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5.2 A pesquisa com os alunos

5.2.3 As dificuldades vivenciadas pelas professoras na prática da pesquisa

Para desenvolver a pesquisa sobre o consumo de água com os alunos, as professoras do grupo sentiram a necessidade de estudar coletivamente a metodologia da pesquisa, uma vez que eles desconheciam essa metodologia.

Com base no estudo realizado durante encontros do GE, as professoras assumiram a pesquisa como uma prática que se dá em três momentos: o questionamento, a reconstrução de argumentos e a comunicação (Moraes, Galiazzi e Ramos, 2002).

Todas as professoras do grupo relataram ter conseguido encaminhar as primeiras aulas com os alunos sem apresentar maiores dificuldades. A professora Sol relata dificuldade inicial ainda durante os encontros no grupo de estudos:

Difícil foi aquela primeira parte da gente se organizar, de ver como fazer. Quando decidimos que o tema seria água, pronto e agora, como eu vou trazer a Matemática para dentro dessa questão da água. E os alunos poderiam pensar, que viagem agora a professora vai mudar sua forma de dar aula, a gente tem aquele costume de fazer as coisas meio mastigadinho, e essa ia ser uma aula diferente. Mas, depois desse início, a aula foi se dando naturalmente, uma coisa foi puxando a outra, foi indo, foi indo, e dava para ir adiante. Infelizmente, a gente tem que cumprir, tem um conteúdo mínimo que a gente tem que passar, se não depois a gente sente falta (professora Sol).

O relato da professora retoma a questão intrigante que é o conteúdo para a maioria dos professores. Percebe-se que o conteúdo é um fator importante para o desenvolvimento do trabalho pedagógico do professor em sala de aula. Além disso, a professora Sol retrata a sua prática como uma aula mastigadinha em que os alunos não estariam acostumados a trabalhar coletivamente com ela no desenvolvimento das atividades. Com isso, podemos concluir que houve receios de parte da professora em iniciar com a pesquisa em sala de aula, porque implicaria uma proposta distante da que vinha desenvolvendo com os alunos e eles poderiam estranhar muito. Contudo, após o momento inicial de questionamento, ela percebeu que os alunos estavam motivados e queriam avançar o que a fez sentir mais confiante para dar continuidade ao trabalho.

Para os demais professores, não houve tanta resistência em alterar sua prática pedagógica. Os relatos mostram que as primeiras aulas giraram em torno do primeiro momento da pesquisa, o momento da dúvida, do diálogo, do questionamento, do problema de pesquisa: “Quanto eu consumo de água por dia?”

Na sala de aula o diálogo representa as situações de comunicação nas quais os sujeitos da aprendizagem põem em confronto seus modos de ver o mundo, com vistas a prover a produção de sentidos sobre o objeto de estudo (RAMOS, 2008, p. 66).

Conforme o autor, o diálogo é um momento importante para detectar os saberes dos envolvidos e confrontá-los. Se na sala de aula, o professor permite e promove o diálogo, ele possibilita que o aluno exponha o que sabe. Sobre isso, Moraes, Ramos e Galiazzi afirmam que

Para passar de um pensamento simples a um pensamento complexo é preciso haver ação mediada para que possa acontecer a reestruturação desses acontecimentos. Portanto, em relação ao conhecimento produzido na escola, pode-se afirmar que, para que essa reestruturação seja possível, é preciso partir do conhecimento dos alunos, percebido por suas manifestações e pelo seu discurso, constituído no meio social em que se inserem. Não se pode separar o sujeito e a sua linguagem do discurso da sua cultura, sobre o qual ele também influi ou pode influir (MORAES, RAMOS E GALIAZZI, 2006, p. 88).

Para os autores é condição essencial partir do conhecimento dos alunos, resultado de sua vivência e de sua cultura, como ponto de partida para o desenvolvimento do trabalho pedagógico. Nesse momento, o professor pode perceber o que o aluno conhece e o que será necessário fazer, como mediador do processo de ensino e de aprendizagem. É também explicitado pelos autores, que esse diálogo inicial pode fomentar algumas mudanças com relação ao discurso inicial dos alunos.

Assim, para as professoras do grupo, enquanto o diálogo acontecia, o confronto entre os saberes dos alunos vinha modificando esses próprios saberes. Isso fez motivar as professoras e os alunos. Essa motivação levou as professoras a confiarem no seu trabalho e na proposta que estavam procurando compreender. Com isso, partir do conhecimento dos alunos passou a ser importante não apenas na percepção dos autores estudados, mas também para as professoras do GE que vivenciaram essa experiência com a prática da pesquisa.

O segundo e o terceiro momentos da pesquisa com os alunos demonstraram que há aspectos que merecem maior aprofundamento analítico. No caso da reconstrução de argumentos, houve dificuldade por parte das professoras que atuam com as turmas em que a faixa etária é menor. Já a etapa de comunicação foi apresentada pelas professoras das turmas com faixa etária maior como a mais difícil de ser realizada.

Pelo relato das professoras, os alunos das turmas de educação infantil e dos primeiros anos do ensino fundamental encontraram dificuldades em desenvolver um pensamento mais complexo no que diz respeito à argumentação e procurar meios de encontrar respostas para o problema do consumo de água. A professora Ar, que leciona para anos iniciais, relatou na entrevista final, que procurou apresentar dados com a quantidade de água que se gasta ao lavar um carro ou a calçada com mangueira, ao lavar a louça com a torneira aberta, ou mesmo valores para banho conforme determinado tempo. Em seguida, ao trabalhar com a conta de água, ela percebeu que teria que interferir muito mais do que uma professora que tem 5º ou 6º ano, porque os alunos não chegavam a conclusões sobre a mesma.

Com relação a essas questões apontadas pela professora Ar, há necessidade de se levar em conta a mudança da prática dessa professora, que acostumada a desenvolver uma prática mais tradicional, se prontificou a alterar e verificar os resultados de outra prática. Nesse contexto, a dificuldade apresentada pelos seus

alunos, pode ter sido reflexo da sua dificuldade em instigar, provocar, direcionar ou conduzir para a argumentação, mas também em relação aos limites de linguagem das crianças dessa faixa etária. Mesmo assim, os professores que não trabalham numa perspectiva investigatória, não estão preparados para argumentar e instigar a argumentação de seus alunos. Por isso, os professores necessitam aprender esse processo junto com os alunos.

A dificuldade em comunicar a pesquisa foi referida especialmente pelas professoras que atuam com turmas de 4º, 5º e 6º anos do ensino fundamental.

Essa parte da comunicação foi mais complexa. Os alunos têm a ideia de que escrevem para o professor e, além disso, que na aula de Matemática não se escreve (professora Lua).

A frase da professora traz à tona dois aspectos que foram debatidos e refletidos com grande ênfase no grupo de estudos: a questão de o aluno ter aprendido que os textos que produz em sala de aula são lidos pelos próprios professores com o objetivo de receber uma nota e que na aula de Matemática são utilizados números, portanto a escrita não faz parte da aula em que números são o elemento chave da aula. A professora complementou ainda dizendo que os alunos referenciavam a elaboração ou resolução de problemas matemáticos como a parte escrita da aula de matemática.

Com o apoio das colegas do grupo e nos debates e reflexões, as professoras buscaram motivação para desenvolver esse momento de comunicar, que foi realizado. O desejo das professoras era de que os alunos conseguissem comunicar- se também por meio da produção textual além da elaboração de cartazes e gráficos, que apresentavam muitos dados, mas não apresentava um maior aprofundamento, o que é possível pela escrita.

Essa parte de expressar no papel, da escrita, é muito difícil. [...] Quando fomos ler o que escreveram, meu Deus, aquela coisa de frases soltas, questão de coesão, de combinação e repetição de palavras, como e daí (professora Sol).

Isso significa que, tanto a construção de argumentos quanto a comunicação, e especialmente a comunicação por meio da produção escrita são atividades deficientes nas escolas. No que tange à capacidade de argumentar e comunicar,

[...] as investigações constituem um contexto muito favorável para gerar boas aulas de discussão entre os alunos. No entanto, a aula de matemática, habitualmente, não é um lugar em que os alunos estejam habituados a comunicar as suas ideias nem a argumentar com seus pares. Desse modo, é natural que o professor sinta algumas duvidas sobre como tirar partido das

potencialidades do trabalho investigativo para realizar aulas produtivas (PONTE, BROCARDO e OLIVEIRA, 2006, p. 41).

A carência de atividades argumentativas e comunicativas na escola, pode, portanto, estar vinculada à dificuldade dos professores em fomentar essas atividades, especialmente porque a aula de Matemática, historicamente não tinha isso como característica.

Contudo, após o trabalho com os alunos, há unanimidade entre as professoras do grupo quando questionadas sobre a importância da escrita para a formação do aluno. As habilidades de argumentar, escrever, de relatar com inferências reflexivas foram apontadas como imprescindíveis para essa formação.

Enfim, podemos usar a expressão da professora Ar quando disse que “nada

foi fácil e também nada foi difícil, foi uma prática nova”.

Analisando essa expressão, pode-se concluir que a prática da pesquisa trouxe questões que precisam ser analisadas com o intuito de superá-las no que diz respeito à prática do professor, assim como para a formação integral do aluno.