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As ideologias e a relação entre ideias e ações

3.2. As ideologias na administração

3.2.1. As ideologias e a relação entre ideias e ações

Segundo Bendix, sua abordagem ao estudo das ideologias na administração foi incitada por seu desejo de entender melhor a inter-relação entre ideias e ações. Segundo ele, as ideologias gerenciais são uma oportunidade de examinar essas inter-relações sob condições nas quais elas são mais ou menos aparentes, e não uma questão de inferência. Para Bendix (1957), esse tipo de análise deve lidar com aquelas ideias explicitamente formuladas que são o mais perto possível de uma experiência coletiva de empregadores e trabalhadores. Esse “filosofar social” do e para o homem comum, como participante, ocorre em um patamar situado entre suas atitudes de indivíduo e as sofisticadas formulações do teórico social (BENDIX, 1963).

No entanto, Bendix explica que a análise séria de documentos desse tipo esbarra na tendência de descartá-los como sendo obviamente enviesados e que, portanto, não mereceriam consideração por si próprios. Bendix (1957) afirma que Marx, Durkheim, Freud e Pareto buscavam um princípio ou força subjacente capaz de explicar as crenças manifestas e ações que constituiriam o registro externo do comportamento ou ação individual. De acordo com essa lógica, as ideologias da administração eram dispensadas porque apenas expressariam interesses de classe, porque disfarçariam verdadeiras práticas exploratórias, ou porque toda essa conversa não diria nada sobre o comportamento dos homens ou sua estrutura de personalidade.

Essas objeções têm em comum uma preocupação intelectual com forças encobertas que poderiam explicar o conteúdo manifesto do mundo social. Muitos autores dessa geração estavam menos interessados no que um homem dizia, do que em por que ele o dizia. Esse é o caso também de muitos estudos sobre a ideologia da responsabilidade corporativa, preocupados apenas em provar que tais iniciativas seriam um conjunto de ações autointeressadas das empresas, em busca de lucro. Esses estudos acabam não dando a merecida atenção ao fato de que a forma de expressar o autointeresse das empresas mudou radicalmente em função da institucionalização da responsabilidade corporativa. Ver na responsabilidade corporativa apenas uma renovação do autointeresse das empresas é ver muito pouco do que ela representa para na relação entre empresas e sociedade.

Um estudo de ideologias da administração, por outro lado, não está preocupado com as origens do espírito capitalista, mas sim com as armas ideológicas empregadas na luta pela ou contra a industrialização. E quando ideologias são formuladas para defender um conjunto de interesses econômicos, é

mais esclarecedor examinar a estratégia de argumentação do que insistir em que o argumento é autointeressado. Os argumentos em serviço próprio dos grupos dominantes podem não parecer um campo de estudos promissor, no entanto, Bendix acredita que essas ideias desenvolvidas pela minoria e pela maioria podem ser consideradas um sintoma das relações de classe em mudança, ou seja, indícios para a compreensão das sociedades industriais.

Bendix, portanto, propõe analisar detalhadamente as evidências observáveis dos fenômenos do mundo social em seus próprios termos. Segundo o autor, é nesse nível fenomenológico que ocorre a experiência humana, e o estudo das ideologias da gestão ilustra que ele também pode ser uma abordagem para o entendimento da estrutura social. As interpretações gerenciais dadas para a relação de autoridade nos empreendimentos econômicos, juntamente com a concepção contrastante dos trabalhadores acerca de sua posição enquanto grupo na sociedade industrial emergente, constituem uma imagem conjunta das relações de classe, imagem esta que mudou com tempo e que difere de um país para outro. Esse aspecto da estrutura social em mutação pode ser estudado pelo exame de cada posição ideológica em termos de seus corolários lógicos, relacionados à autoridade dos empregadores e, em sentido mais amplo, à posição de classe de empregadores e empregados na sociedade.

As atitudes individuais não se transformam na opinião pública de um grupo por simples processo de adição, e as ideologias não são atitudes do tipo que podem ser levantadas em um estudo de questionários. Na visão de Bendix (1963), a ideologia é um processo constante de formulação e reformulação por meio do qual os porta-vozes que se identificam com um grupo social buscam articular o que eles sentem ser seus entendimentos comuns. Assim, um estudo de ideologias lida com essas formulações e reformulações e, consequentemente, com as atitudes que se provaram fortes o suficiente para ganhar adeptos. Bendix dá a essas articulações o nome de “ideologias” no sentido específico de ideias consideradas no contexto de ação de grupo. Segundo ele, todas as ideias podem ser analisadas desse ponto de vista - e assim Bendix foge da identificação de ideologia com ideias falsas ou enganosas, “acusação” bastante comum no caso da ideologia da responsabilidade corporativa.

Em outro nível de análise, afirma Bendix, tais ideologias são, em parte, racionalizações oportunas e convenientes para os problemas que confrontam o

empreendedor, ou para o que é considerado o interesse material de um grupo; e, em parte, resultado de padrões de resposta historicamente cumulativos que existem entre grupos sociais. Ou seja, as ideologias são formuladas por meio de uma interação constante entre contingências atuais e heranças históricas – ideologias são racionalizações limitadas pelos legados históricos que fazem parte da estrutura social de um país. Assim, as ideologias podem ser explicadas somente parcialmente como racionalizações autointeressadas: elas são também resultado do legado de instituições e ideias “adotadas” por cada geração. Assim, podemos dizer que a emergência de uma ideologia é um tipo de processo institucionalizante com características típicas do pilar cognitivo, que enfatiza a importância das interpretações subjetivas das ações, ou seja, os símbolos e significados, a dimensão subjetiva da realidade social.

Ademais, as ideologias afetam e refletem a ação sem necessariamente envolver convicção pessoal dos atores ou seus porta-vozes. A maioria dos empregadores e administradores se engaja nesse ataque e defesa ideológico quase como algo natural. Eles estão imbuídos daquelas ideias em voga entre seus companheiros, apesar de não necessariamente empregarem seu interesse nelas. Dito isso, Bendix ressalta que a força de uma ideologia gerencial não depende da eloquência de porta-vozes articulados, mas sim da facilidade com a qual os problemas práticos podem ser expressos pelos próprios empregadores e administradores em termos dos “argumentos” que a tradição e a notoriedade contínua trazem à mente. Ou seja, a força e popularidade de tais ideologias dependem do quanto são adequadas à experiência de empregadores e administradores, assim como das “ondas” de costumes e modas presentes entre eles (BENDIX, 1963), com base em sua legitimidade cognitivo-cultural.

Ideologias são as opiniões que certos grupos de homens mantêm “em exibição pública” (“on public display”). A ambiguidade das ideologias – o fato de afetarem e refletirem a ação – e a falta de envolvimento pessoal dos atores muitas vezes dão a cunha de abertura para novas ideias, ou ao menos para novas ênfases. Assim, é difícil identificar novas tendências das ideologias gerenciais, pois os “novos” e “velhos” temas muitas vezes se misturam como se fossem um, a mesma coisa (BENDIX, 1963). Além disso, há bastante espaço e liberdade para diversidade ideológica, mesmo que o caráter ambíguo e não-comprometido das ideologias

gerenciais facilite a concordância superficial dentre os “membros” da classe social dominante (BENDIX, 1963).

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