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AS DIRETAS JÁ, A PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988, A

2 O PROCESSO DE DEMOCRATIZAÇÃO DO BRASIL, AS

2.2 AS DIRETAS JÁ, A PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988, A

ARENA POLÍTICA

Com a democratização política no Brasil, surgiram novas oportunidades e restrições, sobretudo após as “Diretas Já” e a Constituição Federal de 1988. Para Tarrow (2009, p. 24), “[...] as mudanças nas oportunidades políticas e nas restrições criam os incentivos mais importantes para iniciar novas fases de confronto”. As novas oportunidades e a redução política das restrições, sobretudo da repressão violenta, parecem ter criado condições para o uso de um repertório de interação entre Estado e sociedade civil e a presença de insider tactics.

Para Sallum Jr (2006, p. 5) e Colnago (2013), a redemocratização brasileira teria sido resultado de crise econômica e política, tendo surgido reações no interior da elite empresarial e favorecendo para que a “[...] oposição político- partidária no Congresso e seus esforços para mobilizar as classes médias e populares na luta contra a perpetuação do regime militar”, o que culminaria, entre janeiro e março de 1984, na campanha das “Diretas Já”23.

A mobilização popular minou completamente o apoio ainda existente à política de democratização gradual e limitada liderada pelo regime autoritário. Com isso, a crise política expandiu-se e aprofundou-se: a perda de legitimidade do governo estendeu-se, incluindo o próprio regime autoritário. [...] A entrada maciça da população na luta política em favor da superação rápida do regime autoritário produziu uma inovação substancial na vida política brasileira: obrigou o governo a tolerá-la, os meios de comunicação de massa fiéis ao regime a noticiá-la e as elites políticas a rejeitar as costumeiras condicionalidades interpostas à vigência da democracia no Brasil (SALLUM JR., 2006, p. 5).

O movimento “Diretas Já” marcou a entrada maciça da população na luta política no rompimento rápido com o regime autoritário. Para Sallum Jr. (2003, 2006), a partir daquele momento o governo passou a ter que tolerar a participação social, assim como obrigou os meios de comunicação de massa, fiéis ao regime, a noticiarem a participação social, assim como obrigou as elites políticas a aceitarem as exigências de maior aprofundamento democrático.

De fato, a ideia de que não há democracia sem participação popular e de que não há participação popular sem a liberdade plena de associar-se e de manifestar demandas coletivas fortaleceu-se social e politicamente pelo amplo apoio das classes médias e das massas populares. A Campanha das Diretas redefiniu o espaço legítimo da política no Brasil (SALLUM Jr., 2003, p. 37).

Como destacou Mattos (2008, p. 110), milhões de pessoas participaram de comícios nas maiores capitais e embora não se tivessem conseguido o número de votos requeridos para aprovar a emenda constitucional no Congresso Nacional, a pressão foi suficiente para fracionar o bloco de sustentação do governo.

Assim, seria inaceitável um Estado que reprimisse a expressão, organização e participação popular. “Desta forma, a campanha Diretas Já

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Baseada, juridicamente, na Proposta de Emenda Constitucional do Deputado Dante de Oliveira, cuja proposta era de que fosse convocada eleição gerais diretas para Presidente da República no ano de 1985.

anunciou um novo projeto de Estado, orientado por valores democráticos surgidos do clamor da sociedade pela democratização” (SALLUM Jr., 2003, p. 37).

Dois atos são importantes para entendermos o momento que envolvia a redemocratização: a emenda constitucional proposta pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), em 1984, propondo eleições diretas para presidente e a mobilização da população em prol das Diretas Já fomentadas pelos partidos de esquerda. As Diretas Já foi uma impressionante mobilização popular com a participação de milhares de pessoas. Para Kinzo (2001, p. 6), “[...] observando-se aquela mobilização, a impressão era de que a sociedade civil - que havia mostrado sua existência nos movimentos sociais surgidos em 1978 - tinha decididamente despertado e, finalmente, alteraria o curso da liberalização”.

Para Kinzo (2001), “[...] à oposição restava duas saídas: buscar simpatizantes dissidentes dentro do governo; ou romper as regras do jogo através da mobilização da sociedade civil”. O Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) escolheu a primeira opção, buscando uma alternativa caso a Emenda das Diretas não fosse aprovada, indicando Tancredo Neves para concorrer pela oposição na eleição do Colégio Eleitoral. Essa estratégia foi viabilizada por meio da aproximação com os dissidentes do Partido Social Democrata (PSD) (que depois criariam o PFL), que teve em troca do apoio a indicação de José Sarney Partido Social Democrata (PSD) como candidato a vice-presidente na chapa da oposição, que saiu vitoriosa na eleição. A favor da primeira alternativa — isto é, do rompimento das regras do jogo e aproximação com os movimentos populares — estava o Partido dos Trabalhadores (PT), seguido por um pequeno grupo de parlamentares do Partidodo Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) que estavam mais próximos aos movimentos sociais.

A derrota do regime militar no colégio eleitoral, que era um mecanismo criado justamente para garantir seus interesses, foi uma demonstração evidente da influência da opinião pública oposicionista e do desgaste e degradação da base governista (MATTOS, 2008).

Ainda antes da Constituição de 1988, no governo José Sarney (que assumiu após a morte de Tancredo Neves), ocorreu um conjunto de mudanças em leis que bloqueavam a participação popular. De acordo com Sallum Jr.,

No primeiro semestre de 1985 foram instituídos: a) eleições diretas, em dois turnos, para a Presidência da República; b) eleições diretas nas capitais dos estados, áreas de segurança e principais estâncias hidrominerais; c) representação política para o Distrito Federal na Câmara dos Deputados e no Senado Federal; d) direito de voto aos analfabetos; e) liberdade de organização partidária, mesmo para os comunistas; e todo um conjunto de alterações menores que iam na mesma direção. Além disso, a legislação sofreu algumas mudanças que provocaram um enorme impacto na atividade política dos trabalhadores, aumentando muito seus direitos de participação e liberando-os do controle governamental: a) foram readmitidos líderes sindicais, antes demitidos por “mau comportamento”; b) foi cancelado o controle do Ministério do Trabalho sobre as eleições sindicais; e c) foi eliminada a proibição de associações inter-sindicais, o que legalizou as atividades das centrais sindicais que, até então, eram apenas toleradas (SALLUM Jr., 2003, p. 38).

Somada às mudanças desencadeadas pelas Diretas Já, o Brasil vivenciava uma instabilidade econômica que afetou negativamente as condições sociais de grande parte da sociedade. Entre os anos de 1986 e 1994, o país mudou quatro vezes de moeda e teve seis experimentos de estabilização econômica, sendo apenas o último — o Plano Real — bem-sucedido (KINZO, 2001). Essa situação fez com que a crise econômica e social se agravasse e se arrastasse durante o processo de democratização, mantendo um cenário de oportunidades políticas de mobilização social. Houve, nesse mesmo período, uma redução das restrições políticas. Segundo Kinzo,

[...] a fase inaugurada em 1985 foi de intensificação da democratização. Os sinais mais importantes foram a instituição de condições livres de participação e contestação (com a revogação de todas as medidas que limitavam o direito de voto e de organização política) e, acima de tudo, a refundação da estrutura constitucional brasileira com a promulgação de uma nova Constituição, em 1988 (KINZO, 2001, p. 8).

Para Colnago (2013), três atores foram importantes para o processo de democratização brasileira; são eles:

a) a Igreja, sobretudo em razão do agir das Comunidades Eclesiais de Base, b) os Sindicatos, profundamente reconfigurados se comparados com as instituições existentes no início do regime militar8 e c) a Ordem dos Advogados do Brasil, que em determinado momento passou a fomentar o resgate dos direitos fundamentais inerentes a um regime democrático.

Somados a esses três atores, incluímos os partidos políticos de esquerda, como bem destacaram Kinzo (2001) e Sallum (2006), os quais tiveram um papel decisivo na elaboração e aprovação da nova Constituição Brasileira, promulgada

em 1988.

A Constituição Federal de 1988 foi, certamente, um valioso dispositivo jurídico enfatizador da descentralização político-administrativa, atribuindo ao município um importante papel nas políticas públicas (CORREIA, 2003, p. 155). O município dotado de receita — devido à descentralização financeira e uma onda de reforma fiscal que ampliou a arrecadação própria de muitos municípios — passou a ser, em parte, o locus da disputa de interesses de classes, de gêneros, de idades, de status, etc. Tais disputas ocorreram porque, juntamente com a descentralização dos recursos públicos, os municípios passaram a possuir certa autonomia administrativa (MARQUETTI; CAMPOS, 2008). As questões políticas, materializando-se mais claramente no espaço local, parecem facilitar a participação da sociedade civil. Esse fenômeno não pode ser ignorado nos estudos que envolvem a participação da sociedade civil na esfera pública. No Brasil, esse cenário passa a ser claramente configurado a partir da segunda metade da década de 1980, período em que se nota uma ampliação da participação direta da sociedade civil na gestão municipal. Nesse novo cenário, os movimentos sociais e demais instâncias da sociedade civil organizada “se deparam” com um novo ambiente de confronto político: a arena institucionalizada. À rigor, a sociedade civil, os movimentos sociais e os partidos políticos em relações anteriores com o Estado colaboraram para que tal estrutura de oportunidade política se configurasse.

Os atores políticos passaram a defender uma relação estreita com o Estado. Há uma clara mudança: “[...] de uma postura quase incondicional anti- Estado, para uma defesa da ampliação dos espaços, nos quais, a sociedade civil poderia interferir nos rumos desse novo Estado” (MEDEIROS, 2007, p. 182). Até a década de 1980, a participação social e coletiva de caráter reivindicativo “[...] estava de costas para o Estado em um confronto acirrado na luta por melhorias das condições sociais” (NEVES, 2007, p. 398). Diria ainda que era o Estado quem estava de costas para os movimentos sociais, restando a estes mobilizar repertórios de confronto, muitas vezes violentos. Silva (2011) destaca que o ideário que se desenvolveu no Brasil pós-redemocratização de incorporação da sociedade civil nos processos de decisão e gestão pública teve um papel importante para a aproximação do Estado com os movimentos sociais e demais

organizações. Tal ideário nos parece ser parte de uma política neoliberal que se desenvolvia no país, buscando repassar parte da responsabilidade da execução das políticas públicas às organizações sociais sem fins lucrativos.

Os estudos em torno dos movimentos sociais dos anos de 1970 e 1980 enfatizaram a postura autônoma dos movimentos sociais em relação ao Estado e ao partidos políticos, destacando-os como antagônicos, o que era atestado por meio da polarização existente entre sociedade civil e regime militar brasileiro. Nesse mesmo período, mais por um desejo utópico, muitos estudos davam uma ênfase ao poder revolucionário dos movimentos sociais, sendo isso mais um processo discursivo do que analítico. Nos anos de 1990, notou-se um deslocamento nítido nos estudos dos movimentos sociais, havendo uma crescente literatura focada nas relações entre a sociedade civil e o Estado, resultando em elaborações conjuntas de políticas públicas de interesse social. “Nesse sentido, [...] o fator negociação é fundamental para a dinâmica dos movimentos (FERREIRA, 1997, p. 21). É importante destacar que o repertório de ação marcado pela proximidade com o poder público já foram utilizados em outros momentos no Brasil, e que o reaparecimento destes com maior intensidade após 1988 não significa que sejam novos, ainda que se manifestem marcados por “novas aparências”.

Para Burgos (2007, p. 136), a aversão ao Estado, própria do período anterior, tem sido, aos poucos, abandonada pelos movimentos sociais, que têm buscado maior proximidade e assumido tarefas antes vistas como estatais. Nesse novo contexto também cabe ao Estado assumir mudanças no comportamento, no sentido de que este “aprenda” o caminho de um trabalho conjunto, realmente efetivo, com a sociedade civil na elaboração de políticas públicas (BURGOS, 2007, p. 159).

Nos anos de 1990 observamos uma tendência de aproximação do Estado aos Movimentos Sociais, assim como à sociedade civil num todo. Essa busca pela proximidade é impulsionada, em certa medida, pelos ideais do Estado Gerencial. No Brasil, as ideias de um Estado gerencialista tomam força no governo de Fernando Henrique Cardoso, que promove reformas no Estado. Estas reformas foram, em certa medida, influenciadas por uma onda ideológica neoliberal, que germinou na Grã-Bretanha, na segunda metade dos anos 1980

(BRESSER-PEREIRA, 2010). A ideologia neoliberal atestava a necessidade de realizar mudanças na forma de governar, abandonando o modelo burocrático e implantando o que ficou conhecido como Reforma Gerencial do Estado. “Instituições como o Banco Mundial, o FMI e o Banco Interamericano de Desenvolvimento tornaram-se veículos de difusão global da descentralização” e do Estado Gerencial (CRUZ, 2008, p. 36-37).

Destaca Bresser-Pereira (2010) que a Reforma do Estado na Europa deu- se como resultado do avanço e da consolidação do Estado Social e como meio de fundamentar sua legitimação.

O Estado Social só pôde ser pensado e em seguida estabelecido porque a administração pública burocrática proporcionava um mínimo de eficiência que o tornava economicamente viável. Entretanto, na medida em que avançam as reformas sociais, foi ficando claro que esse mínimo era insuficiente. O aumento do custo dos serviços do Estado impôs a adoção da Reforma Gerencial. Essa imposição, porém, não era apenas fiscal, mas também política. Para que o Estado Social se mantivesse legitimado em face da ofensiva neoliberal era necessário tornar suas ações substancialmente mais eficientes. Era necessário proceder à Reforma Gerencial (BRESSER-PEREIRA, 2010, p.114).

A proposta da reforma estava inspirada nas estratégias de gestão das empresas privadas, baseando-se sobretudo nas ideias de redução de custos e maximização dos resultados. Tratava-se de transformar o Estado Burocrático em um Estado Gerencial. O Estado deveria ter, a partir da proposta gerencialista, os seguintes papéis, como bem sintetizou Medauar (2003):

Estado Regulador: transfere para particulares algumas atividades, mas

fiscaliza, controla e fixa regras;

Estado propulsor/animador: incentivar programas de ação social; Estado reflexivo/catalizador: usa a negociação;

Estado incitador: influi nos comportamentos, ao invés de agir por

imposição;

Estado mediador/negociador: exerce papel de regulação e

coordenação entre diversos elementos da sociedade;

Estado subsidiário: de caráter residual em relação às iniciativas da

sociedade;

Estado cooperativo: ocorre colaboração entre administração e os entes

privados, com estabelecimento de parcerias;

Estado-rede: remete e ideia de interdependência entre diversos poderes

públicos.

Assim, os anos de 1990 são marcados por uma política que teve por princípio reduzir o tamanho do Estado. Desta forma, a proposta seria que, invés do Estado atuar como provedor, passasse a criar mecanismos de atuação de

controle e regulação desse mercado. (SOBRINHO, 2010). O conceito de regulador pode ser compreendido nesse sentido como uma ação de transferência do que antes era entendido como dever do Estado para iniciativas privadas ou ONGs. No caso do Brasil24, a Reforma não é fruto de um Estado Social, mas do propósito de reduzir ainda mais a intervenção do Estado, sobretudo sobre as questões sociais.

No Brasil, podemos apresentar a situação do seguinte modo: após a crise econômica que afetou o país nos anos de 1980 a 1990, o Governo Federal diagnosticou que o problema estaria no Estado e não no capital e/ou mercado. Frente a esse diagnóstico, o governo apresentou como estratégia o Projeto de Reforma do Estado proposto pelo Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE) (PERONI, 2008). De acordo com esse documento,

A reforma do Estado deve ser entendida dentro do contexto da redefinição do papel do Estado, que deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social pela via da produção de bens e serviços, para fortalecer-se na função de promotor e regulador desse desenvolvimento (BRASIL, MARE, 1995, p. 12).

De acordo com o documento, o Estado ao buscar assumir funções diretas de execução teria trazido distorções e ineficiências e, nesse sentido, “reformar o Estado significa transferir para o setor privado as atividades que podem ser controladas pelo mercado” (BRASIL, MARE, 1995, p.11). Assim, o Brasil experimentou, entre 1995 a 2002, sob o governo de Fernando Henrique Cardoso, um processo de privatizações como parte dessa reforma.

Dentre as características do Gerencialismo, o que nos interessa para esta pesquisa está no seu caráter reflexivo e cooperativo, o qual teve influência sobre uma maior abertura à participação e controle social na gestão pública, assim como sobre um maior diálogo com os movimentos sociais. A proposta da reforma envolvia renovar o sistema político, buscando criar mecanismos para incorporar a participação cidadã mediante ao controle social. Essas mudanças já vinham, como já mencionado, sendo inseridas desde a promulgação da Constituição Federal de 1988. A descentralização dos recursos públicos e a descentralização

24 Para maior aprofundamento na questão da Reforma do Estado no Brasil, indicamos a leitura do artigo “A reforma gerencial do Estado de 1995”, de Luiz Carlos Bresser-Pereira, publicado no vol. 34, nº 7, da Revista de Administração de Empresas (2000).

administrativa tornaram mais acessível ao debate político nas esferas locais e regionais, o que favoreceu para uma maior proximidade entre Estado, movimentos sociais e sociedade civil. Como destacou Cruz (2008, p.34), “descentralizar as ações do governo e desconcentrar o poder político era a tônica do discurso, em contraposição à tendência histórica de centralizar todas as decisões nas mãos das administrações governamentais”.

Cruz (2008) evidencia que há duas possibilidade de abordagem para esse momento, no que tange as mudanças ocorridas nos anos de 1980 e 1990 e as relações entre Estado e sociedade civil. A primeira seria a de que a disposição do Governo em descentralizar as ações propiciou oportunidades para o surgimento de instrumentos participativos institucionalizados. A segunda abordagem desta teria sido a crescente pressão e adensamento organizacional da sociedade civil responsável pelo surgimentos de canais de participação social. Para Cruz (2008), é certo que “a divisão de responsabilidades e de ações entre governo e sociedade tem [sic] possibilitado a construção de um novo espaço público, permitindo um novo papel a ser exercido pelos movimentos oriundos da sociedade civil” (2008, p. 35). Acreditamos que a vontade política é imprescindível para que haja maior abertura à participação social, mas isso só ocorre quando é politicamente compreendido como vantajoso ou inevitável, como no caso de grandes pressões das massas. No caso brasileiro, o processo deu-se de forma gradual, por isso acreditamos ter sido uma estratégia política-administrativa - dentro do modelo gerencial - de atendimento a uma crescente demanda da sociedade civil pela maior democratização. Em outros termos, tanto as exigências da sociedade civil e dos movimentos sociais, quanto os interesses políticos e do Governo, foram corroborativos para as mudanças ocorridas no cenário político brasileiro. A configuração de uma oportunidade política de participação é muito mais complexa do que explicações dualistas. Apenas o desejo de uma sociedade civil com deficiências político-culturais necessárias à consolidação dos processos democráticos não seriam suficientes para o aprofundamento democrático. Isso fica evidente ao observarmos espaços institucionalizados de participação social em que, como destacou Carlos (2007b, p. 2), “tem se verificado uma tendência à participação limitada e instrumental em um grande número de experiências consideradas inovadoras hoje em curso no país”. De igual modo, não é possível

aferir que a classe política brasileira por vontade própria teria conduzido mudanças para a criação de um cenário mais participativo do que aquele anterior a 1988.

Sob a perspectiva do Estado, reconhecida a sua incapaz de arcar sozinho com a solução dos problemas sociais e econômicos, o Governo brasileiro, gerido por Fernando Henrique Cardoso, entendia ser necessário buscar aproximação com os diversos setores da sociedade, assim configurava-se a instituição de um novo modo de governar, marcado pela redemocratização, associando governabilidade e participação (CRUZ, 2008).

Se por um lado a sociedade civil desejava maior transparência e participação na gestão pública, por outro, “o modelo neoliberal recorre ao princípio da participação tão-somente enquanto recurso da gerência moderna, instrumento de sustentabilidade, otimização e eficiência dos gastos públicos” (CARLOS, 2007b, p. 1). Por ser fruto dessas imbricações, observamos uma “democracia de moldes gerenciais”, marcadas por limitações participativas e de transparência. Para Carlos,

A democracia em moldes gerenciais, voltada a um vínculo mais estreito com os interesses particulares, com a resolução de problemas e com o atendimento a demandas específicas, oferece grandes obstáculos à efetividade e auto-sustentação dos instrumentos de democracia participativa. Rarefeito de valores emancipatórios e de sujeitos políticos autônomos, este projeto de gestão participativa constitui-se refratário a maiores possibilidades dos atores assimilarem o conflito e a negociação como perspectivas legítimas da tomada de decisões calcadas em debates, embates e acordos difíceis (CARLOS, 2007b, p. 2).

Desta forma, a participação social no projeto neoliberal reduz-se à ferramenta de um Estado gerencialista, cujo objetivo é dar sustentabilidade dos resultados políticos, voltado a realização de parecerias e colaborações com a sociedade civil no intuito, muitas vezes, de meramente revestir suas escolhas e

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