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Conforme escreveu Paulo Venâncio Filho no texto "Lugar nenhum: o meio de arte no Brasil" (DUARTE, 1980. pp.23-25), a determinação história do ensino da arte e dos níveis diversos de apropriações pelo meio social da real capacidade de promover a dimensão cultural de qualquer Figura 11 (gravura) Desembarque de Dom João VI no Brasil

72 trabalho no Brasil vem da “mamãe Belas-Artes”, do Sistema de Ensino Belas-Artes. Ele explica que no país houve uma “entronização” das diretrizes estéticas e técnicas da academia francesa na primeira metade do século XIX, às custas do abandono de todo o legado da arte colonial consolidada na estética singular e na técnica originalíssima do barroco, como enfatiza. E, a partir desse pensamento, defende a tese de que a trajetória da arte tem sido um eterno recomeço. Compreende a onda modernista como um embate contra a herança acadêmica pela transformação das linguagens numa despropositada luta por uma arte realmente brasileira, condenando o patrimônio neoclassicista já consolidado. Assim também vê a vanguarda concretista dos anos 50 e os movimentos ou saltos da história da arte dos anos 60 para cá repetindo ou afrontando as idéias clássicas. Sendo que a repetição, segundo Venâncio Filho, alinham-se ideologicamente com a política de “direita”, conservadora e o afrontamento com a de "esquerda", na resistência política à ditadura militar e toda forma de ditadura imposta ao país. A visão condena o passado de uma artificialidade cultural, mas admite a força da tradição francesa na base da cultura e afirma sua atual legalidade.

De um modo geral pode-se disser que o ensino da arte no Brasil baseia-se em uma visão clássica da Arte, mas que esta visão recai sobre o convencional do desenho e do projeto e não sobre seus princípios que rebatem no campo sociopolítico e cultural. Nele, a erudição e a elitização caracterizam a história. Trata-se de um modelo que “mantém o mito da educação e da erudição como condições básicas para a ascensão social, ocultando as questões de poder aí submersas (CONTIER, PENTEADO & ATTIÉ, 2002, p. 25)”.

No Brasil, a experiência da EBA – Escola de Belas Artes, nascida como Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, criada em 1816 pela Missão Artística Francesa, forneceu elementos de compreensão do Sistema Belas- Artes de ensino e marcou a história brasileira nesse campo cultural. No momento da fundação da escola brasileira, a École des Beaux-Arts de Paris iniciava a sua segunda fase com o retorno dos Bourbons e o reinado de Luis XVIII ao poder, após a queda de Napoleão Bonaparte. Nesse momento, os integrantes da Missão francesa, que eram bonapartistas, não se sentiam seguros na França e resolveram ariscar-se vindo ao Brasil.

Figura 12 Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro – Projeto de Montigny

73 O primeiro professor oficial de arquitetura no Brasil, nomeado pelo decreto de 12 de agosto de 1816, Auguste Henri Victor Grandjean de Montigny (1776-1850), é representante da tradição francesa da arquitetura clássica. Arquiteto francês, ex-aluno da escola de Belas- Artes da frança, Montigny foi o ganhador do Prêmio de Roma em 1799 (EGBERT, 1968, pp.160-200), cujo título do programa foi Elysée ou cimetière publique. Tratando-se de um bonapartista apaixonado, aceitou o convite para fazer parte do grupo de artistas que se destinava ao Brasil, devido à queda de Napoleão e a ascensão de Luis XVIII. Ao chegar ao país, se empolgou pela natureza tropical e nunca mais a abandonou. Foi responsável por muitas obras na cidade do Rio de Janeiro e ocupou o cargo de diretor da escola Imperial de Belas-Artes, inclusive sua primeira incumbência foi o projeto dessa escola.

A medida que os alunos da Academia Imperial de Belas Artes, discípulos de Grandjean, foram se formando e exercendo a profissão, visível nos prédios públicos e nos palacetes, iniciou a disseminação do estilo, como o seu abrasileiramento. Telhas esmaltadas, cantaria em granito carioca, azulejos e até as palmeiras entre outros, foram elementos que se adicionaram ao rigor do estilo europeu, simplificando-o e adocicando-o, formando então uma característica própria (MALTA, 1998, p. 216)

O modelo da Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro foi recomendado pelo secretário perpétuo do Instituto de França e pelo Diretor da Secção de Belas-Artes do Ministério do Interior da França Joachim de Lebreton, com a indicação de que fosse um ensino de arquitetura nitidamente voltado à perpetuação dos ensinamentos clássicos, a partir dos modelos consagrados pelos gregos e pelos romanos com base nos tratadistas. Nessa realidade, o grupo da missão francesa, em uma transição abrupta, substituiu o tendente emocionalismo barroco pela frieza intelectual do neoclássico (CAVALCANTE, 1969).

Do ideal difundido pela Academia do Rio de Janeiro, prevalecia o modelo da arquitetura monumental, de onde prevalecia o público sobre o privado e justificavam os projetos recaírem sobre as escolas, manicômios, alfândegas, praças e hospitais (MALTA, 1998, p. 217). Era, pois, a relação entre arte e poder que se impunha na prática social. Até porque “argumenta-se que a Academia Imperial de Belas Artes foi precariamente mantida pelo governo na maior parte de sua existência, apesar de toda a aura de mecenas construída em torno de Pedro II, e que a crítica especializada até hoje não parece disposta a contestar (DURANT, 1989, P. 6)”. Também a escola de Belas Artes do Rio de Janeiro era subsidiada pelo Estado-patrão.

74 Nesse compasso do espírito

neoclássico, o ensino acadêmico e informal da arquitetura “foi assumindo um status perante a população” no Brasil (MALTA, 1998, p. 217). Ele foi impregnado pelas crenças nos concursos e premiações, como incentivos à produção acadêmica consagrada (CAMPOFIOROTO, 1965). A Academia marcou a formação dos arquitetos brasileiros no caráter elitista herdado da escola francesa, sendo que, para o apoio ao ensino, ela reuniu várias coleções encomendadas à Europa: lotes de

peças compradas em diferentes ocasiões dos museus da Itália e da França.

O ensino das Belas-Artes baseava-se no desenho, nas cópias realizadas pelos alunos em Prêmio de Viagem à França ou à Itália, obras geralmente indicadas pela Academia, escolhidas dentre as realizações mais significativas dos maiores artistas europeus. Essas peças, chamadas “envios”, eram incorporadas ao acervo e expostas na Academia com a finalidade primeira de orientar os alunos das diversas áreas e formar, sobretudo, uma grande pinacoteca.

O avanço propiciado pela revolução industrial e a necessidade de atender às demandas de construção do país indicaram a formação de quadros de operários especializados. Criam-se, assim, as Escolas de engenharias e os Liceus de Arte e Ofícios que proliferaram no Brasil. A Escola Politécnica do Rio de Janeiro foi criada no ano de 1874, como a primeira faculdade de engenharia do Brasil, sucedida pela Escola de Minas de Ouro Preto (1876) e a Escola Politécnica de São Paulo (1894). Aliás foi a Escola Politécnica de São Paulo foi a primeira a formar engenheiros-arquitetos em um curso especial iniciado em 1896/97 (MALACRIDA, 2005, p. 65) .

Com o legado clássico francês, o Brasil é internacionalmente conhecido como aquele que teve a ousadia de projetar e edificar a sua capital, Brasilia, paradigma moderno admirável, parte do acervo dos bens considerados Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO, desde 1987.

Figura 13 Atelier de Arquitetura da École des

75 Figura14 (Lúcio Costa) “A cidade que inventei” Plano Piloto, 1957

O projeto do Plano Piloto e a construção dos edifícios que compõe o eixo monumental de Brasília foram criados por dois grandes gênios da arquitetura brasileira: Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, ambos formados pela Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro (ENBA) no inicio do século XX, dentro dos padrões clássicos herdados da École de Paris. Esse projeto considera arquitetura e urbanismo de forma integrada. São eles os grandes percursores da arquitetura moderna no Brasil. Lúcio Costa foi diretor da ENBA de 1930-1931 e o responsável pela grande reforma de modernização do ensino desta escola. Na sua avaliação, a escola de Belas Artes era retógrada, principalmente em relação ao curso de arquitetura e, por isso, necessitava de uma mudança radical. Nesse sentido, faz referência em especial à tendência modernista que deveria ser incorporada ao Ensino. Para tanto, Costa agiu de forma radical, transformando os valores conservadores da época e extinguindo cânones europeus, como os concursos à semelhança dos existiam na França. Por sua postura revolucionária, apesar de ter de fato transformado o Sistema de Ensino da escola, Lúcio Costa, permaneceu por pouco tempo a frente da direção da ENBA, sendo exonerado do cargo.

Oscar Niemeyer por sua vez tornou-se um dos maiores talentos da arquitetura brasileira e mundial, afirmando-se como um dos ícones da arquitetura moderna. Seus projetos arrojados,

76 com traços de formas curvas e o uso do concreto armado são destacados pela história da arquitetura. Movido pela paixão à vida e à arquitetura, Niemeyer com mais de cem anos de idade continua ainda a produzir intensamente, trabalhando diariamente em seu atelier no bairro de Copacabana no Rio de Janeiro. É dele o famoso poema que declara amor à arquitetura moderna:

Não é o ângulo reto que me atrai, nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual, a curva que encontro nas montanhas do meu país, no curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o universo, o universo curvo de Einstein18.

77 Violet Le Duc - Basilique Saint Nazaire

Capítulo 2

Capítulo 2

78 2. CAPÍTULO

A crise de Ensino na École des Beaux-Arts de Paris e os novos caminhos da Arquitetura Moderna e Contemporânea

Havia necessidade de renovação no Ensino para sustentar o Sistema Belas-Artes na escola francesa. Os movimentos estudantis declaram o fato e, mais ainda, o fechamento do Curso de Arquitetura e a extinção do concurso O Grande Prêmio de Roma em 1968. Todavia, foi o processo do ensino que instalou a crise no Curso, atingindo “em cheio” o concurso. A ruptura da formação do artista e do arquiteto com o Sistema de Ensino da École em 1968 é reveladora de um processo de crise na pedagogia da arte daquela escola e da tendência da imposição internacional do modernismo.

Na fase do progresso da ciência, o arquiteto brasileiro Lúcio Costa reconhece:

As transformações se processam tão profundas e radicais que a própria aventura humanística do Renascimento, sem embargo do seu extraordinário alcance, talvez venha a aparecer à posteridade, diante delas, um simples jogo de intelectuais requintados (1997, p. 108).