• Nenhum resultado encontrado

5.  DESCRIÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 

5.1  AS PRIMEIRAS INICIATIVAS GOVERNAMENTAIS 5.1.1 As estratégias da gestão municipal 

5.1.4  As estratégias da gestão estadual 

Consideramos que os primeiros passos concretos na dimensão do estado relativos ao hospital se deram entorno da constituição de mecanismos para construção de um modelo local. Inicia-se a etapa de estabelecimento de convênios entre a Secretaria Estadual de Saúde e a Prefeitura de Camaragibe, centrando esforços no abastecimento de cuidados imediatos para os pacientes relativos à sua sobrevivência, deixando, porém, o processo de desinstitucionalização num segundo plano.

Em 2008, é estabelecido o convênio 066/08 (PERNAMBUCO, 2008a) entre estado e município, com repasse de recursos financeiros no valor de R$ 980.000,00 (novecentos e oitenta mil reais), destinados à melhoria do atendimento do hospital com a compra de medicamentos, insumos, equipamentos e alimentação para os pacientes a serem realizadas pelo município e entregues à unidade, além de contratação de profissionais para iniciar o trabalho de desinstitucionalização.

Uma das integrantes dessa equipe que desenvolveu trabalho posterior em 2010 em prol do fechamento do Hospital José Alberto Maia ao associar os dois momentos, afirma:

A equipe era mínima de cinco pessoas. Então a gente não dava conta de fazer o trabalho que está sendo feito agora. Então, na realidade, o resultado desse trabalho realizado nesse momento, tem relação sim com a equipe que foi contratada para trabalhar com esse fim (Sujeito B, representante do município).

Na nossa concepção, o enfoque da sobrevivência se deu possivelmente, dentre outros motivos, pela intensificação de denúncias que se acumulavam, como por exemplo, a de uma matéria veiculada na mídia escrita em 2008 com o título “Entregues à Própria Sorte - Contrariando reforma psiquiátrica pacientes são tratados como bichos em hospitais conveniados do Estado”. Uma matéria na qual o diretor do hospital refere que “A situação é extremamente delicada. Espero que o Governo Federal se sensibilize, pois assim os pacientes poderiam ser melhor tratados.” (VASCONCELOS, 2008).

A declaração evidencia o ponto de vista do hospital e em que balizava a explicação referente à situação dos pacientes. Até o final do processo, justificava todos os problemas alegando os baixos valores das diárias pagas pelo SUS como insuficientes para manter a assistência. Nesta perspectiva apresentou em 2009 ao

Ministério Público de Pernambuco uma carta explicitando que acumulou dívidas no montante de R$ 34.650.533,30, trinta e quatro milhões, seiscentos e cinqüenta mil e trinta centavos (HJAM, 2009b), fato este que viria a dificultar mais adiante qualquer tentativa por parte dos Governos de uma nova intervenção pela inviabilidade financeira, uma vez que esta ação implicaria em assumir o passivo do hospital.

A este respeito, o Sujeito C representante do município diz: “Chegou onde chegou não era culpa deles, era culpa do SUS, mas, a gente provou que a gente repassava o dinheiro, então foi a má administração deles que chegou a esse ponto”.

Importante registrar que o referido convênio foi alvo de críticas do controle social, tendo a Comissão de Reforma da Política de Saúde Mental do estado solicitado vista do mesmo ao Conselho Estadual de Saúde.

Objetivando intensificar a discussão sobre a situação das pessoas internadas no hospital, dentre outros motivos, o Núcleo Estadual da Luta Antimanicomial Libertando Subjetividades passou a assumir a secretaria nacional da Rede Internúcleos e realizou denúncias junto à Ouvidoria do Ministério Público Estadual.

Após vários contatos junto ao Governo do Estado para resolver a situação de violação de direitos humanos por que vem passando os pacientes do Hospital José Alberto Maia, recorremos a essa ouvidoria na tentativa de solucionar o problema e dar conhecimento das constantes irregularidades que identificamos...(NELALS/RENILA, 2008a).

A equipe contratada com recursos deste primeiro convênio juntamente com outros atores participantes da operacionalização das ações voltadas para a desinstitucionalização dos pacientes afirma em relatório:

Que este convênio embora tenha mudado a vida de 16 pacientes e provocado a mobilização dos municípios e de movimentos sociais, compreendemos que ele nesta formatação não é estruturante para a mudança da situação precária em que vivem os pacientes do HJAM. Entendemos que este tipo de modelo é apenas um paliativo. Resolve algumas questões financeiras do hospital, mas, não muda a realidade das pessoas portadoras de direitos que lá estão internadas, dado que: os óbitos continuam acontecendo em número significativo, sem, portanto, a redução do índice de mortalidade; que as questões relativas à hotelaria, alimentação e de higiene permanecem precaríssimas; que a assistência clínica prestada é de baixa qualidade, considerando o número pequeno de funcionários e demissões continuadas frente ao contingente de pacientes - 589 (CAMARAGIBE, 2009a).

Ao analisarmos os vários documentos, vamos constatando uma desresponsabilização da direção do hospital e o agravamento da situação, assim como pressões por parte do Ministério Público, movimento social, conselhos de classe e imprensa.

O Conselho Regional de Medicina de Pernambuco após vistoria ao hospital, através do ofício 001027/09 (CREMEPE, 2009) vai demandar a Secretaria Estadual de Saúde:

Neste sentido, vale salientar que cerca de um terço dos pacientes internados são oriundos do município de Recife e o restante provenientes de outros municípios do Estado, com predominância da área metropolitana e a minoria da própria cidade de Camaragibe. Esta situação já ensejou discussões nas esferas do Conselho Estadual de Saúde, Ministério Público Estadual e Federal e Ministério da Saúde, através de consultoria local, sem que providências concretas tenham sido viabilizadas no sentido de enfrentamento à triste realidade em que se encontram os pacientes ali internados. Considerando que a situação vigente no Hospital José Alberto Maia contraria todos os princípios dos direitos humanos inclusive a Lei Federal N. 10.216 de 06 de abril de 2001 que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, solicitamos a V. Exa posicionamento atual dessa instituição face à grave situação exposta (CREMEPE, 2009).

Parece ser inaugurado um momento onde se constata nos diversos âmbitos,que a complexidade do problema demandava esforços de outras esferas para além do município de Camaragibe e onde se coloca para a gestão estadual a responsabilidade da condução, trazendo ao cenário uma necessária revisão das relações intergovernamentais em jogo.

Diante do crescente agravamento da situação dos pacientes, o Ministério Público do Estado realiza recomendação conjunta com o Ministério Público Federal à Secretaria Estadual de Saúde:

Que adote as medidas necessárias para suprir o Hospital Psiquiátrico José Alberto Maia, de todos os recursos necessários ao funcionamento de um hospital, inclusive gêneros alimentícios, em caráter complementar;

Que encaminhe relatório circunstanciado a Promotoria da Justiça de Camaragibe com atribuição na Promoção e Defesa da Saúde, sobre as medidas adotadas, no prazo de 10 dias úteis a contar do recebimento desta recomendação. (PERNAMBUCO, 2008b).

Em abril de 2009 é realizado um novo convênio na mesma perspectiva do 066/08 (Pernambuco, 2008a), o 025/09 (Pernambuco, 2009b), contemplando o mesmo objeto e valor, sem no entanto primar pela contratação da equipe para apoiar o processo de desinstitucionalização.

Compreendemos que em 2008, depois de uma lacuna em termos de intervenções mais concretas, ressurge em meio a uma série de mobilizações fora do âmbito governamental uma tentativa de retomada do processo centrada na sobrevivência dos pacientes. Contudo, não havia uma posição mais clara quanto ao destino dos mesmos e do hospital.

Paradoxalmente, distanciado da meta da desinstitucionalização e do fechamento do hospital, percebemos que vão sendo criados, pela primeira vez, mecanismos específicos de financiamento por parte do estado através de convênios para o processo em questão. Desenha-se certo protagonismo do mesmo, diferentemente do momento anterior alavancado pelo Ministério da Saúde na oferta de condições e direcionamento, tendo o município agora não só como co- participante do plano de ação, mas o executor propriamente dito.