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3 O PROGRAMA NACIONAL DE FORTALECIMENTO DA

3.1.1 As influências na elaboração do PRONAF

Na década de 1990 o movimento sindical rural busca construir uma leitura própria para o desenvolvimento em contraponto a postura de somente criticar o modelo e as ações governamentais, levando a CONTAG e a Central Única dos Trabalhadores (CUT) a um posicionamento com relação às suas categorias de representação.

Em 1993, o II Congresso da CUT Rural, com uma proposta de referências ampliadas, estabelece como central a luta pela reforma agrária e a defesa de uma política agrícola diferenciada para o pequeno agricultor. Defende como prioridade do desenvolvimento agrícola o fortalecimento da produção familiar em toda a sua diversidade, incluindo pequenos agricultores, extrativistas, pescadores, assalariados, etc. Adicionalmente, buscavam a construção de uma política de alianças com os demais movimentos sociais do campo e a democratização do Estado como forma de reafirmar seu papel insubstituível na retomada do desenvolvimento.

No mesmo ano, o sindicalismo ligado à CONTAG, juntamente com os movimentos sociais, propõe ao governo uma linha de crédito de investimento diferenciado para o segmento da Agricultura Familiar.

Em 1994, o convênio de cooperação técnica entre a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e o Instituto Nacional de Colonização

e Reforma Agrária (INCRA) resultou no projeto UTF/BRA/036, com o objetivo de elaboração de uma nova estratégia de desenvolvimento rural para o Brasil. O trabalho acabou contando com a contribuição de Organizações não governamentais, Movimento dos Sem Terra e da CONTAG. Foi o primeiro ano da mobilização nacional “Grito da Terra”, com grande repercussão na sociedade, reivindicando aquilo que se desenhava como um projeto alternativo de desenvolvimento, incluindo alternativas de crédito que permitissem o fortalecimento e reconversão da Agricultura Familiar.

A resolução Nº. 2.191, de 24 de agosto de 1995, do Banco Central do Brasil, institui oficialmente o Programa Nacional de Valorização da Agricultura Familiar, logo dando lugar ao Plano Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar.

No 6° Congresso da CONTAG (1995), já bastante mesclada a posição CONTAG/CUT, delibera-se por um projeto alternativo de desenvolvimento amplo, ressaltando as transformações de caráter tecnológico e o processo de divisão internacional do trabalho, como elementos fundamentais a serem considerados nas políticas públicas.

A questão agrária e a produção baseada na Agricultura Familiar foram postas como centrais e solucionadoras dos problemas do meio rural, distanciando-se da aliança com outros movimentos sociais, trabalhadores rurais, parceiros e outros como defendido em 1993 pela CUT rural, e mais próximo da proposição de inserção produtiva da AF, conforme o estudo da FAO/INCRA (1994).

No Quadro 1, apresentam-se as proposições conceituais do estudo da FAO/INCRA (1994) que representam a intenção de focalização e que foram absorvidas mais tarde pelo PRONAF.

Agricultura Familiar Agricultura patronal

Trabalho e gestão intimamente relacionados Completa separação entre gestão e trabalho Direção do processo produtivo assegurado pelo

agricultor e sua família Organização centralizada Ênfase na diversificação Ênfase na especialização Ênfase na durabilidade dos recursos e na

qualidade de vida Ênfase em práticas agrícolas padronizáveis Trabalho assalariado complementar Trabalho assalariado predominante

Decisões imediatas, adequadas à

imprevisibilidade do processo produtivo. Tecnologias dirigidas à eliminação das decisões “de terreno” e “de momento” Fonte: FAO/INCRA, 1994.

No segmento da Agricultura Familiar foi estabelecida uma subdivisão, diferenciada pelo critério renda bruta do estabelecimento oriunda exclusivamente da agricultura, resultando, com maior focalização, em três modalidades (MAARA, 1996ª, p. 9):

- “Agricultura Familiar consolidada”, constituída por aproximadamente 1.160.000 estabelecimentos familiares integrados ao mercado e com acesso a inovações tecnológicas e às políticas públicas; a maioria funciona em padrões empresariais, alguns chegando até mesmo a integrar o chamado agribusiness;

- “Agricultura Familiar de transição”: constituída por cerca de 1.740.000 estabelecimentos familiares com acesso apenas parcial aos circuitos da inovação tecnológica e do mercado, sem acesso à maioria das políticas e programas governamentais e não estão consolidados como empresas, mas possuindo amplo potencial para sua viabilização econômica;

- “Agricultura Familiar periférica”: constituída por aproximadamente 2.320.000 estabelecimentos rurais, geralmente inadequados em termos de infra-estrutura e inviáveis economicamente, cuja integração produtiva à economia nacional depende de ações fortes e bem estruturadas do programa de reforma agrária e de atividades econômicas não agrícolas compatíveis com a sua condição de agricultura de tempo parcial.

Abramovay; Veiga (1999) destaca que as dificuldades impostas pela burocracia executiva e pelos grupos de poder ali estabelecidos, no processo de implantação do PRONAF em 1996, só foram vencidas pela influência e o apoio decisivo do governo federal, via casa civil, argumentando que de outra forma, talvez o programa não tivesse saído do papel.

Na construção do PRONAF, a influência do Banco Mundial se reflete de forma detalhada no relatório do Nº. 11738-BR de 1993, intitulado: “Brasil. O gerenciamento da agricultura, do desenvolvimento rural e dos recursos naturais”.

As principais recomendações do relatório propõem mudanças nas políticas públicas de desenvolvimento rural, apresentando sua visão crítica da opção dos últimos governos. Alguns pontos coincidentes com as bases do PRONAF, do papel, modo de ação do Estado e da nova concepção de desenvolvimento, são destacados e comentados, entre parênteses, a seguir:

- As interferências e os subsídios para a agricultura devem desaparecer, exceto para os programas de erradicação da pobreza aguda, para os estoques

alimentares de segurança ou para as falhas de mercado (enfoca o papel do Estado. No PRONAF, a orientação é consentânea com a definição dos agricultores familiares em transição como público alvo e, no PISM com os critérios de escolha dos municípios, como será visto a seguir);

- É necessário envolver as comunidades locais na definição e execução dos gastos públicos nas áreas rurais (indica a valorização da concepção de desenvolvimento local e as formulações desde baixo com participação social);

- Os programas de desenvolvimento regional devem buscar maior eficácia dos gastos públicos (relacionados à descentralização das políticas públicas);

- A opção pelas pequenas e médias propriedades familiares, por sua alta eficiência e maior geração de empregos, quando comparadas com as grandes propriedades corporativas (são justificativas sócio-econômicas do PRONAF referenciadas na orientação pelo mercado);

- A agricultura em pequena escala e mão-de-obra intensiva ainda é desejável desde que orientada pela eficiência (evidencia a concepção da questão agrária do PRONAF);

- A criação de fundos públicos para o desenvolvimento, disponíveis para áreas rurais pobres do Brasil com as diretrizes:

- Respeitar e aumentar a autonomia e a responsabilidade local (relacionam-se à descentralização e a participação);

- Diluir os custos/ fundos de contrapartida (relacionado à nova forma burocrática de operar do Estado, com descentralização e repartição de custos, incorporada especialmente à linha infra-estrutura e serviços municipais);

- Sobre o desenvolvimento rural e agrícola: restaurar o crescimento agrícola e assegurar o desenvolvimento rural, regulado por um conjunto mínimo e neutro de intervenções governamentais (relacionadas ao papel do Estado, à orientação pelo mercado e aos conceitos de governança).

Uma análise mais ampla do documento evidencia o que está oculto nas orientações:

Não restam dúvidas de que o ”pano-de-fundo” [das análises do Banco Mundial passam] pelo processo de globalização, tanto do ponto de vista dos limites e possibilidades de uma política nacional quanto da sua inserção na nova divisão internacional do trabalho, mais conhecida como pós-fordista (VILELA, 1997, p. 1155).

As influências na construção do PRONAF se revelam, portanto, diversas. Considera-se que as pressões internas a partir das mobilizações sindicais, dos movimentos sociais, das representações comprometidas e o apoio político do governo foram decisivos para abreviar a implantação do PRONAF. Como veremos a seguir, grande parte das definições materializadas no programa se alinham com as referências do Banco Mundial às políticas públicas e com as definições da Constituição Federal de 1998.

A concepção e as mudanças institucionais e os regramentos das políticas públicas definiram não só os procedimentos, mas também serviram de instrumento de seleção e definição das ações. Daí a importância de esclarecer tais aspectos, recolhidos nos documentos do Plano Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, que serviu como base à formulação do PRONAF.