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2. A ATWIDADE DE INTELIGÊNCIA

2.1 As Funções e o Ciclo da Inteligência

A criação de serviços secretos é, como vimos, efeito da necessidade de Estados para a defesa e prevenção em tempos de guerra e de paz. Mas a intenção dos governantes desses Estados é usar tais serviços para maximizar poder. De acordo com Cepik, existem oito principais funções atribuídas aos serviços e sistemas de Inteligência, a saber:

a) contribuir para tornar o processo de decisão governamental mais realista e racional em áreas estratégicas, como política externa, defesa nacional e ordem pública;

b) propiciar a interação entre policymakers e oficiais de Inteligência, aumentando o nível de especialização dos tomadores de decisão e de suas organizações;

c) apoiar o planejamento de capacidades defensivas e o desenvolvimento e / ou a aquisição de sistemas de armas;

d) apoiar as negociações diplomáticas em diversas áreas;

e) subsidiar o planejamento militar e a elaboração de planos de guerra;

f) prevenir os líderes civis e militares contra ataques, surpresas diplomáticas e graves crises políticas internas;

g) monitorar os alvos e ambientes externos prioritários para reduzir incertezas e aumentar o conhecimento e a confiança; e

h) preservar o segredo sobre as necessidades informacionais, as fontes, fluxos, métodos e técnicas de Inteligência150.

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Vale observar que estas atribuições, mesmo aquelas mais relacionadas com a área militar (5o e 3o lugares), são em geral afetas aos civis nos regimes democráticos. Isto ocorre a partir mesmo do desenho institucional do regime, no caso em que os civis tutelam o poder militar e a área de Inteligência (serviços e sistemas) subordina-se diretamente ao governante civil. Há casos, no entanto, em que a tutela civil não é condição suficiente e necessária para a instituição de um desenho democrático do serviço de Inteligência, como demonstraremos com a análise dos indicadores relativos à Abin. E isto pode ocorrer independentemente da vinculação orgânica do serviço no organograma do aparelho de Estado, pois o CNI está subordinado ao Ministério da Defesa espanhol, mas possui um perfil democrático- institucional mais avançado face à Abin.

Como uma técnica, a atividade de Inteligência requer ferramentas e métodos para produzir conhecimentos. Estes meios são inspirados, em parte, na ciência criminal e na metodologia científica. A Inteligência não tem a pretensão de atingir o estatuto de ciência, mas ela, tal qual as ciências, também é constituída por engrenagens para apreender, descrever e explicar o real.

Não é uma atividade politicamente neutra (nem mesmo quando se reveste de uma pretensa cientificidade), mas nem por isso desdenha da imparcialidade, ética e verificabilidade inerentes aos princípios que devem reger o trabalho científico. Daí, a produção do seu conhecimento estar sistematizado por métodos e teorias das diversas áreas do saber, e obedecer às regras formais das ciências.

O trabalho de Inteligência obedece a um ciclo. O ciclo descreve a produção de conhecimento. Há várias descrições de ciclos, mas, em essência, o processo pode ser reduzido às seguintes fases e elementos:151

a) planejamento e direção;

b) coleta de dados (ostensivos ou encobertos); c) processamento;

d) produção e análise; e) difusão; e

f) resposta (feedback)

Na primeira fase, planeja-se o trabalho a partir do que se quer conhecer e dos dados disponíveis. A necessidade da operação pode ter origem exclusiva no próprio serviço ou pode ser determinada por uma autoridade superior, o chamado cliente e / ou decisor, seja de dentro ou de fora dos órgãos que compõem o sistema de Inteligência. O planejamento da operação obedece às diretrizes para a área, e muitas vezes começa com base em algum conhecimento prévio do problema. Decide-se planejar uma operação de Inteligência para prevenir ou responder a alguma ameaça real ou potencial, fora ou dentro do território de um país.

A fase de coleta de dados é das mais sensíveis, pois muitas vezes envolve a busca do dado negado, isto é, da informação encoberta. Pode ser necessário o emprego de agentes operacionais, peritos em técnicas de infiltração, recrutamento ou instalação de escutas

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Existem dezenas de exemplos de ciclos de Inteligência na literatura especializada. Nenhuma pode ser considerada completa. Para os fins de nosso trabalho, que enquadra a atividade da Inteligência civil, adotamos o ciclo referido pelo DCAF, em ... Para uma exposição maias detalhada sobre ciclo de Inteligência, ver CEPIK, op. cit., p. 32-35, e, numa exposição mais complexa e exaustiva, CANO, Oscar A. Chavarria. Inteligência Nacional. Buenos Aires: Ediciones Esnaola, 1965. Ver ainda RANSOM, Harry Howe. Informações Centralizadas e Segurança Nacional. Rio de Janeiro, 1972, p. 11-31.

telefônicas. Se o dado é disponível, temos então o que se chama de fontes abertas, e o trabalho de coleta em geral é feito pelo agente analista por meio de pesquisas na Internet, nos livros, revistas e relatórios governamentais, na imprensa e junto a especialistas.

O processamento é a fase da reunião e conversão dos dados obtidos. Sobre estes, será feita uma primeira filtragem dentro do correspondente sistema mais apropriado para processar o conhecimento, por assim dizer, bruto. Pode ser, por exemplo, a tradução de uma gravação clandestina do encontro de dois chefes de Estado considerados inimigos, ou a interpretação de mapas de terrenos onde existem edificações suspeitas de abrigar centrais de enriquecimento de urânio.

A fase da produção e análise é a mais complexa e sensível de todo o processo. Ela inclui a integração, a avaliação, a análise e a preparação do “produto” Inteligência. Integrar significa reunir de modo coerente e lógico o que foi obtido e processado. Trata-se de juntar, sobre o alvo ou tema, os elementos afins, direta e indiretamente. Por exemplo: se buscamos conhecer a psicologia de um líder político, devemos reunir não apenas imagens de seus discursos, mas analisar o seu próprio discurso, sua letra, sua relação com filhos e esposa etc. Já o passo da avaliação consiste em estimar a importância (em termos de amplitude, especificidade, profundidade e credibilidade) dos dados integrados. A análise consiste na avaliação de todo o material processado, mas de um ponto de vista crítico. Requer do agente avaliar os dados do evento, as condições de seu desdobramento, desenhar cenários etc. A análise é, em essência, um trabalho de natureza prospectiva. Todavia, também pode consistir num conjunto de informações que situam um dado acontecimento (social, econômico, político etc), em um espaço e tempo definidos. Neste caso, assemelha-se a uma típica reportagem informativa de jornal, na qual o jornalista se abstém de comentar o evento. As análises de

fenômenos complexos exigem raciocínio crítico apurado, conhecimentos prévios e articulados, além, é claro, de uma dose de intuição. Qualidades que faltaram para a comunidade de Inteligência dos Estados Unidos, cujas dezenas de milhares de analistas não previram a queda do regime comunista na antiga URSS, nem a queda do muro de Berlim, em 1989.

A difusão é a distribuição do produto Inteligência para o cliente direto e / ou indireto. O cliente direto normalmente é o chefe do Poder Executivo (Presidente da República ou Primeiro-ministro, por exemplo), e o indireto pode ser um órgão que integre o sistema de Inteligência do país, ou mesmo uma autoridade política ou governamental (parlamentar ou ministro, por exemplo). Em todos os casos, estes clientes deverão ter o que se chama “necessidade de conhecer”, e deverão manter sigilo daquilo que estiver classificado com os graus de super-secreto, secreto, confidencial e reservado – conforme a nomenclatura de graus de sigilo adotada no Brasil.

O produto final que denominamos “Inteligência” deve possuir as seguintes características: relevância; presteza; acurácia; amplitude e pureza. A relevância diz respeito às descobertas e prognósticos obtidos durante as fases, face às necessidades dos decisores e gestores políticos para pensarem e decidirem uma estratégica e / ou tática de governo. A presteza é o tempo hábil em que o processo decorre, levando em conta que muitas vezes um cliente quer respostas rápidas para ele próprio gerir uma situação de crise. A acurácia corresponde ao acerto ou exatidão da análise quanto ao que se buscou conhecer. Amplitude consiste no alcance do conhecimento obtido. Não se trata, aqui, da idéia de generalidade, mas de profundidade. A pureza da informação significa dizer que ela é fidedigna, que não está

“contaminada” por propaganda, falsos dados, teorias conspiratórias, boatos etc, fenômenos comuns no mundo da espionagem e contra-espionagem.

O material deve ser encaminhado aos clientes ou decisores políticos na forma de relatórios de Inteligência, memoriais, resumos, estudos de situação, estudos prospectivos e outros tipos de documentos. Cabe a estes o feedback desses relatórios, fechando o ciclo da produção do conhecimento.

Este é um processo ideal, que pode induzir a “expectativas exageradas sobre o tipo de racionalidade que orienta os processos decisórios governamentais e sobre o próprio papel da inteligência”.152 De fato, no mundo real da política das instituições e face ao relativo plano secundário que os operadores e formuladores da Inteligência ocupam nos países cujas demandas governamentais por informações são mais táticas que estratégicas, a atividade de Inteligência tende a funcionar como uma burocracia lenta, sistemicamente isolada (agências civis face aos demais órgãos) e orgânica e funcionalmente vulnerável / sensível às iniciativas personalistas e voluntaristas de seus quadros dirigentes.

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