As famílias beraderas proprietárias

Moura (1979: 06) ressaltou que nos diversos “pontos” do Vale do Rio São Francisco existiam famílias produzindo livremente. Essas, não precisavam legar parte de seus ganhos para terceiros. Pois tanto se reconheciam, quanto eram reconhecidas pelos demais proprietários como donas das terras onde viviam. Partindo dessa premissa, apresentaremos alguns argumentos, capazes de evidenciar esse fato.

No final do século dezenove, a criação de gado extensiva nos estados nordestinos começou a apresentar sinais de decadência. O declínio desse modelo produtivo mantém relações com dois aspectos fundamentais: primeiro deve-se mencionar a improdutividade dos rebanhos formados pelo gado Vacum, com baixa qualidade genética. Pois nos sertões os

10_{De acordo com Carvalho (1996) a decadência acarretava o enfraquecimento do poder político dos coronéis em}

face de seus dependentes e rivais. Manutenção desse poder passava, então, a exigir a presença do Estado, que expandia sua influência na proporção em que diminuía a dos donos de terra. O coronelismo era fruto de alteração na relação entre os proprietários rurais e o governo, e significava o fortalecimento do poder do Estado antes que o predomínio do coronel. O momento histórico em que se deu essa transformação foi a Primeira República, que durou de 1889 até 1930 (CARVALHO, 1996: 02).

rebanhos se reproduziam sem nenhuma interferência humana. De maneira que, o cuidado com os animais estavam restritos a conduzi-los, nos meses de seca, para pontos com “pasto e água” abundantes (ANDRADE, 1982: 38).

No mais, pode-se mencionar a perda de competitividade da carne musculosa dos rebanhos. Visto que eles perambulavam pelas caatingas atrás das escassas ramas. Frente à qualidade da carne bovina produzida por animais selecionados, criados nas estâncias do Sul. Logo, a impossibilidade de competir no mercado interno com a carne dos Pampas, provocou a derrocada da pecuária extensiva no Nordeste.

No Submédio São Francisco, esse processo causou a redução significativa dos rebanhos. Não por acaso, as grandes propriedades de condomínio passaram por parcelamentos sucessivos. Desencadeando na microrregião a emergência de uma espécie de “reforma agrária”. A partir da qual muitos grupos domésticos compraram pequenas parcelas de terra nas margens do Rio São Francisco11 _{(GONÇALVES, 1997: 106).}

Dentre os achados deste estudo estão algumas declarações de compra de pequenos lotes produtivos nas antigas fazendas da microrregião. Logo, apresentaremos a declaração de venda de um “roçado” com área equivalente a 1.1170 m². Este pertenceu à antiga Fazenda Áreas, imóvel rural localizado no território do município antigo de Casa Nova. Destarte, há indícios, portanto, do surgimento de um movimentado mercado de terras na Microrregião. Este perdurou até meados do século vinte.

Nós, Abílio de Brito, Maria Luiza de Brito e compradores, por este instrumento particular de compra e venda escrita pelo tabelião e por nós assinado nesse povoado, aos vinte dias do mês de dezembro de mil novecentos e quarenta e seis, ajustamos e contratamos o seguinte. Nos Abílio Gil de Brito e Maria Luzia de Brito, na qualidade que somos senhores e possuidores de uma parte de roça com vinte e seis braças de comprimento por vinte de largura situada no lugar de Joás de Fazenda Áreas, segundo livro deste município de Casa Nova cuja parte houver por herança de vosso pai e sogro Fulgêncio Gil de Brito, pela importância de sessenta e seis mil e seis reis, declaramos haver vendido a aludida parte da roça ao senhor Manoel Pacífico do Nascimento, livre e desembargada de qualquer compromisso, pela quantia de trezentos cruzeiros a qual recebemos do mesmo comprador.

Evidências como estas se relacionam com os relatos da grande maioria dos entrevistados. Muitos ainda lutam para receber as indenizações referentes às terras nas quais

11 _{As sesmarias eram grandes extensões territoriais que no Submédio São Francisco deram origem a conjuntos de}

fazendas distribuídas ao longo do curso do Rio São Francisco. A fazenda das Pedras, por exemplo, possui uma área que pode ser descrita enquanto um imenso retângulo de 12 km de extensão, ou testada na beira do rio, por 7 km de base, que se estendia das margens do rio até as terras altas da caatinga, dimensões limitadas por outras fazendas com áreas variadas. Esses imóveis foram categorizados enquanto “fazendas de condomínio” (Dinâmicas de participação de pequenos produtores em projetos de desenvolvimento rural. CEDAP/CENTRO/SALVADOR/BRASIL, 1985).

viviam nas antigas localidades, submersas pelas águas do barramento. Pois apenas os imóveis daqueles que tinham títulos concedidos pela CHESF, bem como conseguissem comprovar parentesco com os antigos fazendeiros, receberam quantias pelas terras. Essas correspondiam a 13% dos vinte seis mil imóveis rurais tomadas pelas águas. Vejamos as falas de alguns entrevistados acerca deste processo:

Era assim, as terras de ilha que nós cultivava pertenciam a Marinha, nós trabalhava lá, mas sabia que era da Marinha. Agora, as terras da margem do rio eram da gente, na margem do rio já tinha a documentação toda certinha (J. A. Pequeno produtor rural de cebola aposentado, 93 anos, Brejo de Fora, entrevista realizada em: 28/07/2017).

Sim, a propriedade era do meu pai, foi herdada de meus avós quando eles faleceram, nossa roça tinha mais ou menos umas dez hectares, que ficaram pros herdeiros. Agora, só ficou agente mesmo trabalhando nessa terra, os outros irmãos de meu pai foram pra São Paulo, lá

formaro família ficaram lá mesmo (J. B. S. A. Pequeno produtor rural de cebola, 67 anos,

Brejo de Fora, entrevista realizada em: 23/08/2017).

As terras pertenciam a nossa família, muita gente da região tinha terra com documento dado pelo INCRA. Ali trabalhava a família toda, todo mundo junto. Agora a Chesf veio só deu terra para meu pai, agente para não ficar largado construímos umas casinhas na terra dele (A. N. C. Diarista, 58 anos, Sobradinho, entrevista realizada em: 11/10/2017).