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CAÍTULO IV – A EXPERIÊNCIA DE BRANQUINHA

4.2 As relações socioeconômicas de branquinha

4.2.3 Os conflitos da experiência de Branquinha

4.2.3.2 As disputas político-ideológicas

Chegamos ao estágio de análise em que a Experiência de Branquinha, materializada pelos sujeitos sociais envolvidos no projeto econômico solidário de desenvolvimento, irá debater-se frente aos conflitos de ordem interna e externa ao empreendimento. O tipo ideal (WEBER, 9999, p. 106) elaborado e apresentado acerca das práticas solidárias da Experiência de Branquinha serão aqui comparadas e confrontadas com os conflitos e tensões sociais

116 Anotação do caderno de campo. 117 Ver nota 85.

inerentes ao cotidiano do empreendimento. Nesta sessão, serão refletidas as dinâmicas de dominação político-ideológicas que perpassam as atividades produtivas comunitárias do projeto. A associação das mulheres, nos seus valores éticos religiosos de gratuidade e reciprocidade, é constantemente pressionada pelo contexto socioeconômico que a circunda, sobretudo quando há disputas políticas acirradas, polarizando e dividindo dois grupos rivais, conhecidos como a associação dos homens, desde a origem do assentamento, e associação das mulheres, fundada posteriormente.

Quando percorríamos o assentamento para visitar as famílias, chamou-nos a atenção o prédio da associação dos homens, cujo aspecto era de um imóvel abandonado. Próximo ao local, havia um caminhão em condições precárias de conservação e um trator abandonado. Conversando com vários moradores sobre a história do assentamento, logo eles se referiam à associação dos homens como a entidade que foi criada desde a origem do assentamento, meio pelo qual eram destinados recursos do governo, como material de irrigação, trator, caminhão, dentre outros, para possibilitar as práticas agrárias das famílias da região. As fotos abaixo registram a associação dos homens, o caminhão e o trator.

Figura 20 Associação dos homens. Ao lado, o caminhão da entidade.

Fonte: Acervo do autor.

Figura 21 Trator sem condições de uso

Segundo relataram os assentados entrevistados, havia um grande problema na associação dos homens: os recursos financeiros que foram destinados pelo governo, para serem aplicados no assentamento, não foram devidamente gerenciados pelas lideranças desta entidade. O capital obtido, através do caminhão, com o transporte de produtos agrícolas do assentamento e de outros lugares vizinhos, não era destinado para a conservação do prédio da associação, nem para a manutenção do veículo utilizado. Da mesma forma, lamentaram os assentados, o trator havia sido utilizado, inúmeras vezes, através de contrato com agricultores, para lavrar a terra para o plantio, inclusive em outros assentamentos. O capital obtido com estas atividades não era convertido em benefício das famílias do assentamento.

A falta de transparência nas prestações de contas das operações realizadas pelas máquinas da associação dos homens gerou insatisfação e desconfiança dos assentados. Um dos moradores relatou a seguinte problemática: “Meu fio, aquele caminhão e o trator consiguiu muito recurso aqui pra dentro. Mais nada foi feito de milhoramento. A gente não sabe o que eles fazia do dinheiro. Era gasto lá com eles mesmo. Dá dó, ver aquele caminhão parado e aquele trator sem valer mais nada118. O problema do mau gerenciamento dos recursos financeiros pela associação dos homens vem contado através do seguinte verso de cordel:

As lavouras iam chegando e eles Logo vendendo a atravessadores, Que vinham comprar barato. Nosso suor foi levado pelas mãos De quem nunca na terra trabalhou E nem tampouco plantou, perdemos Nossos esforços, e muitas vezes Nos enganou.

Se existisse união,

Talvez não fosse assim não, Chegaram os “projetos”, dinheiro

E ficou ainda pior, empregaram em carro velho Cavalo de um olho só.

E o restinho que sobrava Erra cachaça e forro119.

E aqui que se constatou um entrave gerado pela associação dos homens, identificado, sobretudo, por interesses econômicos particulares de dominação de alguns membros do assentamento sobre os demais, ferindo assim o intuito econômico solidário, proposto desde a origem desta comunidade. É em meio a esse cenário de hostilidades entre as duas associações rivais, que os princípios solidários cristãos da partilha fraterna, gratuita e recíproca,

118 Anotação do caderno de campo. 119 Consultar folheto de cordel anexo IV.

representados pela Economia de Comunhão, irão chocar-se. Na perspectiva weberiana, trata- se de se considerar a oposição que há entre as esferas religiosa e econômica. Para o autor, não há condições de equacionar economia e religião (WEBER, 1985). Além dos valores solidários praticados no empreendimento de Branquinha, o desafio desta investigação foi de desvendar outros mecanismos dominadores, que permeiam e ameaçam a dinâmica solidária proposta pela associação das mulheres.

Em outra visita a campo, fui surpreendido por uma disputa entre lideranças das duas associações do assentamento120. Os responsáveis pelo empreendimento das mulheres reuniram-se para discutir problemas e medidas para o melhoramento da produção agroecológica. Além das líderes da associação, a reunião também contou com a participação de um grupo de representantes da Economia de Comunhão, vindos de Maceió. O ponto de partida e o elemento central que deu continuidade à fundamentação acerca do conflito entre as duas associações, foi o impacto emocional que sentimos ao presenciar um grupo de homens derrubando uma cerca colocada tempos atrás para demarcar o terreno da Igreja Católica, incluindo também a casa dos padres, atualmente a APROAGRO. As fotos abaixo mostram o conflito enfrentado pelas lideranças rivais:

Figura 22 Discussão em torno da demarcação do espaço da associação das mulheres

Fonte: Acervo do autor.

120 Não se trata aqui de aprofundar uma discussão sobre gênero, o que poderá ser realizado em aprofundamentos

posteriores, mas de relacionar as repercussões das disputas de poder entre as lideranças referidas e suas consequências nas atividades econômicas solidárias da Associação das Mulheres, cujo intuito é comercializar os produtos da terra e o artesanato local e de exercitar práticas comunitárias da gratuidade e reciprocidade, conforme os princípios da Economia de Comunhão.

Figura 23 Cerca sendo derrubada Figura 24 Negociações para permanência da cerca

Fonte: Acervo do autor. Fonte: Acervo do autor.

Para nós, ficou indubitável o enfrentamento direto entre os dois grupos rivais no assentamento. Fica demonstrado um contexto social em que coexistem práticas solidárias em meio a disputas políticas e econômicas. Eis o problema enfrentado pelo assentamento, em torno do qual concorrem e rivalizam interesses particulares dominadores. Consequentemente, o impacto maior desse impasse foi sentido pelas famílias do assentamento, que deixaram de ser beneficiadas pelos resultados financeiros que seriam obtidos através de um gerenciamento cooperativista eficaz. Em meio à tensão por nós presenciada na ocasião do conflito, destaco a fala da presidente da associação, que, ao sensibilizar-se pelo impasse, defendia a seguinte ideia:

É.... A gente tenta caminhar juntos, mas não querem. Temos é qui lutar mesmo. Isso aqui da gente não é coisa de prefeitura. Foi fruto do nosso esforço. A gente trabalha honesto! Essa associação está no terreno da igreja. Era a antiga casa dos padres. A paróquia cedeu o espaço pra gente botar a associação. Agora, vem esse povo aí e querem mandar aqui. Aqui tem muita é inveja mermo! Tudo que a gente conseguiu aqui foi com nosso esforço de luta. Muito suor! Agora que a gente melhorou, todo mundo bota os olhos grandes aqui121.

Dado o cenário adverso que se formou em torno dos moradores do assentamento, o maior entrave a ser enfrentado pela associação das mulheres, tanto do ponto de vista interno quanto externo ao empreendimento, são os mecanismos de poder e de dominação econômicos e políticos. Trata-se da ideologia do controle e das disputas econômicas que se apresentou e se impôs aos assentados, mesmo diante da proposta de se exercitar as práticas econômicas solidárias. Vale considerar o fascínio pela acumulação do capital e sua influência entre alguns indivíduos, desde a origem do assentamento, quando famílias lá instaladas começaram a se sobressair economicamente, em relação às demais. Os versos de cordel vêm explicitar a problemática das desigualdades econômicas, entre os assentados, nos seguintes termos:

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De tanto agrotóxico usado, Plantar o milho e o feijão, Não dava bom resultado. Mas a fruta deu de boa E era negócio fechado.

No início, o povo unido, todos eram unidos. Enquanto passava fome.

Mas depois meu amigo, Começando a enriquecer, Dá pra você entender? Agora era individual. E Deus de cima olhando, Como muda o capital. Eles não tinham noção Do que estavam fazendo122.

No entanto, para além das desigualdades econômicas que se evidenciaram ao longo da história do assentamento, no momento presente, percebi que havia pessoas que eram a favor e outras contra a política econômica do governo municipal. Eis um dos entraves que desafiou todo o processo de implementação do projeto de Branquinha, durante o tempo de realização desta pesquisa. É aqui que se agravou o retrato conflituoso da realidade estudada, identificado pelo domínio ideológico-político e suas influências entre os assentados. Se na perspectiva marxista, há uma ideologia do capital ligada ao domínio dos meios produtivos e da exploração do trabalho pelos capitalistas, na perspectiva do poder e da dominação segundo Foucault (1979), há também uma “microfísica do poder” a se considerar, que está ligada aos discursos dos indivíduos em interação e à disposição dos corpos e espaços por eles ocupados.

Constatamos uma microfísica do poder que perpassa e influencia as relações socioeconômicas vivenciadas pelos assentados. Do ponto de vista geográfico, a localização do espaço físico das duas associações já impõe uma proeminência de destaque da associação dos homens em relação ao outro empreendimento. O processo conflituoso de delimitação do espaço físico das duas associações denotou uma imposição de poder e suposta ascendência dos homens em relação ao empreendimento das mulheres. O prédio da associação dos homens, apesar do mau estado de conservação, obtém maior destaque na agrovila em relação ao empreendimento das mulheres. Foi construído próximo à principal via da agrovila. A foto abaixo registra a disposição do espaço físico das duas associações, destacando-se o empreendimento dos homens.

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Figura 25 Vista do prédio da associação dos homens, localizado na via de acesso principal da agrovila. Nos fundos, podem ser visualizadas parte da Igreja Católica, de cor azul, e da APROAGRO.

Fonte: Acervo do autor.

Na perspectiva foucaultinana (1982), se o espaço físico no qual os indivíduos interagem já nos pode indicar uma situação de poder e dominação, a localização da associação dos homens comunica-nos um caráter de superioridade desse empreendimento. A partir de conversas com os moradores do assentamento, interpretamos que há no imaginário das pessoas certo status em relação à primeira associação do assentamento, liderada pelos homens. Através dela, é que o assentamento conseguiu obter os primeiros recursos para o melhoramento da agricultura da região. Ressaltamos o entendimento de uma agricultora, ao fundamentar que “a associação dos homens foi a primeira aqui do assentamento. As coisas boas daqui iniciaro com eles. Só tinha ela no início! Agora tem que melhorar, pra gente melhorar também. Faz pouco tempo que a casa do doce tá aqui. Agora eles têm que trazer coisas boas prá nós aqui”123

.

Além de o espaço físico da associação dos homens comunicar um status de dominação ideológica (FOUCAULT, 1979), há, entre os assentados, uma influência político- ideológica de submissão. Observei que havia uma linguagem densamente polarizada em favor ou contra o governo municipal, aprofundando assim o contexto densamente conflituoso. Inclusive, havia uma expectativa em torno do grupo que assumiria o controle político municipal e, consequentemente, o controle da associação dos homens. Dentre os moradores por nós indagados sobre a questão, destacamos a seguinte ideia:

123 Anotação do caderno de campo.

A situação daqui é séria. Tem que tá do lado pro prefeito pra ter algum emprego. Vem gente até da capital pra trabalhar aqui. Quando um ganha, quase todo mundo fica desempregado. Não tem o que fazer. Você tem qui mostrar de que lado você está! A situação é difícil! Até essa associação aí é mandada pelo político que ganhar. Tem gente que quer trabalhar pra ganhar pouca coisa, pra não ficar sem nada124.

Da mesma forma que algumas pessoas fizeram referência às disputas político- ideológicas no assentamento e suas consequências para as associações, como a rivalidade entre ambas, outros entrevistados mantiveram-se neutros em relação a este problema. Para alguns, percebi que havia certo receio de conversar sobre questões políticas do assentamento, sobretudo, para os que tinham alguma atividade remunerada no município. Segundo interpretamos, expor a opinião política ou confrontar-se com alguma liderança ligada ao governo municipal poderia gerar danos, como, por exemplo, a perda de um emprego ou perseguição política. Registramos o relato de um jovem, quando se referiu ao embate político contra a associação das mulheres. Segundo o entrevistado:

Teve cursos aí na „casa do doce‟ para os jovens daqui. Muitos participaram. Eu não participei. Fiquei arrependido! Sabe o que aconteceu, amigo, um vereador dava dinheiro pra mim comprar cerveja e cachaça e tomar ali na cachoeira. Ele me pedia pra eu chamar os outros jovens que estavam fazendo os cursos da „cada do doce‟. Teve uns que foram... Isso era pra butar terra no trabalho que dona Ana Clara fazia aqui. Agora eu sei que tô arrependido. Muitos daqui têm medo de falar essas coisas. Depois fiz cursos lá. Foi muito bom125.

Na perspectiva da microfísica do poder (FOUCAULT, 1979), os discursos dos sujeitos sociais, ou, em situação inversa, a sua omissão, revelam um tipo de poder e de dominação ideológica. Trata-se de um tipo de ordenação que está intrinsecamente ligado aos corpos, a sua linguagem. Paradoxalmente, interpretamos que o silêncio também expressa uma linguagem. Comunica uma situação de revolta, medo e indignação, a exemplo das pessoas que se recusaram a tratar da problemática política enfrentada no assentamento, desde a sua origem e, sobretudo, no momento presente.

Vale considerar ainda que havia uma campanha política no assentamento para decidir quem seria o novo presidente da associação dos homens. Duas chapas concorreram ao cargo, sendo que uma delas estava ligada ao próximo governo municipal que foi eleito. Instaurou-se uma expectativa entre as pessoas que estavam ligadas aos candidatos, em torno de quem ganharia a disputa. Ao percorrermos a região da agrovila, onde estão localizadas as duas associações, sobretudo, deparamos com uma situação atípica: observamos que havia uma

124

Anotação do caderno de campo.

festa na casa do concorrente à presidência da associação, que estava sendo apoiado pelo futuro prefeito municipal, também em campanha para a sua eleição. A foto abaixo ilustra a ocasião da festa.

Figura 26 Reunião política seguida de almoço em frente à casa do candidato à presidência da associação dos homens

Fonte: Acervo do autor.

No momento em que estava ocorrendo a mencionada reunião política, tivemos a oportunidade de conversar com algumas lideranças da associação das mulheres. Estavam reunidas na APROAGRO para organização e limpeza do prédio. Havia um clima de insatisfação e de tensão. Para elas, o problema girava em torno de interesses políticos particulares que beneficiavam apenas algumas famílias do assentamento, através de empregos na prefeitura. Os demais assentados ficavam relegados às suas necessidades econômicas pessoais e até eram perseguidos politicamente, caso se declarassem contra os que estivessem comandando o município. Registramos a fundamentação de uma das líderes, ao relatar que “isso que está acontecendo aí do lado é muito ruim pra nós. Eles não querem o bem de todos daqui. Disso aí, alguns é que são beneficiados. A maioria não consegue nada. Pra se dar bem tem que tá do lado do prefeito”126

. Em uma das famílias visitadas no dia da referida reunião política, chamou-nos a atenção a fala de um jovem ao mencionar: “Estou trabalhando em Maceió. Mas se esse prefeito ganhar esse ano, já tenho emprego garantido. Volto pra cá, pra ficar junto da família”127

.

Outro elemento por nós constatado na pesquisa de campo e que reafirmou o denso conflito entre os empreendimentos rivais, tencionados, sobretudo, por disputas políticas,

126 Anotação do caderno de campo. 127 Anotação do caderno de campo.

foram as fofocas depreciativas em torno do empreendimento das mulheres. Ouvíamos lideranças da associação dos homens falarem o seguinte:

A nossa associação tem muitos planos bons aqui pro assentamento. Nós vamos ter condições de pagar algumas dívidas com o governo. Sabemos administrar. As mulheres dessa associação aí fizeram foi se atolar em dívidas. Coisa pra mais de 6.000 reais. Agora elas não têm como pagar! Isso é falta de administração mesmo. A gente com o novo prefeito vai melhorar muita coisa aqui dentro128.

Ao conversarmos com outras famílias do assentamento, o problema das dívidas do empreendimento das mulheres era um assunto recorrente. Motivo pelo qual decidimos investigar se existiam dívidas contraídas pelas mulheres e se eram realizadas prestações de conta. Em visita realizada a casa da tesoureira da APROAGRO, tivemos acesso aos registros do livro-caixa da associação e, consequentemente, às prestações de conta que eram realizadas mensalmente. Aí tomamos conhecimento, de fato, que havia sido contraída uma dívida que ultrapassava R$ 2.000,00. Este problema foi decorrente de multas obtidas pelo motorista do caminhão ao ultrapassar, com excesso de velocidade, barreiras de monitoramento, na cidade de Maceió.

Segundo relatou a tesoureira do empreendimento das mulheres, a associação havia contratado um motorista para o transporte dos produtos agrícolas, a serem comercializados nas feiras da região. Além das multas contraídas, outro problema provocado pelo motorista, notificou a associada, foi ter provocado uma pequena colisão em outro veículo, no momento em que estacionava o caminhão. Por se tratar de uma pessoa sem condições financeiras para arcar com as despesas, justificou a tesoureira, foi decidido que a associação arcaria com uma parte das obrigações, isentando o motorista de custear tudo sozinho. A dívida do infrator poderia ser negociada com a associação ao longo do tempo. Conforme a líder, pensou-se, inicialmente, na possibilidade de dispensar os serviços do motorista, o que feriria os princípios comunitários e solidários da Economia de Comunhão. Além do que o motorista precisava daquele trabalho para garantir o sustento da família. Então, a dispensa do motorista foi descartada pelas líderes da associação. Nos termos da tesoureira:

Quando chegaram as dívidas pra gente pagar, a gente teve muita raiva. O prejuízo ia ser grande! E as nossas contas a gente procura deixar tudo em dias. Mais a gente procurou conversar com o motorista. Negociar e perdoar parte da dívida. É um pai

128 Anotação do caderno de campo.

de família que não tem condições financeiras. Gastamos o dinheiro que tinha em caixa. A gente procurou ser solidárias, como pede a Economia de Comunhão129.

O conflito aqui representado pelas fofocas em torno da conhecida “dívida do caminhão” gerou no assentamento comentários distorcidos e até difamadores em relação à associação das mulheres, divulgando a falsa ideia da sua incompetência administrativa. Por esse motivo, segundo os comentários que circulavam entre as pessoas, o empreendimento poderia perder o direito de usufruto do caminhão, caso fossem comprovadas irregularidades administrativas. Houve necessidade, então, de adentrar no conflito e fundamentar as falácias provenientes das rivalidades entre os dois grupos do mesmo assentamento.

Para Elias e Scotson (2000, p. 121), as fofocas têm uma condição social, pois “[...] depende das normas e crenças coletivas e das relações comunitárias”. O autor assim define fofocas: “o uso comum nos inclina a tomar por "fofocas", em especial, as informações mais ou menos depreciativas sobre terceiros, transmitidas por duas ou mais pessoas umas às outras” (ELIAS E SCOTSON, 2000, p. 121). Para o autor, um dos determinantes das fofocas é o grau de competitividade que há entre grupos rivais. Os que são estigmatizados por comentários negativos, a exemplo do grupo da associação das mulheres, as possibilidades do agir solidário e comunitário ficam limitadas, em força da rivalidade aí evidenciada.

O antagonismo que se estabeleceu entre as duas associações do assentamento indica a perspectiva dialética da dádiva, isto é, a possibilidade da recusa do dom (MAUSS, 1074, p. 58), cujo objetivo maior é de consolidar vínculos de estima e de amizade entre pessoas ou