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neste sentido, são os livros didáticos e os livros de Literatura que trabalham a Cultura Africana e Afro-Brasileira de modo a

2 A LITERATURA AFRO-BRASILEIRA E AS CRIANÇAS NEGRAS

2.5 AS LITERATURAS DO PNBE

No Brasil, atualmente são inúmeras as publicações anuais que envolvem diversas temáticas, dentre elas, há as reedições de clássicos estrangeiros e brasileiros.

Com o objetivo de propiciar aos estudantes das escolas públicas o contato com o mundo da leitura, o Ministério da Educação instituiu, como parte da política educacional, “uma ação pública de incentivo à leitura que tem por princípio proporcionar melhores condições de inserção dos alunos das escolas públicas na cultura letrada, no momento de sua escolarização” (BRASIL, 2008, p. 7), sendo que, historicamente, o acesso ao livro e à leitura fossem/são somente para uma parcela da população.

A Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental Oswaldo Hülse recebe livros literários deste Programa e as crianças envolvidas neste estudo tiveram contato com livros de Literatura do acervo do PNBE na biblioteca escolar.

De acordo com Rildo Cosson e Aparecida Paiva (2014), o Programa Nacional Biblioteca da Escola – PNBE é uma política de incentivo à leitura, instituído em 1997. O PNBE substituiu os programas anteriores, tendo como objetivo adquirir obras literárias para compor o acervo das bibliotecas escolares do sistema público de ensino, fazendo parte de ações do governo federal na área da leitura, tais como o “Programa Nacional Salas de Leitura (1984) transformado em Programa Nacional Salas de Leitura/Bibliotecas Escolares em 1988, Programa Nacional de Incentivo à Leitura (Proler), criado pela Biblioteca Nacional (1992), o Pró-Leitura (1992); e o Programa Nacional Biblioteca do Professor (1994 a 1997), sendo substituído pelo PNBE” (COSSON; PAIVA, 2014, p. 478). A distribuição dá-se, conforme nos aponta o Ministério de Educação (2008):

Em formatos de atendimento variados, acervos às bibliotecas e a alunos e professores das escolas públicas do ensino fundamental. O modelo de intervenção adotado vem historicamente privilegiando um único aspecto que compõe uma política de formação de leitores: a compra e a distribuição de livros às escolas e aos alunos (BRASIL, 2008, p. 7).

De acordo com Cosson e Paiva (2014), o PNBE sofreu alterações a partir de 2005, sendo que o Programa alternou a distribuição das obras.

[...]as escolas dos anos iniciais do ensino fundamental e as dos anos finais, progressivamente incorporando outros segmentos educacionais, como a educação infantil no PNBE 2008, ensino médio no PNBE/2009 e educação de jovens e adultos no PNBE/2010. Além disso, passou a constituir PNBEs para outros tipos de textos e públicos específicos, a exemplo do PNBE – Educação Especial – 2008, o PNBE do

Professor – 2010, o PNBE dos Periódicos – 2012 e o PNBE –Temático-2012” (COSSON; PAIVA, 2014, p. 479).

O PNBE possui etapas e critérios pré-estabelecidos, justificando neste sentido a não seleção neste programa de livros para composição dos acervos distribuídos às instituições escolares, sendo que há a divulgação de editais para “a avaliação pedagógica das obras literárias e seus critérios de seleções [...] destinadas a orientar a leitura dos aspectos julgados mais relevantes para o contexto do PNBE” (COSSON; PAIVA, 2014, p. 480).

O PNBE tem mostrado que a Literatura Infantil está presente nas escolas brasileiras. A Literatura Infanto-Juvenil Brasileira tem se configurado historicamente sob o viés eurocêntrico, inclusive no período de seu apogeu: anos 1980, quando da inserção quantitativa de protagonistas negros. No entanto, após a implementação da Lei 10.639/03, através da qual se alterou a LDB 9.394/96, surge a necessidade de selecionar produções que rompam com a tendência à estereotipia dos referidos personagens. A valorização da presença das personagens negras nas produções literárias não como simples objeto, mas como sujeitos de seu discurso e de sua identidade precisam por meio das histórias serem desveladas: o pobre, o negro e a mulher, dentre outras pessoas que quase sempre foram vistas de maneira adversa ou subalterna. Não tinham suas vozes nos currículos escolares. Assim, para Freire (2011):

Pouco importa onde se encontra o oprimido, pouco importa sua nacionalidade: o que está em causa é a dignidade da pessoa humana, que, na opressão ou na libertação, atinge uma dimensão de universalidade[...] inserindo-nos em um verdadeiro “círculo de cultura” onde nos sentimos participando, enquanto sujeitos, de uma experiência real (FREIRE, 2011, p. 13).

Nos textos literários deve ser percebido, além de seu valor artístico, a postura política de quem escreve, porque a pessoa leitora pode apreender deste material de Literatura quais os saberes são repassados e qual forma de resistência, de denúncia e de combate relacionados à Cultura Afro-Brasileira.

A literatura, por seu valor e sua importância como uma forma de linguagem artística e criativa que transmite conhecimentos, compartilha saberes, vivências, expressa sentimentos, externa ideias e dá visibilidade a aspectos históricos e culturais de um povo ou de uma comunidade, revela e discute o ocultamento, a rejeição e o abuso praticados com as personagens negras.

Para Maria Anória de Jesus Oliveira (2013), as personagens negras têm sido objeto de discussão ao longo do tempo, gerando consensos e dissensos entre os/as estudiosos/as da área que, de modo geral, uma das polêmicas em torno deles/as refere-se à associação e/ou dissociação com a realidade humana. A pesquisadora afirma que há obras que não trazem à tona problemas pertinentes às relações étnico- raciais, a exemplo do racismo, da rejeição pelos fenótipos negros e/ou da ascensão da negritude, e nem por isso deixam a desejar no tocante à ressignificação da História e Cultura Africana e Afro-Brasileira, visto que delineiam seres ficcionais não mais pautados em perspectivas eurocêntricas.

O reconhecimento da cultura negra em obras literárias com a implementação da Lei 10.639/2003, ressalta nos livros de Literatura Infantil o atendimento da demanda sobre o referido tema, o qual busca compreender a veiculação das personagens negras nelas representadas. Nesse sentido, Gomes (2005) diz que o problema não está na representação da imagem negra, mas no maior número de representações para as crianças não negras que, deste modo, possuem mais oportunidades de se verem representadas, e assim, maiores opções para elaborar sua identidade. Para a criança negra, a oferta já não acontece da mesma maneira sendo que na maioria das vezes encontram imagens pouco dignas para se reconhecerem, pois:

A imagem age como instrumento de dominação real em que a representação popular racial pela mídia sugere uma investigação, como fantasias coletivas que ajudam na manutenção de identidades dominantes, construtoras de sentimentos que acabam por fundamentar as relações sociais reais (GOMES, 2005, p. 102).

As desigualdades socioeconômicas são marcas em nosso país, em que a perpetuação do racismo no seio social é realimentada por diversas maneiras, como o mito da democracia racial e o eurocentrismo

curricular. Assim, a Lei Federal 10.639/03, anteriormente referendada, enfrenta grandes desafios no sentido de desconstruir os estereótipos negativos atribuídos aos personagens negros/as.

Atualmente, temos a inclusão no mercado editorial e no espaço escolar de produções literárias que apresentam personagens negras protagonistas, a questão das religiosidades de matrizes africanas, a cultura Afro-Brasileira e o continente africano. Deve haver um investimento para estas produções literárias as quais culminem com publicações e reedições elaboradas com a devida qualidade estética e temática. Assim, a História e Cultura Africana e Afro-Brasileira, conforme exigência das Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL2005) que regulamentam esta Lei, poderão ser percebidas em todos os espaços com o devido valor e ressignificação.

Evaristo (2009) salienta que:

Pode-se dizer que um sentimento positivo de etnicidade atravessa a textualidade Afro- Brasileira. Personagens são descritos sem a intenção de esconder uma identidade negra e, muitas vezes, são apresentados a partir de uma valorização da pele, dos traços físicos, das heranças culturais oriundas de povos africanos e da inserção/exclusão que os afrodescendentes sofrem na sociedade brasileira. Esses processos de construção de personagens e enredos destoam dos modos estereotipados ou da invisibilidade com que negros e mestiços são tratados pela literatura brasileira, em geral (EVARISTO, 2009, p. 20).

A autora evidencia que as produções literárias na sociedade estão sob a influência do viés eurocêntrico, em que o papel social da literatura é o de recriar e redimensionar a realidade por meio da fantasia, tentando refazer as histórias que na maioria das vezes foram encobertas.

A Literatura Afro-Brasileira tem como preocupação a valorização das identidades negras sem os estereótipos que a Literatura Brasileira canônica apresentou e apresenta nas obras literárias.

Entendendo a importância que tem a leitura e a Literatura para as crianças, é que apresento no capítulo a seguir, a metodologia utilizada neste estudo na qual utilizei obras infantis literárias: Menina Bonita do Laço de Fita, Omo-Oba: Histórias de Princesas, Iguais Mas Diferentes, O Cabelo de Lelê e Ana e Ana, buscando escutar um grupo de meninas por meio da metodologia Espaço de Narrativas.

3 CAMINHOS DA INVESTIGAÇÃO: A ESCUTA DAS