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AS INSTITUIÇÕES DO TRABALHO NA

No caso colombiano, é possível identificar três processos mais ou menos diferenciados em relação à configuração de um campo de saber diretamente relacionado à saúde dos trabalhadores. O primeiro, de criação de círculos acadêmicos de aprendizagem e difusão, entre 1912 e 1940, se destaca pela aparição do curso de higiene industrial no programa de formação dos engenheiros da Escola Nacional de Minas, e pela elaboração de teses e trabalhos de pesquisa pelos estudantes da instituição. Também sobressai, nesse momento, o afã dos engenheiros em vulgarizar a higiene industrial nas revistas especializadas. O segundo processo se desenvolveu entre 1920 e 1946, caracterizando-se pela publicação de artigos e teses dos médicos da Universidade Nacional da Colômbia e da Universidade de Antioquia sobre higiene industrial e medicina do trabalho, assim como a criação, em 1946, da Sociedade Colombiana de Medicina do Trabalho. Finalmente, um terceiro processo, de 1923 até 1948, com as primeiras tentativas de estatização desses campos de saber, orientados a supervisão e pesquisa sobre acidentes de trabalho e doenças profissionais. Em sentido estrito, não foram processos sucedâneos, pois aconteceram de maneira concomitante.435

O período se caracterizou igualmente pela ampliação dos direitos sociais, por conta, principalmente, de quatro aspectos: a emergência de novos atores sociais e sua consolidação como atores políticos; uma resposta intervencionista do Estado, da assistência pública ao direito trabalhista, frente à emergência da questão social e das primeiras manifestações de luta de classes; argumentos sociais e econômicos da Organização Internacional do Trabalho (OIT), tanto para o intervencionismo quanto para o desenvolvimento da seguridade social, da higiene e da medicina do trabalho436; os avanços em diferentes

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GALLO, Higiene industrial y medicina del trabajo en Colombia, 1912- 1948, op. cit..

436 O influxo determinante da OIT nesse âmbito foi analisado por vários autores, como no caso francês, Une maladie sociale avec des aspects

médicaux: la difficile reconnaissance de la silicose comme maladie

professionnelle. ROSENTAL, Paul-André; DEVINK, Jean-Claude.

Statisque et mort industrielle. La fabrication du nombre de victimes de la silicose dans les houillères en France, de 1946 à nos jours. Vingtième siècle. n. 95, p. 75–91, 2007, p. 104.

campos do saber (higiene industrial, ergonomia, psicofisiologia, toxicologia etc.) associados à saúde dos trabalhadores, ajudaram na identificação dos riscos e de doenças profissionais437, embora a luta social tenha sido fundamental.

De fato, se nesses campos de saber foram decisivas as décadas de 1920 a 1940, no âmbito institucional e no legislativo não foi diferente. Legislou-se então sobre acidentes de trabalho e doenças profissionais, trabalho infantil, proteção das crianças e da maternidade, seguro coletivo de vida e de desemprego, jornada laboral de 48 horas, descanso dominical e férias remuneradas, contratação de estrangeiros e atenção médica. Além disso, a lei n. 129 de 1931 adotou as convenções aprovadas pela Conferência Internacional do Trabalho, entre suas sessões 1 e 11, o que significou reconhecer, ao menos em teoria, aspectos como jornada de trabalho, seguro desemprego, proteção materna, trabalho noturno para mulheres, idade mínima de trabalho infantil, indenizações por acidentes, igualdade de tratamento dos trabalhadores estrangeiros e nacionais, seguros contra doenças, salário mínimo. Quanto à higiene industrial, a lei n. 4 de 1921, sobre higiene das jazidas ou depósitos de hidrocarbonetos, e a lei n. 15 de 1925, sobre higiene social e a assistência pública (artigos 16 a 52) introduziram um conjunto de recomendações para enfrentar a insalubridade das fábricas e empresas.

Os historiadores têm considerado essas reformas sociais e a criação da OGT, em 1923, como sintomáticos dos governos conservadores para diminuir, controlar ou canalizar o descontento social da classe trabalhadora e o nascente conflito entre capital e trabalho. Em boa medida, a OGT seria um indício da natureza repressiva e defensora da propriedade privada, que caracterizou a política nacional entre 1886 e 1930; da mesma forma, são mostras do influxo da doutrina social da Igreja. Entretanto, compreender a origem e a dinâmica dessa agência estatal se dificulta, pois não existem pesquisas a respeito, e são poucas as referências da historiografia colombiana.438

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A ideia da incorporação do conhecimento médico ao mundo do trabalho e às lutas sociais é tomada de CORBIN, Alain. Dolores, sufrimientos y miserias del cuerpo. In: ______. (Org.), Historia del cuerpo: de la revolución francesa a la gran guerra. Madrid: Santillana, 2005, p. 205. 438 A listagem pode ser ampla, embora o acréscimo de detalhes seja menor em relação a origem e funcionamento do Escritório Geral do Trabalho. Alguns títulos são: ARCHILA, Mauricio. Cultura e identidad obrera Colombia 1910-1945. Santa Fé de Bogotá: Cinep, 1991; AVELLA

A hipótese defendida é que a criação da OGT não resultou unicamente de ações doutrinais de partido, mas faz parte de uma tendência histórica, um movimento intervencionista do Estado iniciado com os governos conservadores e mantido nos anos 1930 e 1940, quando as iniciativas liberais apuraram a organização e a institucionalização da ameaça social, através de complexos modelos de conciliação e arbitramento. Adicionalmente, considera-se que o surgimento desta agência técnica se deu no marco da política internacional de regulação das relações entre capital e trabalho, mediante agencias estatais ou espaços tecnocráticos de intervenção social e relacionamento com a indústria, os operários e os camponeses. Portanto, a análise do contexto histórico e de seu processo de formação e funcionamento deve levar a compreender como se lidou com a questão social de 1923, ano de criação do Escritório Nacional do Trabalho, até 1946, quando foi criado o Ministério do Trabalho. Reconstruir a formação deste projeto institucional e seu funcionamento significa também compreender a incorporação da saúde dos trabalhadores no horizonte do Estado, assim como entender o sistema de valores em que se concretizaram fenômenos de grande impacto, como a seguridade social e o direito trabalhista.439

4.1. Indústria e intervencionismo social

O fracasso liberal no plano econômico e político, a desintegração nacional e a polarização política serviram de alicerce para que Rafael Núñez (presidente entre 1880-1882 e 1886-1892) projetasse a GÓMEZ, Las instituciones laborales en Colombia. Contexto histórico de sus antecedentes y principales desarrollos hasta 1990, op. cit.; BERGQUIST, Charles. Historiografía latinoamericana moderna y movimiento obrero. Bogotá: Siglo XXI, 1988; PALACIOS, Entre la legitimidad y la violencia: Colombia 1875-1994, op. cit.; VEGA CANTOR, Gente muy rebelde: enclaves, transportes y protestas obreras, op. cit. A escassez de fontes é uma explicação, concretamente, não tem sido possível localizar o acervo da instituição.

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As fontes usadas são, principalmente, o Boletim do Escritório Nacional do Trabalho (1929-1942) e as memórias dos ministérios de Agricultura e Comércio (1920-1923); Governo (1915-1924); Indústrias (1923-1934); Indústria e Trabalho (1934-1938), Trabalho, Higiene e Previdência Social (1938-1946), Trabalho (1948-1950).