetária internacional, há a hierarquia interna da moeda (MEHRLING, 2012), e consequentemente do euro, que diz respeito à moeda enquanto um bem privado. À vista disso, nota-se que há uma relação próxima entre os temas aqui abordados: hierarquia de moedas, soberania monetária, autonomia de política e a crise observada nos países do euro. Isso está em concordância com o que foi exposto nos capítulos anteriores.