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2.2 Os Portadores de Necessidades Especiais e o Trabalho

2.2.1 As Diferentes Definições de Deficiência

A determinação de quem é portador de deficiência é uma tarefa complicada. Pelo fato de a condição ser objeto de estudo e ação de várias disciplinas, a noção de deficiência varia bastante.

Do ponto de vista médico, deficiência refere-se à incapacidade de uma ou mais funções da pessoa. Na literatura econômica, deficiência significa dificuldade a ser vencida para melhor produzir. No mundo jurídico, a condição de deficiência é fixada pela lei (PASTORE, 2000).

Segundo MASHAW et. al, (1996), as diferenças de definição têm importantes conseqüências para as políticas de apoio aos portadores de deficiência. Quando se consideram todas as pessoas que possuem algum tipo de doença crônica ou restrição que impõe limitação ao pleno funcionamento do corpo ou da mente, 50% da população é portadora de deficiência em qualquer país do mundo. Se forem consideradas apenas aquelas que têm restrições que impõem limitação ao exercício de uma função central em sua vida como, por exemplo, os afazeres domésticos, a freqüência à escola ou o exercício de sua profissão, aquela proporção diminui para 15%.

Quando se levam em conta só as pessoas que têm limitações para o trabalho, o percentual se reduz a 10%. Quando se focalizam as que estão em idade de trabalhar, a proporção cai para 6% ou 7%. E quando se consideram apenas os casos de limitações mais severas, a proporção desce para 2% (MASHAW et. al, 1996).

O grande problema para se fixar esses percentuais é a adoção de uma definição precisa do que seja deficiência e deficiência para o trabalho.

Na tentativa de esclarecer tais diferenças, a Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1980, decidiu fazer uma distinção entre “incapacidade”, “deficiência” e “desvantagem”:

A incapacidade refere-se a uma restrição para realizar uma atividade dentro dos parâmetros considerados normais para um ser humano. A deficiência refere-se à perda ou anomalia de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, como é o caso da impossibilidade (ou redução da capacidade) de ver, andar ou falar. Já a desvantagem

refere-se a uma situação de atividade reduzida, decorrente de uma deficiência ou de uma incapacidade que a limita ou impede o desempenho normal de determinada função, levando-se em conta a idade, sexo e fatores sócio-culturais (ONU, 1993).

A distinção continuou sutil. Na prática, nem sempre esses três casos se materializam de forma clara. O problema persistiu. Além disso, a abordagem multidisciplinar que ganhou corpo na década de 1980 passou a rejeitar a definição da OMS por ser viesada para o lado médico (PASTORE, 2000).

Em 1999, a OMS fez uma revisão desse posicionamento, sugerindo que portar uma deficiência decorre de um encadeamento de vários níveis de dificuldade e de providência do lado da sociedade. Numa interpretação mais ampla, pode-se entender esse novo esforço da OMS da seguinte maneira:

O corpo humano possui uma estrutura (esqueleto, órgãos, membros e componentes) e um conjunto de funções (fisiológicas, psicológicas e sociais). Com o seu corpo, os seres humanos desenvolvem atividades. No desenvolvimento dessas atividades podem existir dificuldades devido a impedimentos associados a problemas da estrutura ou das funções do corpo. Isso pode restringir a participação do seu portador em diversas situações de vida. A extensão desses impedimentos, entretanto, está ligada a providências que são ou não são tomadas do lado social. Por isso, uma pessoa é deficiente quando tem restrições de estrutura ou funções corporais não compensadas por providências sociais (OMS, 1999).

No campo do trabalho, a definição continua obscura. Afinal, quem tem deficiência para trabalhar? A OIT buscou definir o assunto em terreno mais sólido e, para tanto, elaborou a Convenção 159 (1983), que foi referendada no Brasil pelo Decreto no 129/91, na qual a pessoa portadora de deficiência para o trabalho foi definida como aquela “cuja possibilidade de conseguir, permanecer e progredir no emprego é substancialmente limitada em decorrência de uma reconhecida desvantagem física ou mental”.

Seguindo o espírito geral da Convenção 159, a lei brasileira passou a considerar pessoa portadora de deficiência como aquela que:

“apresenta, em caráter permanente, perdas ou anomalias de sua estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, que gerem incapacidade para o desempenho de

atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano (Decreto no 914/93 e Lei no 7.853/89).”

O questionamento das definições, assim como os avanços nos seus termos, têm sido promovidos, em grande parte, pelos movimentos organizados pelos próprios portadores de deficiência. No mundo, conta-se aos milhares as organizações não-governamentais (ONGs) que militam nessa área (PASTORE, 2000).

Como exemplo de avanço, teve destaque a modificação do Tratado de Amsterdã, efetivado em 1997, e que passou a servir como recomendação padrão para os países da União Européia que, dali em diante, ficaram proibidos de discriminar, assumindo solenemente a obrigação de facilitar a inserção, permanência e progresso dos portadores de deficiência nos mercados de trabalho dos estados membros (FLYNN, 1998a; 1998b). Na época, foram estimadas em 37 milhões as pessoas portadoras de deficiência na União Européia (EDF, 1998a).

No mesmo ano, em Luxemburgo, a Reunião de Cúpula da União Européia incluiu, na Agenda do Emprego, o dever dos países membros promoverem a integração dos portadores de deficiência no mundo do trabalho (EDF, 1998b; 1999).

De grande influência para o reconhecimento dos direitos dos portadores de deficiência foi o “efeito-demonstração” da Lei dos Deficientes dos Estados Unidos (“American with Disabilities Act”), aprovada em 1990 (ADA, 1990), entrando em operação em 1992 e aplicável a toda empresa que possui mais de 15 empregados (PASTORE, 2000).

Na Inglaterra, o mesmo tipo de legislação, aplicável a toda empresa com mais de 20 empregados, foi aprovado em 1955, entrando em vigor a partir de 1996 (DDA, 1996). Daí em diante, proliferaram as leis nacionais e convenções internacionais que tratam dos direitos dos portadores de deficiência.