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Após entendermos o que Frege tinha em mente quando usava a expressão idealismo, percebermos como o naturalismo do século XIX, que buscou, ora no empirismo inglês, ora em doutrinas materialistas, sua fundamentação, podia se enquadrar em tal idealismo. Agora, tentaremos esclarecer o argumento antipsicologista que Frege utiliza ao longo de sua obra, e que foi o objeto de análise na maior parte desta dissertação, através do estabelecimento de alguns pontos. Assim, o argumento fregeano contra o psicologismo, em geral, pode ser assumido da seguinte forma:

A. A apreensão de pensamentos, sentidos e outros objetos lógicos pressupõe uma atividade mental, imagens mentais, idéias, cuja existência pressupõe, por sua vez, um portador (idéias não têm existência independente; são subjetivas: seu ser é ser percebido), e não podem ser compartilhadas ou comunicadas.

B. Os conteúdos dos atos de apreensão (pensamentos, sentidos, objetos lógicos, etc.) são acessíveis a qualquer pessoa que conhece as convenções lingüísticas, e, portanto, são intersubjetivos e comunicáveis; logo são objetivos.

C. O que tem as características de intersubjetividade e comunicabilidade não pode depender, quanto a sua existência, daquilo que é subjetivo e não pode ser reduzido a ele.

∴ 1. Os conteúdos (pensamentos, sentidos, e outros objetos lógicos) são distintos dos atos mentais subjetivos pelos quais são apreendidos (existem propriedades que atos e imagens mentais não possuem), e não podem ser reduzidos a tais atos. (De: A, B, C)

∴ 2. Pensamentos, sentidos, e outros objetos lógicos, como números e valores de verdade possuem, como os objetos da realidade exterior, as características de existência e independência; são objetivos e intersubjetivos. (De: A e C)

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D. Os pensamentos, sentidos, e outros objetos lógicos não existem no espaço e no tempo (são objetivos não-efetivos).

∴ 3. Assim, [∴ 2 e D] motivam racionalmente o reconhecimento da existência de um Terceiro Reino do ―objetivo não-efetivo‖, caracterizado ontológica e principalmente pela objetividade.

Além disso, este mesmo argumento parece ser utilizado de maneiras distintas, em situações distintas, de acordo com o problema que está em jogo. A maneira que Frege expõe tal questão é, especialmente, contemplada em seus Grundlagen, e em seu artigo Der Gedanke. No primeiro, seu argumento antipsicologista parece se concentrar em relação às entidades matemáticas, enquanto que no segundo tal argumento é ampliado, e chega a contemplar outras entidades como seus Gedanken, e é justamente neste escrito que vemos o autor assumir sua noção de terceiro reino, como já colocamos outrora. Tendo isto em vista, tal argumento pode servir tanto a fim de criticar as noções empiristas acerca de suas definições das proposições aritméticas, quanto de contrapor o reducionismo da lógica às ciências psicológicas.

Assim, pensamentos ou proposições são construídos a partir de elementos objetivos, isto é, a partir de objetos de natureza abstrata, independente, e preexistente. E, portanto, pelo princípio de composicionalidade, estes pensamentos se caracterizam como entidades de natureza semelhante aos seus componentes, e, ao mesmo tempo, diferem essencialmente de processos mentais subjetivos.

Diante destes apontamentos, notamos que o psicologismo atacado por Frege se direciona, basicamente, em duas frentes, ou seja, na filosofia da matemática e na filosofia da lógica, sem deixar de mencionar outro possível campo de atuação de tal psicologismo, a saber, na filosofia da linguagem.

Acerca do papel do psicologismo diante do conhecimento filosófico, Dale Jacquette195 inicia um artigo, exatamente, através de uma tentativa de esclarecer a variedade

de tipos de psicologismo, o que há de comum entre estes, e, conseqüentemente, a que campos do conhecimento, normalmente, as objeções antipsicologistas são mais comumente lançadas

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ou relacionadas. Assim, da mesma maneira que indicamos detalhadamente cada um daqueles argumentos contra o psicologismo apoiados no pensamento fregeano, podemos sustentar que existem diversas espécies de psicologismo de acordo, principalmente, com o campo ou com a escola filosófica a que está atrelado, entre outras coisas.

[…] Assim, o ‗psicologismo‘ se encontra qualificado como ‗metafísico‘, ‗ontológico‘, ‗epistemológico‘, ‗lógico‘, ‗ético‘, ‗estético‘, ‗sociológico‘, ‗religioso‘, ‗histórico‘, ‗matemático‘, ‗pedagógico‘ e ‗lingüístico‘. […] [O] psicologismo também foi dividido em espécies de acordo com as distintas versões de psicologismo, as quais várias escolas foram acusadas de propor. Tais adjetivos incluíam ‗empirista‘, ‗apriorístico‘, ‗sensacionista‘, ‗racionalista‘, ‗crítico- teleológico‘, ‗evolucionário‘, ‗pragmatista‘ e ‗transcendental‘.196

Obviamente, nossa pesquisa se concentra mais em uns aspectos do que em outros, entre os quais foram suscitados acima, e tal fato pode ser mais bem fundamentado ao levarmos em conta o lugar que o pensamento de Mill ocupa diante das críticas fregeanas. Em Mill, encontramos razões para a utilização do argumento tanto direcionado ao empirismo, diretamente, quanto ao reducionismo da lógica à psicologia, direta e indiretamente. Percebemos a crítica ao empirismo de maneira explícita através do que o próprio Frege indica em seus Fundamentos da Aritmética, e quanto à maneira indireta da objeção ao reducionismo mencionado em relação a Stuart Mill, afirmamos isso em função do papel fundante que seu pensamento empirista desempenha em alguns naturalistas do século XIX, como sugerimos no capítulo anterior. Claramente, todo o argumento voltado à filosofia da matemática e à filosofia da lógica entra em consideração nestes contextos

No texto de Jacquette, percebemos sua preocupação em dar uma nova luz à disputa entre psicologismo e antipsicologismo, e, mais especificamente, segundo o próprio autor, de balancear um pouco tal disputa, ao tentar esclarecer que esta querela não é tão unilateral em favor do antipsicologismo quanto parece ser197. Assim, citando suas próprias

palavras: ―Defendo que todos os problemas ditos serem decorrentes do psicologismo podem estar relacionados de diferentes maneiras à desaprovação filosófica da subjetividade do

196 ―[…] Thus one finds ‗psychologism‘ qualified as ‗metaphysical‘, ‗ontological‘, ‗epistemological‘, ‗logical‘,

‗ethical‘, ‗aesthetic‘, ‗sociological‘, ‗religious‘, ‗historical‘, ‗mathematical‘, ‗pedagogical‘ and ‗linguistic‘. […] [The] psychologism was also broken down into species according to the distinctive versions of psychologism that various schools were accused of proposing. Such adjectives included ‗empiricist‘, ‗aprioristic‘, ‗sensualist‘, ‗rationalist‘, ‗critical-teleological‘, ‗evolutionary‘, ‗pragmatist‘ and ‗transcendental‘.‖ (Kusch apud Jacquette, 2003, p. 02, tradução nossa; colchetes nossos).

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pensamento enquanto fundamento para a teoria científica objetiva‖.198 De qualquer forma,

podemos antecipar que, em muitos momentos, na verdade o que vemos o autor desenvolver é uma defesa a qualquer custo do psicologismo diante das objeções lançadas por seus oponentes antipsicologistas.

Encontramos no escrito de Jacquette uma lista de oito argumentos antipsicologistas, sem a pretensão de exaurir tais questões. A cada apresentação de um dos argumentos temos como complemento uma breve análise, seguida de uma possível saída psicologista para cada objeção. Os argumentos propostos por Jacquette dizem respeito, sobretudo, ao debate entre psicologismo e antipsicologismo a partir de um específico, e talvez fundamental problema concernente à filosofia da lógica, ou seja, a redução ou subordinação da lógica à psicologia. Lembrando que este é um dos principais pontos verificados em Mill que caracteriza qualquer objeção ao suposto psicologismo em seu pensamento.