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As mudanças na produção imobiliária brasileira

3. O SENTIDO DAS OCUPAÇÕES DA IZIDORA NA DINÂMICA IMOBILIÁRIA BELO-

3.1. Uma introdução teórica

3.1.4. As mudanças na produção imobiliária brasileira

Em qualquer época e em qualquer lugar, a sociedade, em sua própria existência, valoriza o espaço. O modo de produção entra aí, portanto, não como panacéia teórica, mas como mediação particularizadora (...) Cada modo de produção terá, assim, o seu modo particular de valorização (MORAES; COSTA, 1984 [1993] p. 122).

A redução do percentual de participação do setor industrial no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro iniciado nas décadas de 1980 e 1990 é um dado relevante para nosso construto teórico. O ramo da transformação do setor industrial experimentou uma redução da participação brasileira no total da produção na América Latina, que era de 33% nos anos 1980 e diminuiu para 14,6% em 2011 (Cano, 2012). Esse processo de desindustrialização que se consolida sob a égide do neoliberalismo e corresponde à mudança da hegemonia do capital industrial para o financeiro no Brasil.

Para entendermos a complexidade do que vem sendo chamado de financeirização da produção imobiliária, é preciso fazer uma breve pontuação da dinâmica da construção civil brasileira. Rufino mostra como o Estado atuou decisiva e profundamente neste processo:

No Brasil, a convergência do capital financeiro à produção imobiliária acontecerá principalmente a partir de finais da década de 1990, quando são realizadas mudanças nas estruturas de financiamento ao setor, e será reforçada com a recuperação das fontes tradicionais de financiamento imobiliário no país. As mudanças no financiamento do setor imobiliário tiveram no Estado sua estrutura de apoio central, seja por sua forte atuação no sentido de adequar o marco regulatório da política imobiliária considerando a criação de sucessivos mecanismos financeiros e alterações de normativas, seja pelo conjunto de esforços e reformas na organização dos principais fundos de financiamento imobiliários que, beneficiados pelo crescimento econômico do país, passam apresentar expressiva recuperação a partir de 2005. O Estado, ao oferecer capital desvalorizado como financiamento, assegura condições privilegiadas para valorização do capital investido na produção imobiliária. (RUFINO, 2012. p. 51)

As mudanças no financiamento imobiliário impulsionam o movimento de migração de capital financeiro para o setor. Um de seus pilares é a ampliação do sistema de crédito e sua inserção na rede das finanças globalizadas. Essa reconfiguração das frações do capital nos setores da construção civil, incentiva a criação das incorporadoras, a forma de organização empresarial que melhor expressa o novo período da urbanização dependente brasileira.

Uma das diferenças para o período anterior, o da industrialização, se faz perceptível em sua importância: desde a época do BNH até finais da década de 1990, o mecanismo de crédito que detinha a centralidade na provisão imobiliária do país era o Sistema Financeiro Habitacional (SFH). Foi essa principal política a amparar a construção de moradias no Brasil (FIX, 2011).

As origens do SFH devem ser buscadas em no ano de 1964, quando o regime militar remodela a política de habitação, criando o Plano Nacional da Habitação e seu órgão gestor, o BNH. Sua vigência vai até o ano de 1986, quando, em crise financeira, é extinto e substituído pela Caixa Econômica Federal, agência que passa a ser a responsável pela administração do crédito habitacional (RUFINO, 2012).

Ainda no princípio da década de 1990 o processo de financeirização da produção habitacional brasileira começa - com a criação de instrumentos de créditos vinculados ao mercado de capital - a se consolidar. O surgimento de novos mecanismos vinculados aos mercados de capitais, como os Fundos de Investimentos Imobiliários (FII’s, datados

de 1993) e as Carteiras Hipotecárias, de 1994, são o prenuncio da instituição, em 1997, do Sistema Financeiro Imobiliário (SFI)28(RUFINO, 2012).

A hegemonia que o capital financeiro passa a exercer sobre a produção imobiliária se expressa com vigor ainda maior depois da virada para o século XXI. Além de ser o período onde começou o processo de abertura de capital das grandes incorporadoras29, a década passada foi marcada também pela elaboração de uma lei para estreitar as relações do capital financeiro no ramo imobiliário:

“O avanço da financeirização do setor foi ainda reforçado em 2004, com a aprovação da Lei n. 10.931, conhecida como a “Lei do Patrimônio de Afetação”, que visava suprir lacunas para o pleno funcionamento do SFI e diversificar os títulos de crédito disponíveis. A lei trouxe para além do Patrimônio de Afetação, os institutos da Alienação Fiduciária e do Valor do Incontroverso. No “Patrimônio de Afetação” cada empreendimento é isolado, tornando-se uma unidade contábil, independente dos ativos da empresa construtora e incorporadora (...)” (RUFINO, 2012, p. 115).

Ressalta-se que todos esses esforços tinham como objetivo “criar no Brasil um sistema de securitização de hipotecas semelhante ao existente nos Estados Unidos” (CARDOSO; ARAGÃO, 2013, p.26). A partir de 2005, o setor imobiliário, cada vez mais imbricado aos mecanismos e instrumentos de financeirização, experimenta, sob a tutela e direção do Estado, um amplo processo de reestruturação, que envolve subsídios como grandes valores públicos e implica na concentração e centralização em algumas empresas do setor.

A crise econômica de 2008, que tem seu início com o estouro da bolha imobiliária nos Estados Unidos, força o estado brasileiro a promover uma política expansionista e anticíclica e que tem como uma de suas manifestações o PMCMV. Lançado em março de 2009, o Programa consolida o rearranjo da produção imobiliária financeirizada, articulando diversas agências e órgãos do estado brasileiro sob o protagonismo do setor empresarial (CARDOSO; ARAGÃO, 2013).

28O SFH é complementado por esse novo sistema, o SFI, cujas inovações no ramo crediário fortalecem a fração financeira do capital. As engrenagens financeiras são lubrificadas por instrumentos como a Cédula de Crédito Imobiliário (CCI), a Letra de Crédito Imobiliário (LCI) e o Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI).

29 “O dia 21 de setembro de 2005 é emblemático na história das incorporadoras. A abertura de capital da Cyrela Brazil Realty foi o início de um processo de corrida das empresas do setor em direção à bolsa. Desde então, outras 20 companhias já passaram a negociar seus papéis no pregão.” In: Revista Construção Mercado.