• Nenhum resultado encontrado

Parte III Peculiaridades da Arquitectura Paralela

Capítulo 9. A ligação entre a arquitectura da linguagem e o processamento

9.2 As interfaces

A relacionar cada uma das estruturas entre si existem os processadores de interface. Tal como concebido para o modelo da gramática da competência, estruturas fonológicas encontram interface com as estruturas sintácticas e com as estruturas conceptuais; as

sintácticas.

Tal como na explicitação do modelo Arquitectura Paralela para a competência, também aqui a redundância expressa nas relações de interface é deliberada para que se saliente a bidireccionalidade das conexões.

As estruturas fonológicas mantêm ligação de ponto de partida com a vocalização e como ponto de chegada com a audição, através dos respectivos processadores de interface.

Do mesmo modo, as estruturas conceptuais relacionam-se com estruturas da percepção e da acção através de processadores de interface próprios, que fazem da interface uma relação bidireccional.

Quando aqui usamos a designação “bidireccional”, estamos a querer dizer que as relações de interface entre as estruturas em questão se fazem nos dois sentidos, ou seja, o movimento de relação pode partir da estrutura x para a estrutura y ou da estrutura y para a estrutura x. Não implica esta bidireccionalidade que os próprios processadores actuem bidireccionalmente, ou seja, que o mesmo processador tenha a tarefa de operar a interface de x para y e de y para x. Na realidade, Jackendoff (2002: 200) deixa em aberto as possibilidades de

i) o mesmo processador construir as duas direcções de interface;

ii) existirem dois processadores a construir a conexão entre duas estruturas, tendo um a tarefa de conectar x a y e o outro a de conectar y a x.

Deste modelo, Jackendoff (2002: 200) destaca a conceptualização de memória processual, entendendo-a

«[...] not just as a static storage space for linguistic material, but as a dynamic “workbench” or “blackboard” on which processors can cooperate in assembling linguistic structures. It has three divisions or “departments” or “buffers”, corresponding to the three levels of linguistic structures (alternatively, one can think of it as three functionally separate working memories – it is just a matter of terminology).».

A simetrização dos modelos de competência e de processamento poderá ser questionada, como Jackendoff (2002: 200) refere, pela assunção de que o processamento terá parâmetros próprios de funcionamento, dependentes do modo como se encontra inscrito no cérebro. Um outro aspecto que pode conduzir à consideração de que o processamento não obedece aos mesmos princípios organizativos que a competência tem que ver com a descrição linear quer da produção quer da percepção.

De um modo muito sumário referimos o exemplo do modelo de produção sugerido por Levelt (1999). Levelt (1999) situa como ponto de partida para a produção as estruturas conceptuais, que irão ligar-se ao léxico, cujos itens lexicais activados via semântica irão, por sua vez, activar estruturas sintácticas e fonológicas. Estas últimas irão posteriormente ligar-se ao sistema motor.

Na percepção, o percurso é descrito, por exemplo, por Cutler & Clifton (1999), como inverso: a partir da análise de estruturas fonológicas dá-se a activação dos itens lexicais e, subsequentemente, de estruturas sintácticas e semânticas. A activação das várias estruturas decorre de interfaces entre determinadas fiadas de cada nível.

Descrições lineares deste tipo, que aqui apenas focamos sinteticamente, não representam, no entanto, uma equivalência real em termos de processamento. Isto é, de acordo com Jackendoff (2002: 202), a sequencialidade entre as interfaces das várias estruturas no processamento não corresponde, necessariamente, ao modo real como o processamento decorre. Esta visão de Jackendoff está de acordo com os modelos de processamento paralelo (e. g. Marslen-Wilson, Tyler & Seidenberg 1978) Não é necessário que haja o preenchimento total de cada nível de estrutura para que se possa dar a interface com o nível seguinte. Pelo contrário, de acordo com Jackendoff (2002: 202),

«[...] any fragment of structure at one level is sufficient to call into action (or activate) any processors that can make use of it.».

Na verdade, os próprios estudos de processamento salientam o modo incremental do decurso deste. Por exemplo, Levelt (1999: 88) assinala, a propósito da produção, que

As a consequence, the various processing components are normally simultaneously active, overlapping their processing as the tiles of a roof.».

Como enfatiza Jackendoff (2002: 215-217), que o processo de produção é incremental e não linear é comprovado por lapsi linguae e situações de “na ponta da língua”.

Do mesmo modo, relativamente à percepção, Cutler & Clifton (1999: 125) assinalam que

«[...] this interpretation process is incremental [...] and is sensitive to a wide variety of lexical, pragmatic, discourse, and knowledge-based factors.».

No decorrer destes processos é essencial a operação das regras da gramática, para que as interfaces entre os “fragmentos” seja organizada e não caótica (Jackendoff 2002: 202). Jackendoff exemplifica com enunciados sintáctica e semanticamente diferentes, mas cujas estruturas fonológicas são iguais.

Os exemplos propostos por Jackendoff (2002: 202) são: «It’s only a PARent, not * a TEACHer.» e «It’s only apPARent, not * REAL.». Segundo o A. o asterisco marca o ponto até ao qual acusticamente os enunciados são indistinguíveis. A ambiguidade é desfeita recorrendo à sintaxe e à semântica.

No decorrer da percepção, a activação dos itens lexicais não pode ser atingida apenas recorrendo às estruturas fonológicas. A própria segmentação fonológica entre palavras carece de informações de outros níveis, já que fonologicamente não há dados suficientes, nestes casos, para se proceder à activação lexical.

O A. propõe que, nestas situações, o processador fonológico tem de manter em aberto a possibilidade de ligação a várias estruturas lexicais, através da activação das interfaces com os dados semânticos e sintácticos. A partir do momento em que a ambiguidade é desfeita através dos dados semânticos e sintácticos, Jackendoff (2002: 202) sustém que não cabe à própria semântica rejeitar a estrutura fonológica errada.

«Rather, the interface processors must pass down the inhibition of the rejected structure in succession to syntax and phonology.»,

O modo como no processamento se podem tecer as interfaces é estabelecido pela gramática. Como organização das diferentes estruturas, a gramática pode indicar a sucessividade dos pontos de interface entre os vários níveis. Assim, a gramática pode indicar que no processamento é possível estabelecer-se ligação entre determinados níveis e que outra interface só será possível depois de se ter atingido uma outra conexão.

Capítulo 10. A modularidade e os módulos de interface