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Schwartzman aponta que um fato que causa estranhamento é o fato do principal Estado da Federação brasileira, São Paulo, nunca ter desempenhado um papel político correspondente á sua importância econômica e demográfica. Desde o início do século XX, São Paulo foi o setor maior, mais rico, mais industrializado e moderno do país. Existe ampla evidência, no entanto, de que esse desenvolvimento social e econômico progressivo veio acompanhado de relativa debilidade política no âmbito nacional. Um indicador disso é o tamanho reduzido dos partidos políticos nacionais (UDN, PSD, PTB) no Estado de São Paulo durante o período de 1945-64. Essa situação é ainda corroborada pelo fato de que,

desde 1930, somente o frustrado Governo de Jânio Quadros ter se originado naquele Estado (Sampaio, 1982; Schwartzman, 1982).

O equilíbrio político implantado a partir da República Velha combinava, em certo sentido, o pior de dois mundos, o do liberalismo novecentista e o do patrimonialismo burocrático ineficiente e autoritário. (Schwartzman, 1982,).

Este período é geralmente considerado o período em que a oligarquia política de São Paulo dividiu com a de Minas Gerais o controle do sistema político nacional. Porém, mesmo assim, a inserção de São Paulo na política nacional foi muito menor do que seu peso econômico sugeriria.

Para Schwartzman (1982) o principal problema analítico que causava a incompreensão da ausência de correspondência entre a importância econômica de São Paulo e a sua real inserção na política nacional, residia na equivocada identificação do papel e natureza do Estado no desenvolvimento político brasileiro.

O problema que perpassa por esses tipos de análises que desprezam certos fatos importantes para a compreensão do perfil político de São Paulo, tem a ver com o modelo de representação política utilizado. O trabalho de Souza (1976) é um dos pioneiros na construção de um modelo de análise que toma o Estado como ator político que se relaciona com os partidos políticos. 26

De fato, a análise sobre o coronelismo brasileiro mostra, desde o trabalho fundador de Leal (1948), que existe na política "tradicional" brasileira uma relação simbiótica de

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Antes da publicação de trabalhos como o de Souza (1976) e Schwartzman (1982) o modelo explicativo do papel do Estado era de que, por definição, este era o representante de um determinado grupo ou classe "da sociedade".

dependência entre administração central e poder local, e que poder e dominação são geralmente impostos de cima para baixo, e raramente de baixo para cima27.

De fato, o período de 1945-64 foi uma era de competição multi-partidária e também um período de crescente participação, mobilização política e de surgimento de oposições ideológicas. Se tomarmos somente esse período, temos a nítida impressão de vermos o país evoluindo de um estágio mais "tradicional" a um mais "moderno". Porém Schwartzmam (1982) defende que ao invés deste período representar uma evolução na direção do modelo participatório que marcou a evolução européia, esse processo ocorreu no contexto da polaridade cooptação-representação, conduzindo, afinal, ao colapso do sistema representativo em 1964.

No caso de São Paulo, as formas embrionárias de representação política que existiram no Brasil tenderam a concentrar-se ali. Nunca chegaram a ser suficientemente fortes para moldar o quadro político nacional, mas foram suficientemente significativas para manter o Estado de São Paulo como uma entidade politicamente diferenciada dentro do país. Tanto os sistemas de cooptação28 quanto os de representação têm seus lados conservador e liberal, ou de direita e esquerda, e essa perspectiva quádrupla é,

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“A existência de uma estrutura estatal centralizada antes do surgimento do sistema partidário constitui, por si mesma, uma dificuldade à sua institucionalização e um estímulo à política clientelísta.”(Souza, 1976, p. 36).

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O termo "cooptação política" busca captar o processo pelo qual o Estado tratava, e ainda trata, de submeter à sua tutela formas autônomas de participação. Uma parte importante do sistema de cooptação criado a partir do regime Vargas foi o Ministério do Trabalho e o sistema previdenciário, mais tarde transformados em capital político do Partido Trabalhista Brasileiro. Era um sistema de tipo corporativo, na medida em que ligava todo um setor da sociedade ao Estado e tratava de proporcionar direitos sociais e econômicos especiais a seus participantes - aposentadoria, salário mínimo, assistência médica etc. - fora do mercado. Era também controlado de cima, e com relativamente pouca participação nas bases, mas utilizado com bastante eficácia nas disputas eleitorais no mercado político aberto para garantir a continuidade dos detentores do poder. Dessa forma, quando a cooptação predomina, a política tende a girar em torno do Estado e de sua figura central. (Souza, 1976; Schwartzman, 1982)

possivelmente, o melhor ponto de vista para o entendimento do processo político brasileiro através do tempo (Schwartzman, 1982).

Outro ponto frisado por Schwartzman (1982) é de que processos políticos devem ser entendidos em termos de sua distribuição espacial. Essa é uma observação que marca a relação da política com o território definido por processos específicos de ocupação e pela criação de grupos e interesses a eles associados.

A região representada pelo estado de São Paulo é a que representa maior diferenciação no cenário brasileiro. Desde os anos 40, São Paulo emerge como o maior estado brasileiro em população, além de ser a principal fonte de impostos do Governo central e o foco de industrialização do país. Politicamente, no entanto, São Paulo desempenhou um papel inferior a seu tamanho e peso econômico relativos e, em 1932, foi o último estado brasileiro a se levantar em armas contra o Governo central (Schwartzman, 1982).

Portanto, tomar adequadamente as regiões em consideração, significa trazer à análise política os conceitos de distribuição espacial, limites e fronteiras, diferenças de desenvolvimento histórico, redes de comunicação e difusão de informações - enfim, todo tipo de descontinuidades espaciais que possam ter alguma influência em sistemas sociais de grande porte. Mais ainda, no caso brasileiro, a análise regional põe em foco fenômenos históricos de grande importância que tendem a ficar ocultos sob a imagem corrente de uma nação não-diferenciada, globalizada, "totalizada". Este enfoque na análise política é essencial para que possamos entender o desenvolvimento político-representativo da cidade

de São Paulo. Tomar as diferenciações de desenvolvimento regionais como ponto

importante em uma análise política colabora com o trabalho de esclarecer os motivos da singularidade de São Paulo e o surgimento de lideranças políticas como Paulo Maluf.