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As influências das concepções de pobreza das organizações

CAPÍTULO I CONTEXTUALIZAÇÃO CONCEITUAL: CAPITALISMO E

1.3 As influências das concepções de pobreza das organizações

O modelo de política social neoliberal choca-se com a natureza ideológica socialista de transformação social, principalmente na natureza do Estado, não mais regulador e organizador, restrito à indução e à coordenação junto a órgãos privados para promover a justiça social. Não obstante a essa contradição, o modelo de política social incorporado nos governos do Brasil e do Uruguai é um instrumento de regulação do consumo. A política pública, à mercê do mercado, consiste na incoerência programática e “desloca a disputa entre capital e trabalho, para o âmbito interno da classe trabalhadora” (DRUCK e FILGUEIRAS, 2006, p. 27).

21 META 1: Reducir a la mitad la pobreza extrema y el hambre; META 2: Lograr la enseñanza primaria

universal; META 3: Promover la igualdad entre los sexos; META 4: Reducir la mortalidad infantil; META 5: Reducir la mortalidad materna; META 6: Detener la propagación del VIH/SIDA y el paludismo; META 7: Garantizar la sostenibilidad del medio ambiente; META 8: Fomentar una asociación mundial para el desarrollo, con metas para la asistencia, el comercio y el alivio de la carga de la deuda. Fuente: El Grupo del Banco Mundial, http://www.developmentgoals.org. Acesso em: 2 jul, 2007.

As abordagens individualizantes da pobreza, relacionados aos vínculos de pertencimento de raça, gênero e outras especificidades, que substituem a pobreza pela exclusão social, cujo conteúdo vincula-se à experiência individual ou atributos naturais e a aspectos culturais, muito mais antropológicos e sociológicos do que econômicos, deslocam a luta de classes para o conflito distributivo interno da classe trabalhadora que se opõe entre os seus vários estratos. Segundo Druck e Filgueiras (2006, p. 27),

Assalariados com rendimentos mais elevados versus mais reduzidos, trabalhadores qualificados versus não-qualificados, trabalhadores formais versus informais, participantes versus não-participantes da seguridade social, trabalhadores do setor público versus do setor privado, etc. todas elas clivagens reais ou imaginárias, acentuadas e criadas pelo capital e sua política, que fragmentam e açulam a disputa entre os seus diversos segmentos).

A pobreza, resultado da falta de esforço individual e relacional e o direito associado ao dever, na concepção de ordenamento jurídico do social, expressos nas condicionalidades dos programas de transferência de renda, perdem seus componentes materialistas históricos e fortalecem a hegemonia ideológica neoliberal, resultando em políticas sociais de cunho liberal.

La participación de los protagonistas en los Planes de Emergencia Social previstos así como su control forma parte de las contraprestaciones en su sentido esencial. Los protagonistas do PANES e las Políticas Sociales son titulares de un derecho por cuyo cumplimiento vela o Estado e como todo derecho entraña obligaciones que se enmarcan en o capítulo de las llamadas contraprestaciones (VÁZQUEZ, 2004 apud Ministerio de Desarrollo Social. Emergencia Social (PANES) y Políticas sociales, 2005).

O combate à pobreza, no Brasil e no Uruguai, está relacionado ao desafio da capacidade das esquerdas em gerenciar a transição do Estado burguês para outra forma de Estado, ao menos pela perspectiva dos princípios socialistas, que provoque a ruptura do atual modelo econômico. No entanto, o que se construiu até hoje tende a reproduzir, o distanciamento da concepção de pobreza como causa e efeito do atual modelo de acumulação capitalista, seguindo os preceitos neoliberais.

A fome, a miséria, a pobreza ou a “exclusão social” dos mais modernos são necessárias para justificar milhões de dólares em repasses internacionais, para o marketing político, que tem demonstrado sua utilidade como referência pragmática de sustentação desses governos. O maior problema reside nos métodos de superação da pobreza que orientam as políticas públicas.

Uma política social de natureza mercantil que concebe a redução da pobreza como “um bom negócio” e que transforma o cidadão portador de direitos e deveres sociais em consumidor tutelado, através da transferência de renda, e cuja eligibilidade como participantes desse programa subordina- se a critérios técnicos definidos ad hoc a depender do governo de plantão e do tamanho do ajuste fiscal - numa operação ideológica de despolitização do conflito distributivo (DRUCK e FILGUEIRAS, 2006, p. 27).

Liberais e marxistas discutem a extinção do Estado, o que poderia justificar a forma de intervenção pública “indutora” adotadas pelos governos de esquerda. A divergência, portanto, está no encaminhamento desta não-intervenção estatal com relação à pobreza. Os liberais querem forçar os pobres à competitividade e à livre concorrência do mercado; os socialistas deveriam propor a coletivização dos meios de produção e a distribuição igualitária da riqueza, que jamais será promovida pelo mercado e sim por outra matriz econômica. A incoerência programática, portanto, das atuais concepções de pobreza, que orientam as políticas públicas de transferência de renda e focalizadas praticadas pelo governo do PT no Brasil e da Frente Amplia no Uruguai, é evidenciada no afastamento da sua relação com a produção.

A natureza e o conteúdo desse tipo de política social só podem ser desvendados, em sua plenitude, quando devidamente articulados ao modelo econômico vigente, em particular à sua política econômica e aos seus impactos sociais. Isto significa dizer que, para além dos seus efeitos (reais) amenizadores da miséria e do sofrimento dos mais pobres, considerar essa política apenas em si mesma, fora dessa articulação, implica necessariamente, “reificá-la, tendo como resultado final a despolitização do debate sobre a questão social e a legitimação da estratégia política liberal” (DRUCK e FILGUEIRAS, 2006, p. 27).

A manutenção do mesmo modelo econômico, pelos governos do Brasil e do Uruguai, a reprodução de mecanismos neoliberais na macroeconomia e conseqüentemente da mesma concepção de políticas sociais, pode ser justificada pela permanência do mesmo “bloco de poder dominante”, sob os escombros do Modelo de Substituição de Importação (MSI). A partir do início dos anos 1990, esse bloco, por manter sua hegemonia, redireciona-se a política econômica, com destaque à especulação em detrimento de políticas de geração de trabalho e de renda (DRUCK e FILGUEIRAS, 2006, p. 27).

A evidente adesão desses governos à ordem do capital financeiro internacional, justificada pela volatilidade e flexibilidade como valores, orientam as ações do Estado. Neste contexto, “combinam-se perfeitamente a flexibilização e precarização do trabalho e as políticas focalizadas e flexíveis de combate à pobreza” (DRUCK e FILGUEIRAS, 2006, p. 27).

A vinculação das instituições políticas ao social, a sua regulação, portanto, assumida pelo Estado voltado para o público e para a coletivização, a distribuição de renda não mais substituída pela “redistribuição da pobreza entre os próprios trabalhadores” (DRUCK e FILGUEIRAS, 2006, p.27) seria a alternativa ideológica mais coerente na formulação das políticas públicas de caráter universal.