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2.2. GEOGRAFIA DAS SEXUALIDADES E AS LGBT SEM TERRA

2.2.1. As Geografias do Movimento LGBT no Brasil

A Geografia tem muito a contribuir com o debate da diversidade sexual. A perspectiva geográfica é específica, isso não se pode perder de vista. A análise geográfica tem em sua contribuição mais direta na regionalização do mundo através da sexualidade. Como os Estados tratam esta questão. Neste sentido primeiro recorte geográfico passível é o ocidente e oriente. Outro recorte é o norte-sul, especialmente tratando da América Latina, que tem especificidades notórias e consideráveis em uma análise geográfica das espacialidades LGBT Sem Terra. A América Latina é vista como devassa a cultura dos trópicos, para a cultura eurocentrada tem uma identidade nacional racializada (SILVA, 2009a).

Mais um recorte necessário é o de classe, que condiciona várias realidades espaciais. Fazer este recorte parece importante para comportar a especificidade da identidade LGBT Sem Terra. Militantes da luta pela terra no Brasil, além de compor a classe trabalhadora, ainda configuram-se enquanto camponesas. O outro recorte geográfico é o rural-urbano. Neste caso diz respeito a uma identidade camponesa ressignificada histórica e politicamente na identidade da luta pela terra que tem suas especificidades suficientemente pontuadas no capítulo anterior.

Os primeiros trabalhos da Geografia que envolvia as sexualidades eram pautados na cartografia de espaços gays e lésbicos, em uma perspectiva materialista. Com o tempo, as centralidades dos trabalhos levaram a compreensão das culturas sexuais e para evidenciar a

73 exclusão e a marginalização de determinado grupos sociais, frutos da homofobia nas atividades econômicas e políticas.

A Geografia Cultural é o campo de estudos que se inserem as dinâmicas socioespaciais do movimento LGBT atualmente. Mas é possível levar este debate para outros subcampos da ciência geográfica. Os primeiros estudos trabalhavam na área da Geografia Econômica, Geografia Política. Vários estudos se debruçam sobre as dinâmicas espaciais urbanas que consideram as pessoas LGBT. E a Geografia pode também contribuir na compreensão da regionalização das políticas públicas para a população LGBT, e da cultura LGBT no mundo. Este estudo contribui para inserir este debate também na geografia agrária. A perspectiva voltada para o olhar para o indivíduo e o grupo social LGBT, suas experiências de opressão em corpos marcados pela sexualidade é uma forma de inserir o debate geográfico, haja vista que estas estão inseridas na relação espaço e tempo.

Tradicionalmente a literatura sempre se preocupou com a vivência homossexual predominantemente. E quase exclusivamente preocupando com as dinâmicas urbanas, ignorando o rural, ou colocando-o como um espaço atrasado que impossibilita as relações homossexuais. Como afirma Nogueira e Cabral (2018), a causa da falta de estudos sobre a transexualidade se dá pela exclusão das pessoas trans dos ambientes acadêmicos.

Os estudos sobre LGBT na América Latina começam a aparecer a partir dos anos 1982 (PARKER, 2002). Como afirma Parker (2002), a experiência sexual é condicionada por relações de poder. A ciência geográfica em sua tradição acabou por ignorar diversas existências espaciais. Espacialidades não-brancas, femininas e homossexuais foram desconsideradas e/ou consideradas inadequadas para a análise geográfica (RATTS, et. al. 2016). Segundo Silva (2009a) isso é fruto de uma produção hegemonicamente produzida por homens brancos heterossexuais.

A Geografia anglófona foi a primeira a se preocupar com este tipo de estudo, vinculada à perspectiva espacial de Doreen Massey. A Geografia brasileira historicamente negou a inserção das pautas identitárias. “Sendo assim, as análises incluem, simultaneamente, as relações económicas e político-culturais que, de forma complexa, associam classes, etnias, raças e sexualidades em configurações específicas no tempo e no espaço” (SILVA, 2009a p. 24). É assim que a Geografia brasileira nos anos 1990 vai adentrar ao debate da diversidade.

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Influenciadas pelas teorias pós-coloniais, pós-estruturalistas e psicanalíticas, as geografias feministas associadas às críticas das mulheres negras, de gays, de lésbicas ao perfil universal e elitizado dos movimentos sociais e aprofundaram seu caráter plural, ao abordarem desde as microgeografias do corpo até as relações transnacionais, em variadas perspectivas de análise, abrindo caminho para os estudos das sexualidades a partir da teoria queer, das políticas económicas e ambientais, baseadas nas críticas ao modelo de globalização instituído (SILVA, 2009a, p. 43).

No Brasil as discussões que estão relacionadas à diversidade sexual vão ser inauguradas com a tradução do campo das feminists geography e da queer geography. Traduzidas para o português, as Geografias feministas e das sexualidades tem influencias teórico-metodológicas pós-estruturalistas. A Geografia das sexualidades é uma dissidência das Geografias feministas construcionistas que até então dominava os espaços acadêmicos da União Geográfica Internacional (UGI) (SILVA, 2009a).

A Geografia das sexualidades no campo em que vamos nos debruçar para entender nosso objeto está em constante (re) construção, e no Brasil é a proposta metodológica mais prática de infiltrar geograficamente no debate da diversidade sexual. A Geografia das sexualidades, como sua própria fundação anuncia, é retroalimentada pela teoria queer de Judith Butler. “A teoria queer, portanto, além de sua importância capital em reconhecer a formação de comunidades e culturas sexuais, é um espaço teórico no qual se pode evidenciar a exclusão e a marginalização de determinados grupos sociais nas atividades econômicas e políticas, frutos da homofobia” (SILVA, 2009a, p. 44).

A Geografia das sexualidades se pauta na espacialização da desconstrução da linearidade sexo/gênero/desejo. A geografia das sexualidades abrange os desejos, as identidades e as condutas sexuais que são estabelecidas no processo de regulação social cotidiana, e, sendo assim, a sexualidade é vivida temporal e espacialmente de diferentes formas. (SILVA, 2009b) As produções das geografias queer de tradição anglófona, e das sexualidades no Brasil tradicionalmente produziu sobre as corporalidades gays e lésbicas. Depois com as corporalidades trans. Não se preocuparam com as dinâmicas socioespaciais do movimento político LGBT em si. A proposta teórico-metodológica da Geografia das sexualidades inclui alguns cuidados. Estes cuidados se referem às noções de posicionalidade e reflexibilidade do pesquisador. A posicionalidade do pesquisador se refere à de que posição geográfica, social, política está seu

75 olhar. É preciso ter a consciência de que toda pesquisa é posicionada. Este é fundamental para mostrar um dado político da pesquisa.

O saber produzido sobre uma dada realidade reúne as motivações das pessoas envolvidas, que se expressam a partir delas, gerando, portanto, uma versão sempre parcial. Os efeitos produzidos desse encontro de motivações expressas, por sua vez, realimentam a própria realidade estudada, num fluxo contínuo (SILVA, 2009b, p. 103).

Ou seja, para se debruçar em estudos que estejam ligados epistemologicamente a geografia das sexualidades é preciso considerar a posição do pesquisador bem como a parcialidade intrínseca da racionalidade humana em relação a pesquisas envolvendo processos sociais.

A reflexibilidade se apresenta a partir da noção de posicionalidade. A reflexibilidade incorpora a necessidade da postura reflexiva da pessoa que pesquisa em relação aos seus resultados, já que as relações de poder inerentes ao processo investigativo implicam a produção de hierarquias. As versões da realidade produzidas por nós, pesquisadores, têm maior poder de fazer valer suas ideias frente aos demais saberes sociais (SILVA, 2009b).

O campo da Geografia das sexualidades no Brasil inicialmente se preocupou em estudar as culturas sexuais e evidenciar a exclusão e a marginalização de determinados grupos sociais, frutos das ações violentas do patriarcado nas atividades econômicas e políticas. Assim, os pesquisadores identificados com a noção de diversidade sexual passaram a compreender o gênero como um processo de construção/desconstrução em contextos espaciais e temporais diferenciados e marcados por relações de poder. (ROSSI, CHIMIN JUNIOR, 2009) Este caminho que seguiremos, pois as motivações do movimento LGBT estão diretamente ligadas com o debate da diversidade sexual.

Há uma gama de estudos na área da Geografia das sexualidades, entretanto ainda é notável uma hegemonia gay. Vale salientar aqui também que há uma hegemonia urbana nos estudos publicados. Tentaremos então aqui contribuir com uma análise voltada para as espacialidades das pessoas LGBT Sem Terra que se organizam nos movimentos socioterritoriais do campo ligados a Via Campesina no Brasil. Uma perspectiva inédita para a ciência geográfica.

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