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As entrevistas e o projeto político pedagógico como discursos em análise

3.  CONSIDERAÇÕES SOBRE O MÉTODO E A ANÁLISE DE DADOS

3.3  As entrevistas e o projeto político pedagógico como discursos em análise

    Este estudo baseou‐se na análise de três tipos de discursos. O primeiro, contido no  texto do projeto político pedagógico da EMEF Padre José Pegoraro; o segundo coletado nas  narrativas resultantes das entrevistas realizadas pela pesquisadora junto a 8 educadores da  escola;  e,  o  terceiro  aquele  produzido  pelos  participantes  nas  discussões  sobre  o  PPP  que  aconteceram durante as reuniões de planejamento observadas. 

O  PPP  é  um  documento  escrito  pela  equipe  escolar  que  define  os  objetivos  e  as  diretrizes  que  orientam  a  atuação  daquela  instituição.  Legalmente,  todas  as  escolas  brasileiras  são  obrigadas  a  elaborarem  seus  projetos  junto  com  os  seus  professores  (LDB,  1996). A lei municipal no. 11.229 (1992) orienta que os conselhos escolares devem participar  de  sua  elaboração,  aprovação  e  implementação,  mas  a  LDB  (1996)  determina  apenas  a  participação  dos  profissionais  da  educação  na  sua  elaboração  e  da  comunidade  escolar  e  local nos conselhos. 

De  acordo  com  a  coordenadora  pedagógica  da  escola,  a  Secretaria  Municipal  de  Educação  de  São  Paulo  não  exige  que  PPP  seja  a  ela  enviado  ou  à  qualquer  outro  departamento  público.  Mas  seus  parâmetros  são  determinados  por  essas  instituições  e  entram  em  discussão,  muitas  vezes,  a  cada  mudança  de  gestão  municipal.  A  entrevistada  conta,  por  exemplo,  que  uma  administração  chegou  a  excluir  a  palavra  “político”  de  sua  denominação, enquanto que a gestão seguinte resgatou a nomenclatura. 

Apesar  de  não  ser  controlado  pelos  órgãos  governamentais  aos  quais  a  escola  está  subordinada,  o  PPP  é  um  documento  público,  escrito  com  o  propósito  não  só  de  ser  um  instrumento de comunicação das diretrizes da escola para seus funcionários, como também  para a comunidade e a sociedade em geral. É essa característica que determina seu gênero  discursivo.  O  PPP  faz  parte  de  uma  categoria  de  documentos  escritos  pelas  organizações  para  explicar  seus  propósitos  a  sociedade,  configurando  a  escola  pública  como  um  bem  social e seus serviços como responsabilidade do Estado. 

O enunciador de um projeto político pedagógico é a escola. Ao ler seu texto é como  se  o  leitor  tivesse  diante  de  si  as  pessoas  pertencentes  àquela  instituição  declarando  o  documento em voz alta. O PPP traz o posicionamento de um grupo – suas crenças, desejos e  intuitos de realização (Silva, 2003) – aquele que o lê atribui uma identidade ao enunciador. 

Como a abrangência das pessoas que participam de sua elaboração varia de escola a escola,  pois depende da abertura que a equipe administrativa dá à participação da comunidade e de  quanto  essa  comunidade  efetivamente  participa,  o  grupo  que  anuncia  o  PPP  pode  ser  composto pelos seus funcionários, pais, alunos e comunidade do entorno. 

O PPP da EMEF Padre José Pegoraro intercala a linguagem impessoal, caracterizada  pelos  verbos  na  3a.  pessoa  do  singular,  com  uso  de  verbos  na  3a.  pessoa  do  plural.    O  emprego  de  expressões  como:  “a  comunidade  que  atendemos”,  “também  participamos”,  “percebemos  a  necessidade”,  indica  a  existência  de  um  coletivo  de  pessoas  representado  por esse “nós”.  

Se  quem  lê  o  PPP  desconhece  como  se  deu  seu  processo  de  elaboração  e  o  documento  não  esclarece  como  o  mesmo  aconteceu,  a  definição  das  pessoas  que  fazem  parte desse grupo acaba sendo feita pelo próprio leitor. Pode ser a equipe administrativa ou  a equipe administrativa e os professores ou a equipe administrativa, os professores e os pais  dos  alunos.  A  identidade  e  a  abrangência  de  atores  dependerá  do  entendimento  e  da  opinião do coenunciador acerca do PPP e de seu desenvolvimento.  

A análise de um PPP deve ter como ponto de partida a interpretação do lugar social a  partir do qual se dá sua enunciação e sua escuta. Mesmo num texto onde a identidade de  quem fala e de quem ouve não é clara, tanto o enunciador quanto o coenunciador atuam  conforme a imagem que eles têm de quem seja o outro e do que esse outro espera. 

Ao  escrever  o  projeto,  a  equipe  da  EMEF  Padre  José  Pegoraro  partiu  de  certas  expectativas: o que se espera encontrar num PPP, o que a sociedade acredita ser o papel de  uma  escola  e  quais  objetivos  são  socialmente  aceitos  para  uma  instituição  de  ensino.  A  escrita daquele grupo foi direcionada, e até censurada, pelas imagens e expectativas que ele  tem. Portanto, o PPP não é a síntese daquilo que as pessoas acreditam e pretendem fazer,  mas sim do que elas decidem anunciar como sendo suas crenças e propósitos.  

Aquele  que  lê  e  analisa  um  PPP  também  o  faz  a  partir  de  sua  visão  sobre  aquela  escola,  sua  equipe,  seu  bairro,  o  papel  da  educação  e  sobre  o  que  é  um  PPP  e  o  que  o  mesmo deve conter. Sua escuta é condicionada pelas suas opiniões e experiências. O mesmo  acontece quando um pesquisador analisa entrevistas ou documentos. Portanto as pesquisas  também  devem  ser  consideradas  discursos,  discursos  construídos  a  partir  de  outros  discursos. 

As  entrevistas,  por  exemplo,  são  um  tipo  de  gênero  discursivo  que  costuma  ser  analisado  em  pesquisas.  Sua  cena  genérica  é  composta  por  uma  pessoa  que  faz  questionamentos e outra que a eles responde. Espera‐se que o entrevistador pouco fale e  que dê espaço para o entrevistado expressar suas opiniões.   As entrevistas, assim como outras enunciações, também são fruto das imagens que  as pessoas que dela fazem parte têm das outras com as quais dividem a cena. Essas imagens  são construídas a partir das instituições das quais pertencem os atores de uma cena.   Neste estudo de caso, as entrevistas foram feitas pela pesquisadora após frequentar  durante um ano a escola para familiarizar‐se com as pessoas e o ambiente. Ela e um grupo  de  amigas  realizavam  um  projeto  chamado  Criativos  da  Escola12 com  algumas  crianças  e  adolescentes no contraturno das aulas. Seu objetivo era desenvolver o protagonismo juvenil  e envolver os alunos na resolução de problemas de sua convivência e do ambiente escolar.  

Em  função  deste  projeto,  3  dos  8  entrevistados  tiveram  contato  frequente  com  a  pesquisadora  antes  da  realização  das  entrevistas,  em  virtude  de  terem  participado  voluntariamente do projeto.  

Um deles foi a diretora da escola, que abriu as portas da instituição para que o grupo  realizasse  sua  proposta  de  trabalho  com  os  alunos.  Outro,  a  coordenadora  pedagógica,  responsável pelos encontros de formação dos professores, e que incentivou alguns deles a  acompanhar o desenvolvimento do projeto. E, por fim, um professor que fez parte do grupo  de  10  educadores  que  participaram  dos  encontros  com  intuito  de  conhecer  e  avaliar  sua  metodologia. Ele se entusiasmou tanto com o método que decidiu, no ano seguinte, adaptá‐ lo e implementá‐lo durante suas aulas de Geografia com o 7o. ano. Isso fez com que ele se  aproximasse  da  pesquisadora,  trocando,  ocasionalmente,  com  ela  ideias  sobre  o  encaminhamento das atividades e contando com seu apoio para seu desenvolvimento. 

Dos  demais  5  entrevistados,  apenas  um  disse  ter  tido  contato  com  a  pesquisadora  antes  da  entrevista.  Ele  assistiu  uma  apresentação  que  ela  fez  sobre  o  projeto  para  aos  professores.   

As  relações  pré‐existentes  entre  a  pesquisadora  e  os  entrevistados  certamente  influenciaram a maneira com que as entrevistas aconteceram e seu conteúdo, impactando         12 Criativos da Escola é um movimento global que originou‐se na Índia com o nome de Design for  Change e hoje está presente em mais de 32 países. Procura criar espaços onde crianças e jovens  possam expressar aquilo que os incomoda em sua realidade e propor e implementar alternativas  para transformar esses cenários. O anexo 1 descreve com detalhes sua metodologia. 

diretamente os resultados da pesquisa. Se alguns dos entrevistados já se relacionavam com  a  pesquisadora  antes  das  entrevistas,  suas  falas  e  seus  comportamentos,  assim  como  as  falas  e  comportamentos  da  pesquisadora,  foram  influenciados  pelas  imagens  que  haviam  construído mutuamente uns sobre os outros.  

Mesmo  nas  situações  onde  a  entrevistadora  e  o  entrevistado  não  se  conheciam,  ambos  chegaram  ao  encontro  com  opiniões  pré‐definidas  uns  sobre  os  outros:  como  é,  como  pensa  e  como  age  um  professor  ou  um  pesquisador.  Essas  imagens  foram  sendo  reconstruídas e desconstruídas ao longo das conversas. 

O  fato  de  parte  dos  discursos  que  embasaram  o  trabalho  de  campo  terem  sido  produzidos  em  situações  de  entrevista  precisa  ser  citado  não  apenas  com  o  intuito  de  detalhar  os  procedimentos  metodológicos  adotados,  como  também  de  reforçar  que  qualquer  pesquisa  ou  método  influencia  seus  resultados.  Não  existem  instrumentos  de  investigação  neutros,  as  declarações  obtidas  a  partir  deles  devem  ser  analisadas  considerando as influências que os mesmos e o próprio ato de pesquisar exerceram sobre  elas.  

Por  fim,  o  terceiro  e  último  conjunto  de  discursos  analisados  nesta  pesquisa  foi  os  produzidos  pelos  educadores  nas  discussões  do  PPP  observadas  durante  as  3  reuniões  de  planejamento.  Destes  encontros  participaram  a  Direção  e  os  professores.  A  diretora  e  coordenadora  pedagógica  apresentaram  e  contextualizaram  o  projeto,  enquanto  os  docentes puderam comentá‐lo.  

Apesar  de  pertencerem  a  mesma  instituição,  a  escola,  e  juntos  fazerem  parte  do  coletivo de profissionais que trabalham no ensino público, perante uns aos outros, Direção e  professores fazem parte de comunidades discursivas diferentes. Os discursos pronunciados  nas  reuniões  foram  resultado  não  só  das  expectativas  e  imagens  que  as  posições  dos  enunciadores  construíram,  como  também  do  significado  que  eles  atribuíam  ao  PPP  e  do  papel  individual  que  acreditavam  ter  em  sua  construção.  Os  contextos  das  reuniões  influenciam diretamente os discursos e devem ser considerados em sua análise. 

Uma pesquisa qualitativa, dentro do paradigma interpretativista e subjetivista, e no  formato  de  estudo  de  caso  único,  valoriza  as  peculiaridades  do  objeto  e  do  contexto  estudados e a multiplicidade de fatores que o influencia. Este estudo partiu de recortes de  uma realidade complexa, direcionados por escolhas, reflexões e vivências da pesquisadora,  constituiu‐se, portanto, como todos os discursos e pesquisas, uma construção social.  

4. O ESTUDO DE CASO        Este capítulo está dividido em 2 partes. Na primeira a EMEF Padre José Pegoraro é  contextualizada através de um breve panorama do distrito no qual se situa, o Grajaú, e do  resgate de sua própria história. O objetivo é levantar elementos que ajudem a compreender  o  seu  atual  PPP  e  o  processo  de  sua  elaboração.  Na  segunda  parte  o  projeto  é  analisado  tendo  como  norteador  dois  conceitos  que  se  enquadram  respectivamente  no  âmbito  das  teorias de gestão e dos estudos de cultura organizacional: a estratégia e os valores.      4.1 O contexto social, econômico e político do Grajaú      A EMEF Padre José Pegoraro situa‐se no distrito do Grajaú, subprefeitura da Capela  do  Socorro,  periferia  da  zona  sul  da  cidade  de  São  Paulo.  Mais  de  90%  do  território  da  subprefeitura é abrangido pela Lei de Proteção aos Mananciais, por estar localizado entre as  bacias hidrográficas das represas Guarapiranga e Billings e abrigar parte da Área de Proteção  Ambiental (APA) Bororé‐Colônia (POLIS, 2008). O Grajaú fica às margens da represa Billings e  tem 95% de sua área em mananciais hídricos, estima‐se que 80% das construções existentes  no bairro sejam irregulares (Instituto Sou da Paz, 2006). 

O  processo  de  ocupação  do  Grajaú  começou  com  a  implantação,  no  período  do  império, de uma colônia alemã na região e em suas áreas vizinhas. Após a independência, o  Brasil passou a recrutar imigrantes para ocupar seu território e desenvolver a agricultura e a  manufatura.  Os  alemães  tiveram  prioridade  porque  a  esposa  de  D.  Pedro  I,  a  imperatriz  Leopoldina, havia nascido na Áustria e mantinha elos fortes com os alemães, os quais foram  os  primeiros  imigrantes  europeus  a  desembarcar  em  Santos  no  fim  de  1827  (Editorial  Deutsche Well, 2009). O grupo que se instalou no sul da cidade de São Paulo foi assentado  em terras doadas pelo imperador. 

No  início  do  século  XX,  a  Light,  empresa  de  fornecimento  de  energia  elétrica,  construiu duas barragens que deram origem às represas de Guarapiranga e Billings (Editorial  Prefeitura  de  São  Paulo).  As  oportunidades  de  lazer  decorrentes  do  surgimento  dessas