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PARTE I OS MOVIMENTOS MIGRATÓRIOS E OS QUADROS ALTAMENTE QUALIFICADOS: PROBLEMAS

CAPÍTULO 3 AS MIGRAÇÕES E A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO: NOVAS DINÂMICAS TERRITORIAIS E

O estudo que realizámos nos capítulos anteriores, acerca dos novos conceitos e das teorias explicativas do fenómeno migratório, adquire maior relevo se tivermos em conta as realidades contemporâneas. Apesar de sabermos que, normalmente, o observador tem dificuldade em compreender o presente e tende a simplificar o passado, é provável que o fenómeno migratório apresente, com o tempo, um crescendo de complexidade. A mobilidade, no seu sentido territorial estrito, é, como vimos, uma tendência milenar das sociedades humanas. Mas, na opinião de muita da bibliografia sobre o tema, as suas formas primeiras são mais elementares do que as actuais - trate- se dos sentidos geográficos envolvidos, tipo de ocupação do espaço, frequência da mobilidade (não considerando movimentos como o nomadismo), condicionalismos à decisão, etc.. Neste capítulo, iremos observar algumas das formas mais recentes dos fenómenos migratórios, no que respeita às suas modalidades inter-regionais e internacionais e ao esbater de algumas das linhas teóricas que têm regido a sua compreensão. Iremos recorrer, para o seu estudo, aos vários contributos teóricos expostos anteriormente.

1 - As Migrações Inter-Regionais: Formas Espaciais, Espaço Produtivo e Mobilidade

1.1 - Polaridades Regionais e Urbanas e Formas de Mobilidade

No seu sentido tradicional, podemos admitir que os movimentos migratórios inter-regionais apresentaram alguma simplicidade. Se considerarmos, para facilidade de raciocínio, as deslocações típicas do início das sociedades industriais, é possível aceitar um conjunto de proposições. Em primeiro lugar, os sentidos geográficos envolvidos nas deslocações não eram muito variados. No plano das deslocações inter- regionais (interiores ao perímetro dos Estados-nação), o movimento predominante era de sentido rural-urbano e fazia gravitar os migrantes em torno de um conjunto de “pólos” de desenvolvimento. A coincidência entre “cidade” e “indústria” nos primórdios da industrialização (cf. Claval, 1981) facilitou esta concentração. A unilateralidade dos movimentos geográficos da população ficou demonstrada, desde então, pela monotonia teórica do fenómeno do “êxodo rural”. Em segundo lugar, as mudanças territoriais eram pouco frequentes (e as permanências duradouras); exceptuando alguns grupos

profissionais mais móveis, o custo (económico e psíquico) da deslocação prejudicava a sua multiplicação. Para além de uma escassa mobilidade de média e longa distância, os agentes sociais relacionavam-se quotidianamente com um espaço geográfico reduzido; os “espaços de vida” (ou regularidades do espaço-tempo individual) alargavam o território de cada um, mas sempre em limites geográficos estreitos. Em terceiro lugar, o facto de as deslocações envolverem, normalmente, fortes rupturas de laços sociais, dada a diferença existente entre meios “urbanos” e “rurais” e a variedade das economias e modos de vida regionais (cf. Claval, 1987), introduzia maiores restrições a uma mobilidade frequente, dado o tempo necessário à integração. Em quarto lugar, a maioria das mudanças territoriais assentava em decisões “de risco”. As forças “macro” da mudança cruzavam-se com um conjunto de decisões individuais e familiares para promover a migração, mas sem existir apoio formal de instituições e havendo necessidade de procura de novo trabalho; eram os agentes individuais quem, isoladamente ou com o apoio de redes informais, tomava a responsabilidade do movimento, sem garantia de integração no destino.

Se considerarmos os movimentos actuais, todos aqueles enunciados estão postos em causa - pelo menos se nos colocarmos do ponto de vista dos países mais desenvolvidos. Em primeiro lugar, as deslocações rural-urbano, ou gravitando em torno de um pólo, foram substituídas por uma maior descaracterização territorial, dada a urbanização generalizada das sociedades (nos vários sentidos em que queiramos definir este termo) e a multidireccionalidade dos fluxos. Em segundo, as mudanças territoriais tendem a ser mais frequentes, se não no sentido de deslocações permanentes, pelo menos de movimentos pendulares, temporários ou “circulatórios”. Em paralelo, os territórios individuais são alargados e tendem a identificar mais de um “local” de uso quotidiano (habitualmente, um de residência e outro de trabalho). Em terceiro, a “ruptura” dos meios de vida passa a ser menos sentida, dada a homogeneização dos “conteúdos” espaciais (de que muitas deslocações migratórias de tipo “inter-urbano” são exemplo) e o menor impacto das distâncias. E, finalmente, o aumento de dimensão das organizações (públicas ou privadas) e a multiplicação dos seus pontos de apoio espaciais fizeram com que muitas deslocações passassem a ocorrer no interior de “carreiras” organizacionais, em lugar de se submeterem aos habituais riscos da decisão individual (apesar da recente diminuição dos movimentos deste tipo). Daqui que a definição de diferentes modalidades (ou tipos) de migrações se torne premente e que o estudo das causalidades (micro ou macro) dos movimentos seja mais difícil de estabelecer.

(a) As Dinâmicas Regionais e Urbanas

Atentemos, antes de mais, nas polaridades espaciais dominantes nos últimos anos e nos movimentos migratórios a elas associados. Colocando a discussão numa escala territorial ampla - de forma a poder abstrair de movimentos residenciais de natureza intra-urbana, como a suburbanização -, a interpretação clássica das migrações assentou na ideia de “urbanização”. Por outras palavras, as migrações estiveram ligadas, durante muito tempo, a uma lógica “centrípeta”, dirigindo-se das zonas rurais para um número restrito de pólos (urbanos e industriais) de desenvolvimento. Os factores causais destas deslocações motivaram, em larga parte, as teorias clássicas: o diferencial de rendimentos existente nas várias regiões; os níveis de emprego e desemprego (marcados, adicionalmente, pela progressiva diminuição dos activos rurais e aumento dos activos do secundário e, posteriormente, terciário); as economias de escala e de aglomeração nos pólos de desenvolvimento; a atracção pelo “modo de vida” urbano, etc.. A lógica territorial condicionou, neste aspecto, tanto migrantes como actividades económicas: a concentração progressiva em cidades (e o aumento de dimensão destas, transformando-se em metrópoles) resultou de um círculo virtuoso de florescimento económico e atracção de nova força de trabalho - que significou, simultaneamente, um mercado de consumo e agentes de inovação 44.

A “urbanização” e, em particular, a tendência progressiva para a concentração demográfica através de migrações, começou a ser posta em causa nas últimas décadas. Um dos desafios mais importantes surgiu com as teorias da “contra-urbanização” (counter-urbanization ou urban turnaround). Estas surgiram em meados dos anos 70, nos EUA, com Berry (1976) e indicavam o contraste evidente com o movimento maciço de concentração geográfica da população até aí existente. No essencial, afirmavam que se verificava alguma inversão das tendências espaciais: a tendência crescente para a aglomeração populacional nas maiores áreas metropolitanas parecia ter um fim, enquanto se estabelecia um movimento dirigido a pequenos e médios centros urbanos. Nos termos dos seus autores, assistia-se a um decréscimo da "dimensão, densidade e heterogeneidade" no espaço (id., ibid.: 17) - noção que contrastava deliberadamente com os termos de Wirth acerca da expansão urbana (cf. Ferreira, 1992) - ou uma correlação negativa (até então inédita) entre a dimensão dos aglomerados e a migração líquida (Fielding, 1982: 18-9).

44 A diferença teórica entre “migrações” e “urbanização” é apresentada, por exemplo, na tipologia de

A teoria não postulava a alteração absoluta das tendências "urbanas". De facto, em primeiro lugar, continuava a afirmar o processo de esvaziamento de várias áreas "rurais"; os fluxos migratórios, se bem que não tão concentrados, não se repartiam homogeneamente pelo território (Fielding, 1982: 16; Courgeau, 1984b: 71). O facto de certas zonas não verem alterada a tendência para o despovoamento eliminava, assim, a figura do “regresso aos campos”. Em segundo lugar, a teoria reconhecia uma dúvida importante. Dada a progressiva ampliação do raio de acção das áreas metropolitanas, podia bem acontecer que a diminuição dos fluxos migratórios para os centros metropolitanos (as grandes cidades) e o fluxo simultâneo para pequenos e médios centros não fosse senão a continuação, numa malha mais larga, do processo de "suburbanização". Neste caso, não seriam já os "subúrbios" da grande cidade a atrair a população - como aconteceu no processo clássico de "urbanização" -, mas pequenos e médios centros, relativamente afastados geograficamente, mas que gravitavam em torno do grande centro urbano - e se situavam no interior da mesma área metropolitana, ou na sua área próxima de contacto (Berry, 1976: 21; Fielding, 1982: 17). Os autores consideravam, no entanto, que a "contra-urbanização" ultrapassava este fenómeno: o crescimento de certas aglomerações interligadas às maiores áreas metropolitanas era apenas uma das suas facetas, que não excluía o desenvolvimento de áreas antes periféricas 45.

A lista de factores causais apontados por esta teoria atribuiu-lhe, durante os anos 70 e grande parte dos anos 80, grande verosimilhança. Algumas razões de desconcentração populacional (e inversão migratória) apresentaram, de facto, confirmação empírica generalizada: estiveram neste caso as deseconomias de escala e aglomeração nos maiores centros urbanos (incluindo problemas de tráfego e congestionamento, preços do solo e mão-de-obra); a melhoria dos meios de transporte e comunicação (o que permitia a vitalidade de regiões menos “centrais”); a reestruturação económica, com maior disseminação dos estabelecimentos produtivos pelo espaço (ver à frente); as políticas de apoio a regiões e localidades menos desenvolvidas (incluindo o melhoramento das infra-estruturas e a criação de emprego); os problemas sociais nas maiores cidades (incluídos na noção mais ampla de perda de “qualidade de vida”); e as alterações nas preferências residenciais (sobretudo de adultos e idosos) - entre outros factores (cf. Champion, 1989: 236-7 ou 1992: 474) 46.

45 A distinção teórica entre os dois fenómenos foi, aliás, feita na teoria do "ciclo de vida urbano",

desenvolvida por Berg et al. (1982). Segundo eles, a 3ª fase do ciclo de vida, a "desurbanização", caracterizada pela diminuição populacional tanto do centro urbano como dos seus subúrbios, opunha-se teoricamente à 2ª fase, a "suburbanização", onde apenas os subúrbios cresciam (id., ibid.: 34-40).

46 A teoria da "contra-urbanização" foi aplicada a vários países. Começou pelos países mais desenvolvidos:

Em meados dos anos 80 regressou-se, entretanto, à ideia original de "urbanização", com o acentuar dos processos de “renascimento urbano” (urban revival ou “regeneração urbana”). Ultrapassados os principais problemas das economias mundiais dos anos 70, assistiu-se a uma nova revitalização dos grandes centros metropolitanos, com algum regresso às tendências migratórias tradicionais (cf. Nam et

al., 1990; Champion, 1991 e 1992; Serow e Sly, 1991; Pumain e Faur, 1991; Pumain e

Courgeau, 1993; Thumerelle, 1991a e 1991b; Frey, 1993; Fielding, 1994a e 1994b). O florescimento de actividades económicas foi o primeiro sinal da revitalização. As modernas actividades terciárias, com associação directa às novas tecnologias (incluindo actividades financeiras e outros serviços às empresas), são a imagem mais divulgada deste sucesso; o terciário desqualificado (incluindo muitos serviços pessoais) e as actividades de construção, ambos muitas vezes em regime de economia informal, são o reverso do crescimento (Sassen, 1991, 1994a e 1994b). O aumento dos fluxos migratórios para as cidades (e alguma desaceleração das saídas) foi o resultado deste fenómeno; simplesmente, a selectividade dos fluxos foi muito acentuada e foram sobretudo grupos sociais de “topo” (que alimentaram o processo de gentrification e o das novas habitações de luxo) ou muito desqualificados (que preencheram os ghettos e reforçaram o dualismo urbano) os atraídos (sobre os processos recentes de reorganização do espaço, ver ainda Castells, 1985 e 1989; Gaspar, 1992; ou Hall, 1993). As teorias sobre as novas formas territoriais realçaram, também, o papel dos núcleos urbanos intermédios e das “redes espaciais” (cf. Ferrão, 1991 e 1992; Ferrão et

al., 1994; Fielding, 1994b: 694-8). No caso da organização do espaço, esta última noção

foi particularmente inovadora, por agrupar na mesma realidade territorial localidades separadas, por vezes distantes, com interacção frequente. O aumento das possibilidades de interacção à distância foi o critério técnico da sua existência; a modificação das formas de produção regional ligou-se, como veremos, ao seu surgimento. A ideia das “redes” tem sido aplicada tanto ao alargamento de dimensão do domínio metropolitano como a “complexos de produção territorializados” detentores de alguma autonomia. A noção de “arquipélagos urbanos”, com interligação em rede

positiva” entre migração líquida e dimensão dos aglomerados, ou densidade populacional), "(...) cessou na maioria dos países da Europa Ocidental no período 1950-80" (Fielding, 1982: 13). O conceito foi, ainda, aplicado com algum sucesso ao Japão e Austrália (para um conjunto alargado de estudos de casos, ver Champion, 1989). A aplicabilidade do conceito a sociedades de desenvolvimento intermédio ou menos desenvolvidas foi, no entanto, reduzida - o que demonstra a variação das formas de organização do espaço consoante os contextos nacionais. Segundo Fielding (1982: 13), os países europeus que constituíram excepção à regra foram a Espanha, Portugal e a Irlanda (no mesmo sentido é acrescentada, muitas vezes, a Grécia), onde se terá verificado uma urbanização “tardia” (acerca da especificidade da Europa do Sul, que pode residir também na natureza do "facto urbano", ver Salcedo, 1991). Nos países menos desenvolvidos a teoria não encontrou correspondência, dado o prosseguimento de razões “endógenas” (crescimento natural) e “exógenas” (migratórias) de crescimento urbano.

(nacional ou internacional) de núcleos de dimensão variável (e maior complementaridade, ou segmentação, do que hierarquia funcional no espaço) (Ferrão, 1991 e 1992); ou a dos “sistemas produtivos locais” (Reis, 1992) - inserem-se ainda neste conceito.

A incerteza em relação às formas territoriais dominantes no futuro e ao tipo de polaridades migratórias associadas é elevada. A “urbanização” (concentração espacial de populações) apresenta feições contraditórias. Se, de um certo ponto de vista, é uma realidade em declínio, dados os custos associados a uma inserção urbana, tem-se revelado, por outro lado, pujante - embora o seu ritmo de crescimento seja menor e o seu “conteúdo” (económico e sociológico) diverso. A teoria do “ciclo de vida urbano”, que admite um ciclo de “reurbanização” posterior à “desurbanização” é uma possibilidade de saída teórica para este problema (Berg et al., 1982). Em alternativa, e talvez com vantagem, podemos aceitar uma ideia de contingência. Mais do que uma evolução (determinista) por etapas seria a possibilidade de se adoptarem várias formas espaciais o que caracterizaria as novas sociedades. Neste caso, cada contexto urbano estaria regularmente colocado perante encruzilhadas, onde tomaria uma saída particular - promoção a “cidade mundial” ou inserção numa rede de pólos intermédios, por exemplo. Utilizando uma analogia com a análise das biografias individuais (ver capítulo 2), seria um “curso de vida urbano”, mais do que um “ciclo de vida urbano”, aquilo que estaria em causa.

Provavelmente, as principais polaridades migratórias não serão hoje de tipo “rural/urbano”, ou aglomerações de média/grande dimensão, mas de tipo regional. Escreve Fielding:

“Em princípios da década de 80 (...) a característica predominante (...) foi a diminuição das tendências no sentido da contra-urbanização surgidas na década anterior. (...) para a grande maioria dos países, não nos é possível discernir nenhuma associação significativa entre a migração líquida e a densidade populacional. Note-se, contudo, que isso não implica a inexistência de um padrão espacial dos valores relativos à migração líquida; em quase todos os países, a década de 80 ficou marcada pela substituição do padrão de redistribuição urbano-rural por um outro de carácter regional mais amplo, cuja característica principal foi o facto de a grande maioria de aglomerados populacionais (independentemente do tamanho) duma dada região terem registado ganhos resultantes de migração líquida, enquanto noutra região ocorriam perdas provocadas pela migração” (Fielding, 1994a: 299).

Ou, por outras palavras, “em lugar da contra-urbanização relativamente não selectiva de princípios dos anos 70, assistimos (...) ao aparecimento de um padrão rural de ganhos migratórios líquidos assente numa clara especificidade regional” (id., ibid.: 299) - sem prejuízo do crescimento das cidades de maior dimensão, devido ao desenvolvimento das actividades terciárias modernas (id., ibid.: 303) (sobre esta

perspectiva, cf., também, Pumain e Faur, 1991 e Thumerelle, 1991a e 1991b). Independentemente dos impasses teóricos existentes, os fluxos migratórios inter- regionais apresentam hoje grande multidireccionalidade, sendo bastante mais complexos do que os revelados pelas teorias tradicionais.

(b) As Formas de Mobilidade

Para além da modificação das polaridades espaciais, as migrações inter- regionais adquiriram, com o tempo, outros atributos inéditos. Verificou-se, progressivamente, um aumento da mobilidade territorial de pequena escala e, em menor grau, de escala mais ampla, com recurso a deslocações de tipo pendular ou temporário. Este facto está relacionado com o alargamento dos espaços de vida individuais ou, noutros termos, com a multiplicação dos cenários territoriais de interacção, incluindo a separação dos locais de residência e trabalho. O aumento da capacidade de mobilidade dos indivíduos é uma primeira explicação para este facto. Tal resultou da melhoria dos meios de transporte e comunicação e, genericamente, da “convergência de espaço- tempo” que caracteriza as sociedades modernas. Nos termos que servem de base a esta última noção, ela significa a contracção da distância em relação ao tempo necessário para o movimento entre diferentes locais (cf. Giddens, 1989: 92); na prática, esta realidade permitiu o alargamento funcional dos “centros urbanos” e uma alteração da relação dos agentes com o espaço. Tal como vimos no primeiro capítulo, a existência de “mobilidade” sem “migrações” pode ser exemplificada nestes movimentos, quando os indivíduos adquirem o domínio rotineiro de um território cada vez mais vasto. Se procurarmos outro tipo de explicações (de cariz não “tecnológico”), veremos que a disseminação das actividades produtivas no espaço (a analisar no ponto seguinte) obrigou, em larga medida, a um número crescente de deslocações deste tipo.

As deslocações inter-regionais de natureza “permanente”, implicando mudança de residência entre regiões distantes, parecem, em contrapartida, ter diminuído acentuadamente nos países mais desenvolvidos. Se consultarmos diversos textos sobre o tema, a ideia que permanece é a do declínio das migrações (movimentos inter- regionais clássicos) face ao aumento da mobilidade residencial (sobretudo intra- urbana). Tal evidência tem sido encontrada, desde o final dos anos 70, em vários países desenvolvidos - apesar de por vezes se indicar um ligeiro acréscimo dos movimentos inter-regionais no final dos anos 80 (cf. Nam et al., 1990: 10; Fielding, 1994a: 302) 47.

47 A tendência de declínio dos movimentos inter-regionais é ainda indicada em Thumerelle (1991a: 14ss e

1991b: 9) e Pumain e Courgeau (1993), para a França; ou Savage (1988: 565) e Green (1992), para o Reino Unido (apesar de Green referir “tendências contraditórias” neste campo).

Se abstrairmos do efeito das fases conjunturais de expansão ou recessão, as principais explicações para a reconversão das formas de mobilidade territorial são a alteração da divisão regional do trabalho, que não exige tão volumosas transferências entre mercados de trabalho (Fielding, 1994a); a diminuição do peso das grandes organizações multirregionais, que levou ao declínio relativo da mobilidade no âmbito de “carreiras” (Savage, 1988) (sobre estes pontos, ver à frente); a capacidade de mobilidade, permitindo iludir a necessidade de migrações; o maior peso das famílias com “dupla carreira”, que dificultam a mudança de um dos activos e estão na base da preferência por grandes regiões urbanas (Salt, 1990b: 67); e o menor ritmo de crescimento demográfico (redução da pressão demográfica e envelhecimento da população), que diminui a propensão à mobilidade - a par de uma eventual mudança de atitudes em relação à mobilidade permanente (Salt, 1990b: 66-7).

Este tipo de evolução parece adequar-se, em larga medida, à teoria de Zelinsky (1971). Segundo este autor verifica-se, com o tempo, uma “transição de mobilidade”, paralela aos processos de desenvolvimento económico e de “transição vital” (crescimento fisiológico da população). Ao longo de cinco fases, passa-se de uma época de migrações internacionais e internas de tipo rural-urbano (o “êxodo rural” clássico), para uma migração e “circulação” de natureza inter e intra-urbana e, posteriormente, para uma comunicação na ausência de deslocações 48. No período recente, a circulação

(deslocações no interior de um perímetro cada vez mais amplo, sem mudança de residência) substitui, primeiro, as “migrações” clássicas, devido às novas tecnologias de transporte; depois, a própria circulação é substituída pelos “sistemas de comunicação”, devido às novas tecnologias de comunicação: as “viagens são tornadas redundantes pela transmissão mais eficiente de mensagens com objectivos de negócios, sociais e educacionais” - escreve (cf. id., ibid.: 231-2).

Podemos criticar ao autor o evolucionismo simples da sua teoria. Se o paralelismo com a “transição demográfica” pode aparentar alguma plausibilidade, o determinismo económico e tecnológico nela implícitos são bastante problemáticos. Adicionalmente, algumas das suas teses não foram validadas empiricamente: a ideia de que as migrações internacionais declinariam na contemporaneidade, substituídas pela

48 Os “estádios” (ou fases) da transição são cinco: (I) sociedade tradicional pré-moderna; (II) transição inicial;

(III) transição madura; (IV) avançada; e (V) sociedade futura “super-avançada” (Zelinsky, 1971: 230-1 e 234ss). Com a evolução das fases, variam as “formas de mobilidade” espacial: as migrações internacionais atingem o seu auge nas fases II e III e diminuem posteriormente; as “migrações de fronteira” (internas) têm um comportamento semelhante, para se anularem no final; a migração rural-urbana atinge o seu auge nas fases III e IV e quase se anula na actualidade; a migração inter e intra-urbana está sempre em aumento, com o grande impulso a ocorrer na fase III, registando depois um crescimento moderado; a “circulação” está, também, em permanente aumento (com um grande impulso na fase IV). Por seu lado, a “migração potencial” absorvida pela circulação está, desde a fase III, sempre em crescimento, como acontece com a “circulação potencial” absorvida pelos sistemas de comunicação.

circulação, tem sido desmentida de forma sistemática (cf., por exemplo, Castles e Miller,

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