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B) A exploração dos pontos de carregamento: os contratos celebrados entre a Entidade

2. Da qualificação do contrato

2.2. As Diretivas Europeias – em especial a Diretiva 2014/23/UE

A Diretiva 2014/24/UE, veio revogar a Diretiva 2004/18/CE, e estabelece as regras relativas à adjudicação de contratos públicos (de empreitada de obra pública, contratos públicos de fornecimento e de serviços). A novidade trazida pela legislação europeia em 2014 foi a Diretiva 2014/23/UE, que pela primeira vez vem regular as regras aplicáveis à adjudicação de contratos de concessão. A linha ténue que delimita os contratos públicos dos contratos de concessão, e a insegurança jurídica por esta causada, levou a que a Comissão e o Parlamento Europeu, entendessem que era importante, até numa lógica de melhor aproveitamento dos dinheiros públicos, estabelecer regras claras relativamente à adjudicação destes contratos, garantindo desta forma o bom funcionamento dos mercados internos62.

Note-se que esta Diretiva veio não só estabelecer as regras aplicáveis em matéria pré- contratual, como também regular aspetos da própria execução do contrato, como a subcontratação, a modificação durante o período de vigência e a rescisão63.

Analisemos então o conceito de concessão para efeitos de aplicação da Diretiva, de forma a perceber se os contratos em análise podem ou não ser abrangidos pelas regras e conceitos europeus.

2.2.1 O conceito de concessão adotado pela Diretiva 2014/23/EU

O legislador europeu optou por um conceito de concessão de obras e de serviços diferente daquele que se encontra consagrado no artigo 407.º e seguintes do CCP, na medida em que prescinde do elemento “público” na sua definição, parecendo logo à partida que tratar-se de um serviço ou de uma obra pública deixa de ser requisito para aplicação da noção de concessão de obras e de serviços ao abrigo da Diretiva. Esta opção justifica-se do ponto de vista em que a intenção do legislador europeu foi criar um regime aplicável aos contratos celebrados pelas Administrações Públicas dos vários Estados-Membros, desde que tenham valor superior ao limiar previsto no artigo 8º da Diretiva. Nesta linha, tendo em conta que países que não seguem a tradição francesa dos contratos administrativos, como por exemplo

62 Cfr. Considerando (1) da Diretiva 2014/23/EU, de 26 de fevereiro de 2014. 63 Cfr. Artigo 42.º e seguintes da Diretiva 2014/23/UE.

o Reino Unido ou os países nórdicos, desconhecem o conceito de “serviço público”, bastando-se com os conceitos de “serviço de interesse geral” e “serviço de interesse

económico geral”, e tendo ainda em conta que com a progressiva liberalização dos mercados

cada vez mais, mesmo nos países de tradição francesa, o “serviço público” vai progressivamente perdendo a força que outrora assumiu, o legislador europeu preferiu a definição de um conceito mais amplo, liberto da exigência de publicidade do serviço64.

Nesta linha, para efeitos da aplicação da Diretiva, deve entender-se por «concessão de obras», nos termos da alínea a) do artigo 5.º, “um contrato, a título oneroso celebrado por

escrito, mediante o qual uma ou mais autoridades adjudicantes ou entidades adjudicantes confiam a execução de obras a um ou mais operadores económicos, cuja contrapartida consiste, quer unicamente no direito de exploração da obra que constitui objeto do contrato, quer nesse direito acompanhado de um pagamento”, e por «concessão de serviços», nos

termos da alínea b) do mesmo artigo “um contrato a título oneroso celebrado por escrito,

mediante o qual uma ou mais autoridades adjudicantes ou entidades adjudicantes confiam a prestação e a gestão de serviços distintos da execução de obras referidas na alínea a) a um ou mais operadores económicos, cuja contrapartida consiste, quer unicamente no direito de exploração dos serviços que constituem o objeto do contrato, quer nesse direito acompanhado de um pagamento” (sublinhado nosso).

A Diretiva considera ainda determinante para a qualificação de um contrato como contrato de concessão, a transferência para o concessionário de um “risco de exploração de

caráter económico”65 , ligado à oferta e à procura, que por estar exposto diretamente ao

mercado, pode sofrer perdas que não sejam “meramente nominais ou insignificantes”66, não

estando garantida a recuperação dos montantes investidos na exploração do serviço objeto da concessão.

Vejamos então se a Mobi.E e, futuramente, os Municípios são entidades ou autoridades adjudicantes para efeitos da aplicação da Diretiva.

Para este efeito, consideram-se entidades adjudicantes as previstas nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 7.º, desde que exerçam uma das atividades referidas no Anexo II da Diretiva

64 Cfr. ROBERTO CARANTA, “The changes to the public contract directives and the story they tell about how eu

law works”, in Common Market Law Review 52: 391–460, Kluwer Law International, 2015, p. 410 e ss.

65 Cfr. Considerando (19) da Diretiva. 66 Cfr. n.º 1 do artigo 5.º, in fine da Diretiva.

e que adjudiquem uma concessão para o exercício de uma dessas atividades, nos termos do n.º 1 do artigo 7.º.

Da análise destes preceitos resulta que, tanto os Municípios como a própria Mobi.E, enquanto “organismo de direito público”, são autoridades adjudicantes para efeito de aplicação da Diretiva, na medida em que estão previstas, respetivamente, nos n.os 1 e 4 do

artigo 6.º.

Entende-se que a Mobi.E é um “organismo de direito público” na medida em que se trata de uma entidade criada especificamente com o objetivo de prosseguir uma política pública, uma atividade dotada de interesse público, decorrente da necessidade de prosseguir um interesse direto em favor da comunidade, visando a realização de um bem comum67 e

dotada de personalidade jurídica. Mais ainda deve salientar-se que se trata de uma entidade cuja maioria dos titulares do órgão de administração são direta ou indiretamente designados pelo Estado, o seu único acionista. Desta forma, esta entidade é estreitamente dependente do Estado.

Verificado que está o preenchimento do requisito subjetivo previsto pela Diretiva, vejamos se se encontra igualmente preenchido o requisito objetivo.

Efetivamente, trata-se de um contrato oneroso, celebrado por escrito, mediante o qual a Mobi. E (ou os Municípios) autoriza um operador económico privado a explorar e manter os pontos de carregamento de VE's que estão na sua titularidade, tendo como contrapartida o direito de exploração desse serviço, remunerado pelo preço pago pelos CEME pela utilização dos pontos de carregamento. Logo, trata-se também de uma atividade sujeita ao risco da oferta e da procura, por isso exposta à imprevisibilidade do mercado, sob pena de eventual não recuperação dos investimentos e despesas suportadas no âmbito da exploração da atividade objeto do contrato.

Acontece, porém, que nos parece difícil sustentar que esteja em causa a confiança de um “serviço” propriamente dito. Desde logo, porque até ao momento o carregamento de VE’s é totalmente gratuito, já que foi estabelecida esta gratuitidade até ao final da rede piloto, o que leva a que inexista também até ao momento a atividade de Operação de Pontos de Carregamento tal como esta vem prevista no regime jurídico aplicável, já que, sendo este

67 Cfr. JOÃO HENRIQUES PINHEIRO, Âmbito de aplicação do Código dos Contratos Públicos e Normas Comuns

de Adjudicação, Publicações Cedipre Online – 5, disponível em

carregamento gratuito, não há qualquer valor económico associado à atividade. Como se viu

supra no n.º 2 do ponto II. B), trata-se de uma atividade remunerada pelo fee pago pelos

CEME pela utilização do ponto. Ora, não existindo qualquer relação contratual e comercial entre os CEME e os UVE, inexiste qualquer exploração do ponto, nos termos previstos.

Pelo que ficou dito, e por nos parecer difícil entender que está em causa uma verdadeira transferência ou confiança de um “serviço”, parece-nos também difícil qualificar estes contratos como “concessões de serviço” ao abrigo da Diretiva 2014/23/UE.

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