• Nenhum resultado encontrado

1   Estruturas intervalares e estruturas espectrais 57 

1.2  As estruturas espectrais 67 

Por estruturas espectrais, entendem-se, nesta pesquisa, todas as estruturas musicais que se possam relacionar com a componente espectral do som, tanto na sua vertente harmónica73 como na vertente inarmónica74, ou ainda na vertente relacionada

com o ruído. Estrutura espectral, é aqui, toda a estrutura que, de algum modo, possa estar ligada à própria natureza física do som e ao comportamento das suas componentes no tempo.

Qualquer som instrumental ou mesmo qualquer som da natureza são sons complexos, ou seja, apresentam uma forma de onda complexa, que pode ser decomposta num número teoricamente infinito de outras ondas sinusoidais, que constituem os seus componentes ou os harmónicos que contribuem para gerar a complexidade da forma de onda75. É pelas relações proporcionais entre os seus parciais

e a fundamental, pelo tipo e quantidade de parciais, pela amplitude relativa, pela variação das amplitudes relativas ao longo do tempo de emissão, etc., que podemos, em primeira instância, compreender as principais características de um determinado timbre76.

Com a evolução da música electrónica, sobretudo a partir dos anos 50 do séc. XX, e do desenvolvimento da informática musical, fomos conhecendo, cada vez mais a fundo, as características físicas dos mais diversos aspectos relacionados com o fenómeno sonoro e, ao mesmo tempo, foram-se aperfeiçoando técnicas de estúdio que, mais tarde, iriam influenciar a escrita puramente instrumental.

Mas a contribuição da música electrónica não está apenas na tecnologia que possibilitou mas também na formação de uma nova estética musical77. O novo espaço

acústico não se expressa em notas, o som tem como referencial as frequências medidas em Hz. Neste contexto, é possível abordar qualquer relação de frequências, estando, por

73 Um som de espectro harmónico possui os valores dos seus componentes múltiplos inteiros da

fundamental, aliás, de acordo com a série harmónica (Samuel Pellman, An Introduction to the Creation of

Electroacoustic Music, Wadsworth Publishing Company, Belmont, California, 1994, p. 212).

74 Num som de espectro inarmónico, os seus componentes não são múltiplos inteiros de uma determinada

fundamental. (Salmuel Pellman, ibid.)

75 John Backus, The acoustical foundations of music, W. W. Norton & Company, New York, 1969, p.108. 76 Um som sinusoidal, que pode ser produzido electronicamente, é um som puro, que não possui nenhum

parcial para além da fundamental e é, por isso, um som destimbrado, sem cor, sem qualquer componente harmónica que possa caracteriza-lo de forma particular. Num som complexo, é precisamente pelo estudo dos seus parciais que podemos distinguir um timbre de outro.

77 Pierre Schaeffer, em França, desenvolve um estudo centrado na gravação de sons do ‘mundo real’

prescindindo dos instrumentos convencionais, principalmente, através de técnicas de montagem em fita: recorte, leituras invertidas, diferentes velocidades, micro-montagens por recorte, etc. - aquilo a que mais tarde se vem a chamar ‘Música Concreta’. Por seu turno, na Alemanha, nos estúdios de Colónia, a partir de 1953, desenvolvem-se estudos mais orientados para a síntese electrónica.

68

isso, disponível toda uma gama, muito para além da que a escala temperada proporciona. É assim também para os compositores que aplicam estes princípios na música instrumental, como Grisey e Murail.

“As alturas, por conseguinte, serão medidas pela frequência (Hz), não pela escala cromática, e o contínuo de frequências será controlado pelo conceito de espectro.” (Murail, 2004: 50)

Neste domínio, pode dizer-se que as estruturas espectrais estão intimamente ligadas ao conhecimento científico do espectro de qualquer som, do seu timbre.

Conhecer o timbre implica analisar diferentes dimensões do fenómeno sonoro. Em primeira instância, um determinado timbre inclui tanto vibrações periódicas como vibrações aperiódicas, embora seja imediatamente caracterizado pelo tipo de vibração predominante. Nas vibrações periódicas, as componentes do seu espectro podem ser harmónicas ou inarmónicas, conforme os valores das frequências dos parciais sejam múltiplos inteiros de uma frequência fundamental ou não78.

Em segunda instância, na componente harmónica de um espectro, importa conhecer o seu conteúdo, quais os parciais envolvidos e as suas amplitudes relativas79,

obtendo, assim, o envelope espectral. É também importante ter a noção de que os próprios parciais ao longo do tempo, também sofrem subtis alterações nessas amplitudes relativas, conferindo ao som uma espécie de vida interior80.

Em terceiro lugar, as ressonâncias provocadas pelo corpo dos instrumentos alteram o envelope espectral (seja de um timbre harmónico ou inarmónico), pois um determinado ressoador funciona como uma espécie de filtro, que faz com que a energia se concentre com maior intensidade em determinadas bandas de frequências, amplificando uma componente do espectro e atenuando outra; estes picos de ressonância são fixos, independentemente da fundamental que é emitida - são os chamados formantes81. Na voz humana, por exemplo, as diferentes vogais são definidas através dos formantes82.

78 Samuel Pellman, An Introduction to the Creation of Electroacoustic Music, Wadsworth Publishing Company,

Belmont, California, 1994, pp. 222-223.

79 Embora as fases relativas dos parciais influenciem o detalhe de uma forma de onda complexa, é a

amplitude relativa de cada parcial que mais contribui para a definição de determinado timbre (Backus, The

acoustical foundations of music, 1969, p. 115).

80 Samuel Pellman, ibid.

81 John Backus, The acoustical foundations of music, W. W. Norton & Company, New York, 1969, pp. 118-

119.

82 A voz humana tem a capacidade de alterar o seu ‘ressoador’, de forma a produzir diferentes picos de

69

Para o reconhecimento de um timbre, há que contar ainda com o envelope83 do

próprio som no seu todo, o ataque, o decaimento, a sustentação e a fase de relaxe, até à extinção.

Nos anos 50 do séc. XX, quando se desenvolveu mais a fundo investigação electrónica, não era fácil observar a evolução do timbre no tempo. A captação das suas características já era acessível à tecnologia de então, através dos espectrogramas, mas estava confinada a determinados instantes do som, conseguindo mostrar-nos os parciais existentes e as suas amplitudes relativas, mas apenas para cada instante. Com a evolução da tecnologia e da informática, é possível, actualmente, obter sonogramas que não só nos mostram todos os parciais e as suas amplitudes relativas mas também, em simultâneo, permitem observar as alterações de amplitude de cada parcial ao longo do tempo de emissão, ou seja, o envelope de cada parcial e ainda as suas pequenas variações de frequência, a sua continuidade ou descontinuidade. Esta observação da evolução do timbre no tempo tem sido mesmo uma contribuição importante para a formação da própria estética dos compositores que, no presente, contam com o timbre como modelo para a escrita musical, influenciando-os directamente no seu processo de composição84.

O conhecimento científico da estrutura interna dos sons abre, assim, as portas a que todos estes elementos possam configurar-se também como elementos estruturantes na composição, contribuindo para a harmonia, para a estruturação do tempo e da forma, como um processo obtido a partir da evolução do material sonoro ao longo do tempo. A ligação que se pode estabelecer entre o timbre e a harmonia é uma das mais óbvias.

Deste modo, a minha investigação procura estruturas espectrais que expandem a música na vertical, mas também são observadas estruturas espectrais numa organização horizontal, seja na construção de linhas ou mesmo num contexto contrapontístico, mas, fundamentalmente, na evolução do timbre no tempo.

O termo espectral, para os músicos em geral, pode significar conceitos diferentes. A ambiguidade do termo é também uma questão que a investigação procura clarificar, na medida em que os diferentes contextos em que é aplicado podem levar a alguns mal-

como as diferentes vogais. Para a mesma frequência, a voz pode produzir diferentes vogais, só com as subtis alterações que podemos fazer ao nosso ‘ressoador’.

83 ADSR - attack, decay, sustain, release.

84 Compositores como Grisey, Murail, Saariaho, retiram, inúmeras vezes, da evolução do timbre no tempo o

modelo para a forma das suas obras, dilatando um simples som, transformando-o num processo composicional.

70

entendidos. Por vezes, aplica-se o termo espectral para definir qualquer estrutura de características harmónicas ou parte dela, onde os componentes são múltiplos inteiros de uma mesma fundamental, de acordo com a série harmónica natural. Por outro lado, de uma forma mais abrangente, uma estrutura espectral deve ser vista como uma estrutura baseada num espectro de quaisquer características, tanto harmónicas como inarmónicas, isto é, com ou sem coincidência periódica entre os seus elementos, total ou parcial. Pode ainda possuir componentes aperiódicas, com maiores ou menores bandas de frequências associadas, como num ruído. Um espectro pode, além disso, possuir características mistas, se uma parte dos seus componentes tiver coincidência periódica e a outra parte não, e podem existir ainda espectros com componentes periódicas e aperiódicas em simultâneo.

Os termos harmónico e inarmónico também podem ser aplicados, por vezes, com alguma ambiguidade; durante esta investigação, também se procura clarificar os conceitos. Um espectro harmónico é aquele cujos parciais são múltiplos inteiros de uma fundamental, existindo coincidência periódica entre eles. Um espectro inarmónico é aquele onde não existe coincidência periódica entre os seus componentes. Nas situações limite, não há margem para dúvidas, mas, em determinadas situações, pode-se encontrar alguma ambiguidade. Um espectro pode ser considerado inarmónico se as diferenças de frequências entre os seus componentes for próxima, apesar de os seus componentes não serem múltiplos inteiros da fundamental, revelando assim uma organização interna, reconhecendo-se um certo padrão de diferenças entre frequências mas é também igualmente um espectro inarmónico aquele que não tenha uma clara organização interna, isto é, onde as diferenças de frequências entre os seus elementos constituintes sejam todas distintas.

Entre um espectro harmónico e um espectro inarmónico temos toda uma gama de possibilidades intermédias que importa considerar85. É importante ter a noção de que não

existem timbres puramente harmónicos, cujos componentes são rigorosamente múltiplos inteiros do som fundamental. Mesmo um espectro que se apresenta de acordo com a série natural, nunca será puramente igual a esta; os próprios parciais têm componentes inarmónicas e as proporções entre alguns parciais e a fundamental não são as naturais86.

Assim, nalguns casos, num espectro fundamentalmente harmónico poderão ser observadas algumas qualidades inarmónicas, ou, de forma oposta, num espectro

85 Tristan Murail reflecte também sobre esta problemática em Modèles & Artifices, textes réunis par Pierre

Michel, Presses Universitaires de Strasbourg, 2004, pp. 18-24.

71

inarmónico existem sempre algumas coincidências periódicas entre os seus componentes, o que lhe poderá conferir, certamente, algum grau de harmonicidade.

É também esta gama intermédia, de alguma imprecisão, que importa explorar, conferindo à música e à sua sonoridade diferentes qualidades acústicas, podendo ligar a inarmonicidade a uma maior fricção, a uma maior tensão, algo próximo do conceito de ‘dissonância’, e a harmonicidade associar à estabilidade, a uma maior fusão, aos conceitos de relaxamento, de repouso, ou, pensando de uma forma mais comum, ligá-la ao conceito de ‘consonância’. A gama intermédia pode ser, assim, um vasto território a explorar na dicotomia entre a estabilidade e a instabilidade, assumindo-se também as transições entre ambos os conceitos como elemento definidor do discurso, que contribui para a sucessão harmónica, essencial no próprio processo de composição.

Quando pensamos na influência do pensamento tímbrico na escrita de estruturas musicais, pensamos, fundamentalmente, na criação de estruturas relacionadas com as alturas, na criação de harmonias ou de linhas baseadas num determinado campo harmónico, mas existe ainda a hipótese de explorar outra vertente presente no timbre, que está para além da sua componente periódica. Num timbre instrumental, o momento do ataque - o transiente de ataque - contém normalmente uma componente aperiódica, ou seja uma componente de ruído87. Na criação de timbres abstractos, a componente de

ruído pode ser também enriquecedora.

Mas, para além desta integração de sons aperiódicos na envolvente de timbres harmónicos, a partir da electrónica, foi natural a exploração de espectros baseados em componentes aperiódicas, pela facilidade de construir diferentes tipos de ruídos. Tornou- se, assim, mais óbvia a possibilidade de estabelecer uma relação entre o próprio som e o ruído, integrando este último como um elemento válido para a composição. Podemos encontrar a génese da sua integração nos estudos teóricos realizados por Pierre Schaeffer sobre os sons concretos e objectos sonoros, que mais tarde resultaram em importantes publicações sobre o assunto88. Os espectros maioritariamente constituídos por componentes não periódicas também têm determinadas bandas de frequências, que

87 No violino, por exemplo, o arco provoca um ruído inicial, tal como os martelos, no piano, ou o sopro, na

flauta, etc. Tomando novamente como exemplo a voz humana, podemos constatar que as consoantes são a componente aperiódica, o ruído que antecede ou precede as vogais, a componente periódica. Na voz falada, as consoantes contribuem em grande percentagem para o envelope global do som, enquanto, na voz cantada, as vogais assumem a primazia, sendo muito mais reduzido o tempo de presença das consoantes. Contudo esses momentos de ruído, as consoantes, são essenciais na definição da articulação do texto e no reconhecimento do mesmo.

88 Como resultado dos seus estudos, Schaffer publicou, entre outras, obras teóricas importantes como À la

Recherche d'une Musique Concrète (1952), Traitée des Objets Musicaux (1966) e Solfèje de l’Objet Sonore

72

os distinguem e os caracterizam. Na música instrumental, as percussões são o exemplo óbvio, mas os instrumentos ditos harmónicos também podem acentuar a sua componente aperiódica, se lhes forem aplicadas determinadas técnicas específicas89. Por exemplo,

Kaija Saariaho tem como objectivo primordial do seu discurso musical o estabelecimento de uma relação directa, a várias escalas, entre o som e o ruído, aquilo a que chama o ‘eixo som versus ruído’90, sendo recorrente o uso de técnicas instrumentais que

acentuam a componente aperiódica dos instrumentos harmónicos.

O espaço físico onde o som é produzido pode assumir também um papel relevante para a escuta, pois contribui para a definição do timbre91, alterando a sua

envolvente global conforme a reverberação proporcionada. O som sofre sempre a interacção da reverberação natural desse mesmo espaço físico; a reverberação, por vezes, é um parâmetro colocado fora da caracterização do timbre, mas experiências relativamente recentes demonstram que, se colocarmos um instrumento tradicional numa sala sem qualquer reverberação (especialmente construída para o efeito, pois qualquer sala tem sempre alguma reverberação, por mais pequena que seja), é muito difícil reconhecê-lo, mesmo pelo próprio executante. A reverberação, não sendo o factor que mais contribui para a diferenciação dos timbres, desempenha, mesmo assim, um importante papel no seu reconhecimento e, consequentemente, na sua caracterização. A simulação da reverberação na escrita instrumental pode ser também um modelo importante na composição.

Todos os elementos que contribuem para a caracterização do timbre podem ser tomados como modelos para a escrita instrumental e serem vistos como elementos importantes a integrarem as camadas espectrais, que poderão constituir uma determinada textura musical, tornando-se também estruturantes na composição.

“O espectro é tanto a grelha que permite a prática composicional como, ao mesmo tempo, é o próprio material – o modo e o tema ao mesmo tempo, para introduzir uma arriscada analogia.” (Murail, 2004: 50)

Ao tomarmos como modelo para a composição a estrutura interna de um determinado timbre, cada uma das suas componentes é, teoricamente, um som puro. Se,

89 A pressão exagerada no arco dos instrumentos de corda ou a execução dos instrumentos de sopro com

um ruído exagerado provocado, precisamente, pelo sopro, são exemplos de técnicas que ajudam a salientar a componente aperiódica existente no timbre destes instrumentos.

90 Kaija Saariaho, “Timbre et harmonie”, Le timbre, métaphore pour la composition, ed. Jean-Baptiste, IRCAM,

Paris, 1991, pp. 412-415.

73

na música electrónica, é possível aplicar o modelo com sons puros, nesse modelo aplicado à escrita instrumental, cada componente do espectro, que devia ser pura, é, só por si, um som complexo, ou seja, cada componente, estando representada por um instrumento diferente, já contém o seu próprio timbre. Mas, esta meta-construção só torna a escrita ainda mais rica e intensa, com as possibilidades de abstracção que se abrem ao nível do timbre.

“[…] as estruturas espectrais têm frequentemente um significado para além da orquestração e possuem uma certa plasticidade, porque são, elas próprias, retiradas a partir da organização interna do timbre. Ajustam-se facilmente quer a realizações a partir de sons sinusoidais – por definição, claro -, quer a partir de timbres instrumentais mais ricos, que produzem o efeito de uma multiplicação espectral. São suficientemente pertinentes e elásticas para suportarem vários tratamentos ou torções diversas, mantendo intacta a sua identidade. Permitem jogos sobre fenómenos de memorização e de reconhecimento que uma escrita combinatória geralmente não permite, por insuficiência das configurações que cria. Aqui, temos uma propriedade central das estruturas espectrais: elas podem corresponder facilmente à produção do timbre ou da harmonia sem que haja conflito ou redundância.” (Murail, 2004: 47-48)

Serão, assim, procuradas, nesta investigação, estruturas espectrais ligadas a um pensamento tímbrico, em camadas na textura com funções específicas, como, por exemplo, introduzindo uma interferência no ataque de um determinado gesto ou figura musical, alterando a envolvente sonora ou filtrando uma outra estrutura harmónica, aplicando ressonâncias artificiais, como que usando um ressoador imaginário, ou provocando reverberações ou ecos artificiais na própria escrita musical.

Por outro lado, ao incluirmos, na escrita musical, estes conceitos relacionados com o timbre e com o fenómeno sonoro no seu todo, podemos encarar as estruturas espectrais também de maneira diferente da defendida por Murail, não as tomando sempre como elementos estruturantes que determinem as alturas e a harmonia, mas podendo ligá-las a camadas da textura que se apresentem num segundo plano, integrando gestos e figuras musicais hierarquicamente secundários, mas com influência na qualidade da textura.

74

Como exemplo de estruturas espectrais, podemos observar quatro espectros defectivos92, baseados num timbre instrumental e utilizados por Grisey em Modulations.

Grisey inspira-se nas alterações que as diferentes surdinas operam no timbre de um trompete; um dos espectros é imaginário, como se o compositor inventasse uma surdina, que, de facto, não existe (exemplo 4). Os acordes de 5 notas estão, assim, todos

relacionados com a fundamental Mi1 e neste exemplo, todos os espectros são

harmónicos.

Exemplo 4 – Modulations, de Gérard Grisey: 4 espectros, baseados no som do trompete com diferentes surdinas93.

Assim, a partir do estudo do som do trompete, o compositor cria um novo timbre, através de uma ‘síntese instrumental’, atribuindo a cada componente do espectro um determinado instrumento diferente; o conceito é definido pelo próprio Grisey:

“Na síntese instrumental, é o instrumento que exprime cada componente do som e, diferentemente da síntese electrónica, estes componentes, sendo cada um deles um som complexo, constituem já por si uma micro-síntese.” (Grisey [1991], 2008: 89)

Ao longo da obra, Grisey vai transformando-os em espectros cada vez mais inarmónicos, através das alterações que lhes vai introduzindo com sons que se afastam de parciais harmónicos de Mi1.

Voltemos ainda à influência da electrónica e às técnicas que proporciona, tais como a síntese aditiva, a síntese subtractiva, a modulação em anel ou a síntese FM

92 Espectro defectivo, que pode ser visto como um espectro incompleto, ou seja, com a ausência de certos

parciais; o espectro do clarinete é um exemplo recorrente, pois contém apenas os harmónicos ímpares (Tristan Murail, Modèles & Artifices, Presses Universitaires de Strasbourg, 2004, p. 19).

75

(modulação de frequência), entre outras. Estas técnicas constituem também recursos utilizados pelos compositores ligados ao pensamento espectral, não só na música instrumental com electrónica mas também de forma puramente instrumental. No âmbito desta investigação, estas técnicas assumem também particular importância, uma vez que elas próprias proporcionam uma clara interacção entre estruturas musicais de base e um processo técnico que gera, necessariamente, uma outra camada sonora, sempre

Documentos relacionados