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Capítulo 2 – O Porto de Oitocentos

2.3. Transformação do Quadro Económico

2.3.2. As Fábricas e as Oficinas Domésticas

Magalhães (1988) apresenta a disposição das fábricas no espaço físico da cidade a partir da análise dos inquéritos industriais de 1845 e 1852. Assim, a autora aponta que enquanto na data do primeiro inquérito (1845) a maior parte delas estavam estabelecidas na freguesia de Vitória, no centro da cidade, em 1852 a freguesia com o maior número de empreendimentos era a do Bonfim. Na passagem para a segunda metade do século XIX outras localidades começaram a se destacar, nomeadamente as freguesias de Cedofeita, Massarelos e Lordelo, que “constituem um 2° anel, muito afastado em termos relativos, onde nasciam importantes focos de concentração industrial” (1988, p. 124).

Esta tendência de expansão das unidades fabris por todo o território do Porto observada por Magalhães (1988) para o fim da primeira metade do século XIX intensificou-se a partir da década de 1860. Nessa direção, observou-se um gradual abandono das freguesias centrais, com algumas exceções pontuais, como no caso da indústria de alimentação e de bens de subsistência. Em contrapartida, as freguesias do primeiro e segundo anel periférico são as que mais recebem novas unidades industriais. Assim, localidades como Bonfim e Paranhos afirmam-se como os dois principais eixos de implantação industrial. Apesar dessa dispersão, somente no último

quarto de oitocentos as zonas mais afastadas do centro conheceram algum tipo de atividade industrial, como no caso de Ramalde, Foz e Lordelo. A freguesia de Massarelos, por sua vez, tem um crescimento acentuado entre 1865 e 1880, com a instalação de algumas unidades importantes, como a Fundição de Massarelos, onde já se encontrava também a Fábrica de Louça de Massarelos (Cordeiro, 1996, p. 326).

A partir daquilo que foi mencionado no ponto anterior, destaca-se que a expansão das unidades fabris enquanto resultado da dinamização do setor industrial portuense foi um processo caracterizado pela coexistência entre fábricas modernas e unidades oficinais, estas geralmente associadas ao ambiente doméstico. Deste modo, a concentração industrial citada por Magalhães (1988) não pode ser entendida enquanto um aglomerado de grandes fábricas, mesmo em zonas como Massarelos, conhecidas por seus grandes empreendimentos.

A dinamização do setor industrial e a expansão de unidades fabris atraíram mão-de-obra oriunda de zonas do interior do país, principalmente da periferia do Porto. Este movimento migratório de camponeses para o espaço citadino produziu o operariado portuense, cujas características correspondem naturalmente às particularidades da indústria local, nomeadamente o seu caráter dualista. Taborda (2013, p. 25) sublinha que a formação da classe operária no Porto ocorreu de maneira gradual, não sendo possível verificar a formação de um movimento operário numeroso e coeso, pelos menos até o final do século XIX. Isto porque, segunda a autora, até esse momento o operariado era composto por indivíduos que diariamente se deslocavam ao Porto para o trabalho, retornando para o campo ao fim da jornada de trabalho.

Esta situação não permitia uma consciência de classe, no sentido da união de todos os trabalhadores fabris, nem poderia, já́ que o objetivo primordial da maioria era a subsistência. Com o passar do tempo foram-se fixando na urbe, junto às unidades fabris, criando uma nova dinâmica espacial e social (Taborda, 2013, p. 26).

A grande maioria dos operários fixados no Porto residiam nas Ilhas. Destes, um número significativo estava empregado em modalidades tradicionais de produção artesanal e doméstica (como a tecelagem), principalmente àqueles que trabalhavam para a indústria têxtil (Pereira, 2011, pp. 480-481). Sobre as condições de vida e trabalho dos operários portuenses de Oitocentos, Taborda (2013, p. 26) destaca que a indústria local, não sendo mecanizada, necessitava mão-de-obra abundante e barata. Afirma que as condições de trabalho nas unidades fabris eram precárias e ofereciam poucas condições de higiene e segurança. Além disso, não

existiam garantias de trabalho e legislação laboral, refletindo-se nas longas jornadas diárias de trabalho e na baixa remuneração. Para garantir a subsistência das famílias operárias era necessário que todos os membros das famílias trabalhassem, incluindo as crianças, que começavam a cumprir tarefas em fábricas desde os sete anos de idade. A autora ainda aborda brevemente a condição da mulher operária, responsáveis por cuidar da família, da casa e trabalhar. Com jornadas de até doze horas diárias em ambientes insalubres, as mulheres tinham os piores salários (entre operários adultos).

Por fim, conclui-se que o século XIX foi o momento de formação do operariado portuense, atraído para o espaço urbano em busca de trabalho e pela consequente melhoria das suas condições materiais. A realidade dos trabalhadores daquele período, no entanto, mostrou- se muito adversa. O trabalho no setor industrial no século XIX foi marcado pelas precárias condições de higiene e segurança, baixos salários, longas jornadas e instabilidade, estando aqueles que trabalhavam no sistema doméstico sujeitos a condições semelhantes.

O presente capítulo explorou parte da literatura académica sobre o Porto de Oitocentos, reunindo dados relevantes para a elaboração da componente pedagógica do Jogo Sério. Entende-se que a investigação de fontes de informação e a revisão rigorosa da bibliografia são processos fundamentais na elaboração de Jogos Sérios para o património cultural, principalmente quando se objetiva propiciar a construção de conhecimentos sobre determinado património cultural e período histórico. Assim, foram determinados três processos históricos (crescimento demográfico e transformações da cidade, ascensão da burguesia como grupo social dominante e transformação do quadro económico, com a dinamização do setor industrial), que, estando relacionados aos três percursos temáticos já existentes nos Caminhos do Romântico, podem corresponder aos pontos-chave da atividade educativa, como será abordado no capítulo seguinte. Deste modo, destaca-se que a revisão da literatura não só colabora com a reunião de dados cientificamente validados sobre o período em questão, como também contribui para estabelecer os temas secundários (pontos-chave), que por sua vez orientam o restante das etapas de planificação da atividade.