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As memórias sobre a Comisión: sua organização e seu funcionamento

4. CAPÍTULO 3 – MEMÓRIAS DE LUTA, MEMÓRIAS EM LUTA: A COMISIÓN DE DEFENSA DE LOS DERECHOS

4.2 As memórias sobre a Comisión: sua organização e seu funcionamento

Em entrevista com algumas pessoas envolvidas diretamente com a Comisión como Tício Escobar Argaña, Martin Lara Castro e Luis Alfonso Resck, pude compreender sobre o que faziam e o que era essa organização, além de como eles apresentam a atuação de Carmen de Lara Castro dentro dela. O relato a seguir é de Tício Escobar Argaña, que na

358 CATELA, Ludmila. El mundo de los archivos. In: JELIN, Elizabeth,

CATELA, Ludmila (Org.). Los Archivos de la represión, documentos, memória y verdade. Madrid: Siglo XXI, 2002, p. 212-213.

359 Como mencionei anteriormente, foi feito um grande levantamento de fontes

no Archivo de Terror no ano de 2015. Entretanto como esse trabalho se propõe discutir memórias e, também devido ao curto tempo do mestrado. A documentação selecionada no Archivo foi “descartada” do texto, com exceção de uns documentos que foram agregados a análise. Todavia, destaco que a afirmação sobre a ampliação da polícia sobre a personagem de Carmen de Lara Castro pode ser verificado no site do site do Projecto Memoria Histórica, Democracia y Derechos Humanos. Disponível em < http://www.aladin0.wrlc.org/gsdl/cgi- bin/library?e=d-01000-00---off-0terror--00-1--0-10-0---0---0prompt-10---4--- -0-1l--11-es-50---20-home---01-3-1-00-0-0-11-0-0utfZz-8-00&a=d&cl=CL2.3> Acesso em 12 mai. 2016

década de 1970 foi colega de Jorge Lara Castro no curso de Direito 360.

Em entrevista conta que se envolveu com a questão do Movimento Estudantil e dos direitos humanos, mas não soube precisar como ele teria conhecido Carmen de Lara Castro ou a partir de quando fez parte da Comisión como Cordenador Geral 361. Segundo Tício Escobar sua mãe,

Rolsaba Escobar Argaña, era amiga de “Coca” e que também fazia parte da Comisión, seu pai, Jorge Hipólito Escobar, foi um dos fundadores do Partido Democrata Cristiano, e também era amigo de “Coca”. Então, Carmen de Lara Castro, já fazia parte do círculo de amizade de sua família, talvez, por isso, não sabia evidenciar como a conheceu 362. No

excerto que segue, Escobar comenta o que era a Comissão e o que fazia: [TE-] Basicamente o trabalho da comisión era denunciar os casos de denúncias de violações de direitos humanos, proteger os presos políticos, ajudá-los e visitá-los quando estavam presos. E iniciar a parte do seguimento jurídico, que não havia muito, mas era algo. Por exemplo, quando eu estive preso, em uma das vezes, a Comisión foi a que fez uma questão jurídica, foi um dos poucos casos em que se acercaram de um processo jurídico. [...].

Era uma questão mais pragmática, porque uma das funções era o trabalho de consciência: os congressos, os encontros e levar para as pessoas a importância dos direitos humanos, e isso era muito difícil de fazer. Então praticamente o que se fazia era ir juntando as pessoas de peso do meio para ir se construindo uma certa muralha contra à repressão, contra um aspecto da repressão. E Coca fazia muito isso e visitava os presos nas prisões. Ela salvava muitas vidas porque bastava que ela fosse

360 ARGAÑA, Luis Manuel Escobar. (Tício Escobar). Entrevista concedida a

Tamy Amorim da Silva. Gravador Digital. 22/01/2015. Assunção Paraguai. Acervo da autora, p. 6.

361 ARGAÑA, Luis Manuel Escobar. (Tício Escobar). Entrevista concedida a

Tamy Amorim da Silva. Gravador Digital. 22/01/2015. Assunção, Paraguai. Acervo da autora, p. 6.

362 Tício destaca a participação de sua mãe na Comisión¸ dizendo: “Minha mãe

trabalhou também na Comissão. Minha mãe trabalhou e ela era absolutamente amiga de Coca”. ARGAÑA, Luis Manuel Escobar. (Tício Escobar). Entrevista concedida a Tamy Amorim da Silva. Gravador Digital. 22/01/2015. Assunção, Paraguai. Acervo da autora, p.5.

ao cárcere de tal lugar e dizer: − fulano tá aqui! Sei que está aqui e mostravam que estava ali! Isso significava que para essa pessoa que salvaram a sua vida 363.

A fala de Tício Escobar sintetiza o que muitas/os entrevistadas/os apontam sobre o que era a Comisión. De formas diferentes, mas, muito próximas, as narrativas sobre o ofício dessa organização enfocam nas questões dos auxílios, das denúncias, das visitas e do “trabalho de consciência”. A ênfase na denúncia e na visita às pessoas presas como uma condição para mantê-las vivas, aparece também na narrativa de Alfredo Boccia, Francisco De Vargas, Julian Monges de Vera, Jorge de Lara Castro, José Manuel Lara Castro, para apenas citar as pessoas que foram auxiliadas por Carmen de Lara Castro364.

Falar sobre tortura, denunciar os atropelos aos direitos humanos, pode ser entendido também como uma forma usada para congregar pessoas para participarem da Comisión, além de buscar salvar vidas. A empatia gerada pelos discursos, pelo sofrimento das pessoas presas, poderia criar a consciência para a ação ou, pelo menos, alertar sobre o que ocorria no Paraguai, visto que a maioria das pessoas presas eram torturadas365. Os congressos e os encontros mencionados no trecho da

entrevista podem ser localizados no final da década de 1970, quando a

363 ARGAÑA, Luis Manuel Escobar. (Tício Escobar). Entrevista concedida a

Tamy Amorim da Silva. Gravador Digital. 22/01/2015. Assunção, Paraguai. Acervo da autora, p. 14-15.

364 PAZ, Alfredo Boccia. Entrevista concedida a Tamy Amorim da Silva.

07/05/2014. Assunção, Paraguai. Gravador Digital. Acervo da autora, p. 11, DE VARGAS, Francisco. [Pancho]. Entrevista concedida a Tamy Amorim da Silva. 16/01/2015. Assunção, Paraguai. Gravador Digital. Acervo da autora, p.3, MONGES, Julian Vera. Entrevista concedida a Tamy Amorim da Silva. Gravador Digital. 16/01/2015. Assunção, Paraguai. Acervo da autora, p. 1-2, CASTRO, Jorge Lara. Entrevista concedida a Tamy Amorim da Silva. Assunção, Paraguai. Gravador digital. 03/05/2014. Assunção, Paraguai. Acervo da autora, p, 6-7, CASTRO, Jose Manuel Lara. Entrevista concedida a Tamy Amorim da Silva. Gravador digital. 19/01/2015. Assunção, Paraguai. Acervo da autora, p. 4- 5.

365 Sobre a questão da empatia e direitos humanos ver em: WOLFF, Cristina

Scheibe. Pedaços de alma: emoções e gênero nos discursos da resistência. Estudos Feministas, Florianópolis, 23(3): 975-989, setembro-dezembro/2015. Disponível em < http://dx.doi.org/10.1590/0104-026X2015v23n3p975 > Acesso em 9 mai. 2016, HUNT, Lynn. Op. Cit., 2007, p. 267, p. 105-106.

Comisión já possuía alianças com outras organizações e não estava mais sozinha no cenário paraguaio.

Outro ponto interessante de sua fala é a que desperta para a ideia de que bastava Carmen de Lara Castro encontrar a pessoa desaparecida no cárcere que não poderiam mais sumir ou matar a pessoa. Essa é uma questão apresentada por outros entrevistados, e dá a entender que ao visitar e encontrar alguém que estava desaparecida/o, ela poderia anunciar em periódicos ou levar a conhecimento de outras pessoas, o paradeiro ou a situação em que se encontrava a pessoa presa. Desse modo, salvava vidas. Porém, sua fala também mostra que ela era alguém com boa relação pública no país.

Do que pude averiguar, sobre o trabalho desenvolvido por Carmen de Lara Castro e sua equipe, era que tinham o objetivo de: auxiliar, denunciar e informar, para “construir muralhas” contra a violência Estatal. Com apoio de pessoas e grupos a Comision ampliou suas/seus integrantes366, assim como suas intervenções na medida em que as

organizações de direitos humanos emergiram e que as notícias e dados sobre a violência estatal eram trocados no Paraguai, saindo do país em direção ao Norte e a Europa.

A ideia de “trazer pessoas de peso” para a Comisión faz muito sentido, dado que deveriam ser pessoas que compartilhassem dos objetivos e que pudessem somar na luta pelos direitos humanos. Essa é uma questão que emergiu na entrevista de Tício Escobar, quando ele refletiu sobre o envolvimento de Carmen de Lara Castro na política e na Comisión de Defensa de los Derechos Humanos. O excerto é longo, mas infere sobre essas questões que permeiam a pesquisa,

[TE-] [...] Ela se envolveu na política partidária com um sentido de justiça. Nesse momento o Partido mais forte, mais popular e mais opositor era o Partido Liberal Radical Autentico. Chamava-se Partido Liberal, depois que se repartiu, ficou Partido Liberal Radical que foi quando os Levi Rufinelli se lançaram para o governo. Daí, formaram o Partido Liberal Autentico. Ela teve militância partidária sempre. Interessou-se pelo partido e foi uma das figuras mais dignas. Como te disse, nesse momento, havia líderes e eram muito

366 Isto pode ser evidenciado na narrativa de Luis Alfonso Resck quando afirmou

que 1960, poucas pessoas fundaram a Comisión e a “a lista de pessoas membros” da década de 1980 em que aparecerem outros possíveis nomes de integrantes.

respeitados, queridos e com muito prestígio dentro do partido. Não como agora que são tudo... Nesse momento o Partido Liberal era a oposição mais interessante que havia, porque o Partido Febrerista que era um partido um pouco mais de esquerda, era muito pequeno. A Democracia Cristiana era de um padre que a fundou, também, era um pouco mais progressista, mas muito pequeno e não havia outra coisa. Ela desde aí, começou a se preocupar pelos direitos humanos e foi envolvendo o partido. E no aparato do partido, e em grande parte, forçou-os a agir. O trabalho pelos direitos humanos foi um trabalho do partido que ela praticamente tomou para si. Mas ela começou com uma militância pelos direitos humanos independentemente. Dentro de um quadro partidário, Coca tinha sua autonomia. Ela nunca se chocou com seu partido, óbvio que havia discussões de direito, mas tinha autonomia. [TS-] Até porque a Comissão tinha pessoas de outros partidos.

[TE-] Claro, tinham de outros partidos, Resck era da Democracia Cristã. Quase todos eram da Democracia Cristã. Resck, depois o pastor Ihle da Igreja [Evangélica del Río de la Plata], Jerónino Irala Burgos que era da Democracia Cristã, Irala Burgos, minha mãe. E ela tinha uma amiga pessoal que também era Liberal que trabalhava com os direitos ....

[TS-] Elisa Lizza?

[TE-] Elena Perez Echauri. Maria Elena creio que era como se chamava. Ela era uma pessoa que era como sua sombra, estava todo o tempo com ela e a ajudava. E era uma senhora... e é muito interessante pensar que era um fenômeno estranho por que elas eram pertencentes da aristocracia paraguaia367, da

antiga oligarquia paraguaia, então tinham também

367 Até onde pude rastrear D. Martin Echauri foi governador do Paraguai no

período em que era Colônia da Espanha, talvez decorra desse fato a ideia de alta origem familiar. DE CHARLEVOIX, Pierre Franc̜ ois Xavier. The History of Paraguay. 2. v. Universidade de Michigan: L. Davis, 1769, p. 267 Disponível em <https://books.google.com.br/books?id=JAJGAAAAMAAJ&pg=PA267&dq=d on+martin+echauri+paraguay&hl=ptBR&sa=X&ved=0ahUKEwj7nfD97tXMA hVGj5AKHVy7CDMQ6AEIHzAA#v=onepage&q=don%20martin%20echauri %20paraguay&f=false > Acesso em 12 mai. 2016.

uma série de relações que vinham de sua origem de classe alta. Não alta enquanto questões de dinheiro, mas uma ascendência de família...

[TS-] Um nome?

[TE-] Sim, eram sobrenomes da aristocracia paraguaia, Echauri. Sobrenomes históricos dentro do Paraguai. O pai [de Carmen de Lara Castro] já havia perdido dinheiro por questões políticas, quando os Colorados lhes tiraram as propriedades368... Mas, Lara Castro era um

sobrenome e Casco Miranda também. Ela foi sobrinha de Mariscal Estigarribia e de Julia Miranda Cueto 369 que eram famílias aristocráticas.

E isso não significa o mesmo que hoje em dia, que são famílias de poder econômico e tal, por serem políticos, mas naquela época eram importantes socialmente...

[TS-] conhecidas?

[TE-] Eram muito conhecidas e com muito prestígio. Eram as boas famílias de Assunção. E ainda assim, dá um certo aspecto particular. Ela ia de carro e pá, pá, pá! Ia se movendo por todo lado! Ía a Igreja, as embaixadas e falava com certas pessoas que tinham dinheiro e eram opositoras. Então foi esse um elemento que ela usou. Ela tinha o aparato do partido e depois do Congresso, e também, tinha uma posição social na alta sociedade. Não era uma mulher de origem popular e campesina... 370.

Desse excerto muitas analises poderiam ser feitas, desde a situação política dos partidos, pois Escobar vê no Partido Liberal Radical Autentico a ala mais interessante e opositora do período. Fazendo uma distinção do partido em um momento atual que pode ser considerado “desprestigioso”, já que foi envolvido em vários casos de corrupção, entre outros problemas. Escobar ressalta o prestígio do sobrenome e da

368 Aqui está falando da família Casco Miranda.

369 Tia de Carmen de Lara Castro, casada com José Félix Estigarribia.

370 ARGAÑA, Luis Manuel Escobar. (Tício Escobar). Entrevista concedida a

Tamy Amorim da Silva. Gravador Digital. 22/01/2015. Assunção, Paraguai. Acervo da autora, p. 9, GALEANO, Dionisio Gauto. Entrevista concedida a Tamy Amorim da Silva. Gravador digital. 19/01/2015. Assunção, Paraguai. Acervo da autora, p. 11-12.

autuação das pessoas que faziam parte dessa organização durante a ditadura stronista 371. Outro ponto importante são as cisões do Partido

Liberal, pois, foram vários os rachas ocorridos no partido, essas que são recordadas geralmente, são as que tiveram maior destaque na política ou que foram reconhecidas, mas tiveram outras, como o: Partido Liberal Unido, Partido Liberal Tetê. E evidenciam um jogo complexo e pouquíssimo estudado sobre as cisões e as tentativas de unir o Partido Liberal durante o regime stronista372.

O Partido Liberal Radical Autentico foi criado em 1978, e é considerado o mais opositor das outras correntes Liberales, pois colocou- se na oposição no sentido de não participar mais das eleições a partir de 1977. Ele foi formado a partir de várias cisões internas no Partido Liberal Radical. E Domingo Laino, Miguel Angel Martínez Yaryes, Carmen de Lara Castro e Carlos Alberto González foram a/os expoentes desse novo partido não reconhecido. Depois no ano de 1979, formaram o Acuerdo Nacional que congregou os partidos abstencionistas reconhecidos ou não pela Comisión Electoral, como: o Partido Febrerista, Movimiento Popular Colorado – MOPOCO – e Partido Democrata Cristiano 373.

371 Faço um adendo, já que essa é uma longa discussão dentro da historia política

paraguaia, para a questão do desprestígio, pois desde a década de 1940, quando o Partido Liberal é deposto do ambiente do poder Estatal sofreu vários ataques que, aliás, eram bastante comuns na imprensa que era opositora ao partido, chamando- os de legionários, de traidores e faziam alusão as tropas que se opuseram a Solano López durante a Guerra Tríplice Aliança desde a Argentina. Além disso, durante a presidência de Higinio Morínigo o Partido Liberal se tornou proscripto e muitos de suas/seus membros expulsas/os. E durante a ditadura, apesar de tolerado, o Partido Liberal era a oposição ao Colorado. Na década de 1980, o Partido Liberal Radical Autêntico, tornou- se um dos importantes partidos de oposição que buscou unir forças contra Stroessner, como, por exemplo, a congregação de vários partidos com o nome Acuerdo Nacional. Para saber mais: SOUZA, José Carlos. Op. Cit., 56-77, p.185-186, LEWIS, Paul. Op., Cit., p. 319- 405.

372 O autor Alfredo Boccia Paz, em seu dicionário do stronismo, traz uma tabela

com as diversas cisões do Partido Liberal que entre o ano de 1962 a 1979 foram de número de catorze divisões internas. PAZ, Alfredo Boccia. Op. Cit., 2004, p. 75.

373 Alguns livros que investigam o stronismo apresentam um panorama das cisões

dos partidos, mas não aprofundam suas análises, sendo esse um tema que merece novas investigações. Os trabalhos de Arditi, Brun e Lewis, já citados na dissertação, apresentam algumas características mais gerais sobre os partidos, principalmente o Colorado é o mais estudado, dado que foi o partido de Stroessner, porém não conheço trabalhos que tratem dos outros partidos nesse

Na narrativa, Carmen de Lara Castro é apresentada como a impulsionadora dos direitos humanos dentro do partido, além de parecer ter bastante autonomia dentro dele. A questão da alta origem social é recorrente em várias entrevistas e, como já foi mencionado nos capítulos anteriores, e é agregada a atuação política de Carmen de Lara Castro. A Comisión é situada então, como uma organização de pessoas da alta origem, não financeiramente abastadas, mas de prestígio, pertencentes à oligarquia política do Paraguai. Dentre as pessoas recordadas por Tício Escobar, vários personagens homens são enfatizados e conectados a seus partidos, mas, quando ressalta a questão do prestígio e reconhecimento de origem familiar, logo cita as mulheres que participaram da Comisión, enfatizando que esse foi um fenômeno estranho, quando trata das mulheres dessa organização.

Algo que chama atenção é quando se recorda de Maria Elena P. Echauri. Como alguém pode ser uma sombra de outra pessoa? A ideia de “sombra” asemelhasse como algo que permanece na inércia − que na fala de Escobar é entendida como algo quase natural− por quatro possíveis motivos: 1º- Uma pessoa que não quer aparecer publicamente, que atua no anonimato, 2º- Uma pessoa que segue outra, sem ter sua própria raiz de ação, 3º- Pessoa que está sob o amparo de outra, 4º- Pode apresentar, também, o entendimento de que Carmen de Lara Castro era a representante principal da Comisión, no sentido de ofuscar as outras pessoas que dela faziam parte, agindo como sombras entorno dela. No entanto, por que essa mulher é tratada como uma sombra?

A meu ver, os homens da Comisión também seriam sombras ofuscadas por Carmen de Lara Castro, visto que de modo geral, somente sua figura é ressaltada quando se trata da Comisión de Defensa de los Derechos Humanos, mas não são lembrados dessa forma enquanto sombras. As pessoas que foram destacadas como participantes dessa organização durante o texto aparecem principalmente nas memórias orais, até onde pude averiguar não são comumente citadas/os nos livros. O fato de estar com Carmen de Lara Castro, auxiliando seja nas visitas e no recolhimento de roupas e víveres para as pessoas presas, o que poderia ter sido uma ação de Maria Elena Perez Echauri, era uma ação importante dado que era um risco agir 374 mesmo que estivesse na “sombra da outra”,

período abordado. Para saber sobre esses partidos, indico o livro de Paul Lewis: LEWIS, Paul. Op. Cit., 1986, p. 319- 415.

374 Possivelmente, por ser uma pessoa de “alta origem” não sofreria abusos

advindos da repressão da mesma forma que uma pessoa vinda do campo, ou uma pessoa da classe trabalhadora, ou de alguma etnia indígena.

nesse sentido o termo sombra parece amenizar a participação dessa mulher na Comisión.

A reflexão de Tício Escobar infere que a origem de Carmen de Lara Castro, foi uma facilitadora para buscar alianças na luta pelos direitos humanos e para o arrecadamento de fundos econômicos. O fato de ser deputada nacional, também com imunidade política e destaque em seu partido, já que era a única mulher, naquele período de 1968-1973 a conquistar um cargo parlamentar pelo Partido Liberal Radical, também desperta para essa relação de alianças entre “pessoas de peso”. Como Escobar atenta, Carmen de Lara Castro não era uma mulher de “origem popular”, sua posição social, certamente favoreceu sua agência. É relevante perceber que não eram só as mulheres as pessoas com “sobrenome” importante, mas a maioria das pessoas que participaram dessa organização375, até mesmo ele, Tício Escobar Argaña e sua mãe,

Rosalba Escobar Argaña eram/são pessoas reconhecidas pelo sobrenome. Destaco ainda, que é interessante a relação que ele fez da participação dessas mulheres na Comisión como um “fenômeno estranho”, pois eram mulheres de classe alta realizando ajuda as pessoas presas. Porém, pensando na atuação das mulheres, principalmente as de elite, era consideravelmente normal a ação delas em organizações de caráter caritativo, pois, desde final do século XIX em Assunção, foram organizadas comissões e instituições de amparo a pessoas necessitadas. Claramente que a situação aqui se modifica, pois, a Comisión era vista pela polícia como um grupo de subversivas/os contra o regime o que torna a presença e atuação de mulheres da elite como um “fenômeno estranho”.

É fulcral pensar nessa Comisión e suas articulações pessoais, regionais e internacionais, para compreender as memórias acerca de Carmen de Lara Castro, já que muitas pessoas entrevistadas participaram dessa organização e/ou foram auxiliados de alguma forma por ela. Importante também é conhecer o contexto histórico em que emergiu para continuar a exposição sobre o funcionamento da Comisión. Essa organização existiu nas duas casas em que Carmen de Lara Castro residiu durante sua vida e isso ocorreu até sua morte em maio de 1993. Primeiro em uma casa da Rua Nustra Señora de Asunción, número 870, no centro de Assunção, bastante próxima aos centros de detenção e tortura como a

375 Seria necessário realizar um estudo sobre cada família para reforçar seus