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As especulações sobre os efeitos de uma política de livre circulação no

3. O PAPEL DA POLÍCIA FEDERAL NA LIVRE CIRCULAÇÃO DE PESSOAS NO

3.1 O controle migratório exercido pela Polícia Federal no âmbito do

3.1.3 As especulações sobre os efeitos de uma política de livre circulação no

A Polícia Federal brasileira, assim como os órgãos nacionais de segurança como um todo, ainda reluta em perceber questões de segurança pública sob uma ótica

118Em pesquisa referente a aspectos complexos da região da tríplice fronteira, em Foz do Iguaçu, Roseira descreve o seguinte paradoxo: “A partir do momento em que agentes da Polícia Rodoviária Federal, Polícia Federal e Receita Federal permitem o cumprimento da agenda dos acordos comerciais do Mercosul – ou deixa de exercer suas funções de fiscalização por corrupção ou impossibilidade técnica – consentem o rompimento de obstáculos à circulação no território. Ao mesmo tempo, as tentativas de barrar toda forma de comércio ilegal e contrabando de drogas e armas constituem-se em impedimento, ou seja, em estrias à circulação”. (2006, p. 146)

social, ou seja, a partir de uma abordagem que leve em conta a imprescindibilidade de condições mínimas para uma existência digna e necessárias para a promoção de um desenvolvimento pessoal.

Pelo contrário, a visão securitária da Polícia Federal, que acaba abarcando todas as outras atividades administrativas prestadas por ela, mantém o paradigma de desenvolvimento liberal dos anos de Guerra Fria (KUHLMANN, idem, p. 231), de modo a se restringir na utilização de modelos reducionistas esquematizadores de condutas individuais consideradas contrárias à Lei.

Portanto, o funcionamento ensimesmado da Polícia Federal brasileira, que a leva a desconfiar inclusive de outros organismos policiais e judiciais, somado ao seu atávico apego à lógica da Doutrina de Segurança Nacional e às funções de repressão e encarceramento, proporcionaria uma relutância em aceitar uma agenda alternativa de segurança que não fosse aquela tradicionalmente voltada à persecução criminal e à desconfiança em relação ao estrangeiro.

Ademais, de acordo com o magistério de Mallmann, existe influência entre as assimetrias regionais na América do Sul e os diferentes reflexos causados nos países dessa região pelas crises econômicas, e também, na forma como essas soberanias percebem as consequências degradantes catapultadas por esses fatores de instabilidade (2010, p. 21).

Logo, em termos práticos, as profundas diferenças nas estruturas políticas e de proteção social entre o Brasil, em relação a países como, por exemplo, Paraguai, Bolívia e Peru, acarretariam numa disparidade de percepções e interpretações ante a fenômenos complexos ocasionados por disrupturas sócio-econômicas.

Então, usualmente por motivos de necessidades mais básicas, diante de uma eventual corrente migratória proveniente desses últimos países, haveria a tendência das autoridades securitárias brasileiras perceberem tal fenômeno como ameaça à ordem pública.

Por outro lado, para a visão da “segurança humana”, esse caso teria outra abordagem cognitiva. Sobre esse ponto, ressalta Kuhlmann, a mencionada “ordem pública” seria entendida como “normas de convivência para o uso do espaço público” para ser usufruído por todas as pessoas, indistintamente, “pressupondo a dignidade de ser igual na condição humana, e tornando-os objeto de segurança”. (idem, p. 222).

No entanto, políticas de segurança pública, no entender do criminalista Luiz Flávio Gomes, deveriam abarcar não apenas medidas repressivas justas, mas igualmente, estarem aliadas a um programa preventivo sob “os aspectos primário, secundário e terciário” (1993, p. 321). Assim, para esse autor a prevenção primária envolveria essencialmente políticas sociais, focadas no bem-estar social. Já em relação à chamada prevenção secundária, leciona que ela “é dirigida aos obstáculos ao criminoso: consistem em mais segurança, em mais policiais, em mais Justiça Criminal” (idem, ibidem).

E no que se refere ao que entende como prevenção terciária, Gomes vê que tais medidas diriam respeito “a evitar a reincidência: são medidas em que incidem sobre quem já delinquiu, visando a sua não reiteração delitiva” (idem, ibidem).

De certa forma, essa era a visão de Tarso Genro (2009), Ministro da Justiça entre os anos de 2007 a 2010, o qual, durante o período em que esteve à frente do Ministério da Justiça brasileiro, ao menos retoricamente, buscou promover um debate que transcendesse o modo tradicional de formular e executar política de segurança pública, que, nas palavras dele, era “arcaico”.

Em público, Genro defendia políticas preventivas, através de ações sociais, como instrumentos sustentadores de uma agenda de “segurança”, de modo que via como “necessário combater o crime, a marginalidade, mas, sobretudo, desenvolver políticas para cortar as raízes alimentadoras e constitutivas do delito”(idem).

Nesse ponto, convergeria com as opiniões de Craig Deare, o qual, em relação à segurança pública, traça o seguinte cenário: “En gran medida, el esfuerzo de las entidades de seguridad pública se encuentra combatiendo los efectos de problemas cuyas causas radican en esas mismas debilidades de desarollo del país” (apud KUHLMANN, idem p. 221).

Desse modo, percebe-se que as questões referentes à “segurança” envolvem uma possível mudança na descrição do fenômeno a ser compreendido e analisado, e, igualmente, comportam reflexos nas formulações e execuções das políticas governamentais. Porém, sejam nas abordagens mais progressistas de segurança pública, seja no viés mais tradicionalista, existe um denominador comum nas atividades dos órgãos securitários exercidas em um regime democrático. Pois, vigente um Estado Democrático de Direito, os agentes públicos responsáveis pela segurança

possuem a inexorável função de “garantir as liberdades e o exercício pleno dessas liberdades, somente restringindo-as de forma excepcional quando estejam afetando outras” (PLACHA SÁ, idem, p. 309).

Ou melhor, como em qualquer democracia, as liberdades fundamentais conferidas aos cidadãos seriam a premissa, e apenas casuística e excepcionalmente, poderiam os organismos securitários do Estado intervirem nessa esfera. Mas lembra Placha Sá que “isso deve ser feito de modo que a própria intervenção não constitua em si mesma um abuso e uma violação aos direitos fundamentais” (idem, ibidem).

E tendo sido cultivados na cultura organizacional da Polícia Federal os sentimentos de desconfiança e estranhamento em relação aos demais países do Mercosul, os valores de consideração, confiança e solidariedade seriam apaziguados nessa instituição. E com esse nivelamento para baixo dos sentimentos humanos (COSTA, 1993, p. 85), as percepções de riscos reais ou potenciais, ou mesmo hipotéticos, seriam obnubilados, tendendo à manutenção dessa postura institucional insulada e de enraizada aversão à integração regional.

Assim sendo, em relação a correntes migratórias sul-americanas, as percepções de perigo iminente formuladas pela Polícia Federal brasileira seriam potencializadas e superdimensionadas. Pois, através de sua ótica, “o inimigo está em todo lugar e pode apresentar-se nas situações mais imprevistas, sob qualquer aparência, têm-se que nomeá-lo e dar-lhe uma visibilidade imaginária qualquer” (idem, ibidem, p. 86).

Por fim, careceriam de embasamento fático eventual alegação de relação de causalidade entre uma facilitação da livre circulação de cidadãos estrangeiros, sejam eles provenientes do Mercosul ou não, e um consequente incremento das práticas de condutas previstas legalmente como crime.

3.2 A integração dos povos do Mercosul como instrumento de garantia de

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