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AS FONTES E AS CATEGORIAS HISTÓRICAS

CAPÍTULO 2: O CLG E OS CADERNOS

2.4 AS FONTES E AS CATEGORIAS HISTÓRICAS

Os diversos temas (escrita, fonologia, etimologia, signo, valor etc.) discutidos nas fontes saussurianas apontam ora para o passado dos estudos da linguagem ora para o futuro da Linguística. O debate em torno de um conceito pode transitar entre esses dois polos e, por meio dele, é possível notar um percurso em que há experiência e expectativa. Experiência no que tange ao conceito já estabelecido na tradição, expectativa no que diz respeito ao método de tratamento futuro desse conceito.

Nesse sentido, é possível compreender a existência de duas categorias históricas nas fontes estudadas: espaço de experiência e horizonte de expectativas12 (cf. KOSELLECK,

2006). Segundo Koselleck (2006, p. 309-310): “[a] experiência é o passado atual, aquele no qual acontecimentos foram incorporados e podem ser lembrados. Na experiência se fundem tanto a elaboração racional quanto as formas inconscientes de comportamento [...]”. O autor ainda explica que “na experiência de cada um, transmitida por gerações e instituições, sempre está contida e é conservada uma experiência alheia” (KOSELLECK, 2006, p. 309-310). O modo como cada um absorve a experiência não é exato ou preciso, pois: “[...] a experiência contém recordações errôneas, que podem ser corrigidas, [...] porque novas experiências abriram perspectivas diferentes [...] também as experiências já adquiridas podem modificar-se com o tempo” (KOSELLECK, 2006, p. 312-313). Por exemplo:

Os acontecimentos de 1933 aconteceram de uma vez por todas, mas as experiências baseadas neles podem mudar com ocorrer do tempo. As experiências se superpõem, se impregnam umas das outras. E mais: novas esperanças ou decepções retroagem, novas expectativas abrem brechas e repercutem nelas. Eis a estrutura temporal da experiência, que não pode ser reunida sem uma expectativa retroativa. (KOSELLECK, 2006, p. 312-313).

Se por um lado a experiência se refere a eventos pretéritos, por outro, a expectativa diz respeito a eventos futuros que podem ou não acontecer, mas que, no horizonte do indivíduo, existem como potencialidade, resultante de suas próprias ações, das ações dos outros e do tempo. A expectativa:

[...] é ao mesmo tempo ligada à pessoa e ao interpessoal, também a expectativa se realiza no hoje, é futuro presente, voltado para o ainda-não, para o não experimentado, para o que apenas pode ser previsto. Esperança e medo, desejo e vontade, a inquietude,

12 Essa terminologia é oriunda da obra Futuro passado - contribuição à semântica dos tempos históricos publicada

em 1979. Seu autor, Reinhart Koselleck (1923-2006), foi um historiador alemão conhecido como principal fundador da História dos conceitos. A publicação de textos sobre a história intelectual e dos conceitos fez com que seu trabalho se tornasse relevante para a História das Ideias Linguísticas.

mas também a análise racional, a visão receptiva ou a curiosidade fazem parte da expectativa e a constituem. (KOSELLECK, 2006, p. 310).

Koselleck (2006, p. 313) explica que a estrutura temporal da expectativa não pode ser adquirida sem a experiência. De modo simples, pode-se ilustrar tal concepção da seguinte forma: um indivíduo que nunca estudou física ou quaisquer ciências afins estabeleceria alguma previsão científica sobre a Teoria das Cordas? Acredita-se que não, visto que tal teoria resulta de décadas de estudos complexos referentes tanto à Teoria da Relatividade Geral quanto à Mecânica Quântica. A não compreensão desses dois assuntos inviabiliza a expectativa acerca de uma teoria deles resultante. Em outras palavras, pode-se dizer, empregando os termos de Koselleck, que o horizonte demanda espaço.

Ainda que se pudesse direcionar as questões temporais desta pesquisa exclusivamente a partir das categorias espaço de experiência e horizonte de expectativas, fez-se a opção pela terminologia empregada por Auroux (2009, p. 12): horizonte de retrospecção e horizonte de

projeção. Assim, compreende-se que:

Porque é limitado, o ato de saber possui, por definição, uma espessura temporal, um horizonte de retrospecção (AUROUX, 1987b), assim como um horizonte de projeção. O saber (as instâncias que o fazem trabalhar) não destrói seu passado como se crê erroneamente com frequência; ele o organiza, o escolhe, o esquece, o imagina ou o idealiza, do mesmo modo que antecipa seu futuro sonhando-o enquanto o constrói. (AUROUX, 2009, p. 12, grifo nosso).

Tal escolha se dá em razão da especificidade de tal teoria, no que tange à linguística, e sua aplicabilidade adequada ao contexto estudado. Esse esclarecimento é necessário em razão da já mencionada existência de uma teorização e terminologia semelhantes no âmbito da História Intelectual (KOSELLECK, 2006). Dado o recorte desta pesquisa, não se vê a necessidade de expor as diferenças ou grau de relevância entre as referidas terminologias e teorias (História intelectual e História das ideias linguísticas), principalmente porque se percebe entre ambas mais união que oposição de concepções, aspecto que permite complementaridade recíproca de tais ideias.

As duas categorias expostas por Koselleck (2006) estão em harmonia com as propostas por Auroux (2009); respectivamente: espaço de experiência e horizonte de expectativa (KOSELLECK, 2006) / horizonte de retrospecção e horizonte de projeção (AUROUX, 2009). A exposição que se faz de ambas as terminologias tem o intuito de apontar as similaridades nas duas perspectivas sobre o mesmo aspecto teórico (grosso modo, passado/futuro) como o fim de ampliar a visão relativa ao objeto estudado e reforçar a justificativa do ponto de vista adotado.

Posto isso, as categorias horizonte de retrospecção e horizonte de projeção serão tratadas no que tange às concepções de gramática evidentes nas fontes saussurianas analisadas. Com o objetivo de desenvolver uma exposição mais linear do assunto, as várias informações acerca da gramática encontradas nas fontes saussurianas serão distribuídas em partes deste texto que irão tratar dessas duas categorias.

Desse modo, a divisão dos próximos capítulos terá como fundamento as categorias propostas por Auroux (2009) em vez de dedicar um capítulo exclusivo à cada uma das fontes da pesquisa. Essa opção privilegia a fluência do texto, principalmente em razão da repetição de trechos praticamente iguais em fontes diferentes. Além disso, tal estrutura favorece a noção de percurso e movimento, relevantes aos objetivos desta pesquisa. Na denominação dos capítulos, serão adicionadas duas visões saussurianas acerca da gramática, quais sejam as divisões

tradicionais de gramática e as divisões racionais de gramática (cf. NORMAND, 2009, p. 99)

CAPÍTULO 3: O HORIZONTE DE RETROSPECÇÃO SAUSSURIANO E AS