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CAPÍTULO I – A EXPANSÃO CAPITALISTA E O PROCESSO

1.2 As mobilizações coletivas e suas agendas de luta

1.2.1 As mobilizações iniciais

A cidade constitui a forma do encontro e da conexão de todos os elementos da vida social, desde os frutos da terra até os símbolos e as obras denominadas culturais. Na lógica de apropriação dos espaços públicos, a cidade, como produto apropriado de formas diferentes por seus habitantes, mostra-se como é: um espaço contraditório, lugar de conflitos permanentes, renovados, lugar de silêncio e dos gritos, “o conflito não aparece sempre nem é dito. Evita-se falar dele e torná-lo manifesto. Mas ele está aí, constante, latente, implícito” (LEFEBVRE, 1991, p. 87). Diante desse quadro, só resta à população lutar para que bens como saúde, educação, moradia, emprego, segurança, entre outros, que são de natureza pública, cheguem a toda a população, garantindo a esses sujeitos o direito de usufruir dos serviços que são direito de todos.

É nesse contexto de necessidades que as lutas urbanas se desenvolvem na luta por uma cidade mais igual, onde todos possam gozar de direitos; na construção de mecanismos que possibilitem a participação de todos no cenário político e social. Segundo Lefebvre

(1991), para o morador, “a cidade é para viver (…) é um espaço de vida, de moradia, de trabalho, de transporte, de escola para os filhos, de convivência, de lazer” (LEFEBVRE, 2009, p. 116-117). Ou seja, o espaço da cidade é para ser usufruto de toda a população, proporcionando qualidade de vida e cidadania. Em termos concretos, propiciando o acesso e o exercício dos direitos fundamentais, instituídos na Constituição de 1988.

Como analisa Lefebvre, o espaço da cidade pertence a todos os cidadãos, independente de classe, gênero, cor, credo, etc., trata-se do espaço público, no qual, o morador deve viver com dignidade, ou seja, tendo seus direitos fundamentais garantidos. Apesar do desenvolvimento do capitalismo, observa-se, porém, que uma grande parcela da população urbana continua sem acesso a bens e serviços básicos, vivendo em condições precárias.

Com o desenvolvimento do capitalismo na sociedade brasileira, a questão urbana se instala ante as novas necessidades impostas à reprodução da força de trabalho e a política urbana de produção e consumo, dando prioridade às metas da expansão produtiva em detrimento dos serviços de atendimento às necessidades da população. A questão urbana perpassa como manifestação da questão social que nos escritos de Iamamoto (2008) é indissociável da sociabilidade capitalista. Segundo a autora:

A gênese da questão social na sociedade burguesa deriva do caráter coletivo da produção contraposta à apropriação privada da própria atividade humana, o trabalho. Condensa o conjunto das desigualdades e lutas sociais, produzidas e reproduzidas no movimento contraditório das relações sociais [...]. Ela expressa uma arena de lutas políticas e culturais na disputa entre projetos societários, informados por distintos interesses de classe na condução das políticas econômicas e sociais, que integram tanto determinantes históricos objetivos que condicionam a vida dos indivíduos sociais, quanto dimensões subjetivas, fruto da ação dos sujeitos na construção da história (IAMAMOTO, 2008, p. 1560).

Nesse quadro, crescem as reivindicações e as mobilizações nucleadas pela carência de serviços públicos. Esses movimentos motivados pelas lutas urbanas enquanto expressão de necessidades sociais não atendidas, se organizam em um campo de conflitos provocando transformações urbanas que foram fundamentais para uma gestão democrática da cidade. Para Gohn (1991, p. 34), “os movimentos sociais urbanos propriamente ditos assim devem ser qualificados por conter uma problemática urbana, que tem a ver com o uso, a distribuição e a apropriação do espaço urbano”.

Na década de 60, o processo de industrialização e urbanização no país provoca uma crise devido ao acelerado crescimento industrial e à formação do espaço urbano, que cresce de forma desordenada em consequência das migrações do campo para a cidade. Nesse contexto, surgem as reivindicações pelas “Reformas de Base” sobre os principais problemas nacionais – como a questão agrária, a educação e o desenvolvimento nacional - debatidos sob uma intensa politização das iniciativas públicas, estendendo o processo de discussão à questão urbana e habitacional. Introduzem-se temas, abordagens e propostas novas, de tendência claramente progressista, que colocam pela primeira vez em pauta a reforma urbana, colocando em pauta a grave crise de moradia que afeta as cidades brasileiras. Contudo, um golpe militar interrompe as perspectivas políticas e reformistas apontadas aos problemas dessa época.

A nação, fazendo com que a área econômica do país crescesse rapidamente, avança e estrutura a base de infra-estrutura, porém, os empréstimos financeiros gerados pelo capital internacional geraram dívida para os modelos econômicos brasileiros, o que custou muito caro à população. Por outro lado, o desenvolvimento econômico não se fez acompanhar do desenvolvimento social inibindo a promoção da equidade social, a redução das diferenças regionais e setoriais, como formas de criar um enfoque integrado do desenvolvimento.

A década de setenta constitui um marco para os movimentos sociais urbanos na luta pela redemocratização do país e pela melhoria das condições de vida e de trabalho da população brasileira.

Com a redemocratização cresce o movimento social urbano, surgem inúmeras organizações não-governamentais, a criação de Conselhos comunitários, além de uma diversidade e pluralidade de projetos, estratégias, temáticas e formas organizacionais. Materializam-se novas formas de estruturação e de mobilização, embasadas na criação de redes, articulações setoriais, regionais e nacionais. Nessa década, o movimento aprofunda a interlocução com o Estado, tanto no sentido da regulamentação de dispositivos constitucionais, quanto no sentido da implementação de políticas públicas que levem em conta a perspectiva de equidade. Surgem os “novos” movimentos sociais com a perspectiva de uma nova política organizacional preocupada em assegurar direitos sociais.