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APÊNDICE V RESULTADOS DA AVALIAÇÃO DA SESSÃO DE FORMAÇÃO

4. AS NECESSIDADES ESPIRITUAIS DA PESSOA DOENTE

A primeira etapa no planeamento do cuidado espiritual para um doente é avaliar as necessidades espirituais. Estas manifestam-se em qualquer período da vida, nomeadamente no período de doença, uma vez que as mudanças no estatuto, papel e padrões de vida, constituem uma adaptação deveras difícil e podem sofrer alterações, podem surgir novos interesses espirituais, daí que é necessário uma avaliação contínua das mesmas.

Perante a doença muitas pessoas sentem-se perdidas, desesperadas e com comportamentos que demonstram desconexão com o mundo que as rodeia. É nesta situação de desequilíbrio, em que o sofrimento e a angústia emergem, pondo em causa todos os valores existentes, levando a um questionamento quase permanente, que surge a necessidade de cuidados espirituais, devolvendo ao indivíduo e/ou ajudando-o a encontrar algum sentido para a vida.

Esse significado ou sentido para a vida não se pode dar a ninguém, porque tem de ser encontrado pela própria pessoa, mas cada um pode ser ajudado a encontra-lo. Alguns poderão encontra-lo na religião, outros com a ajuda da família ou amigos, outros através da leitura ou na música (Rego, 2007).

Neste contexto, os enfermeiros assumem uma posição primordial, desenvolvendo intervenções que vão no sentido de ajudar a pessoa na satisfação das suas necessidades espirituais. Necessidades exclusiva do próprio e que devem ser interpretadas e percecionadas de forma única e individual.

Geralmente, na entrevista de acolhimento ou no decurso do processo de cuidados, ou ainda através da utilização de instrumentos de colheita de dados, podemos encontrar nos discursos dos doentes ou familiares, particularidades que são reveladoras de alterações nas necessidades espirituais e que necessitam de uma intervenção especializada. Assim, os enfermeiros devem avaliar essas necessidades com a “mente aberta” (Hermann, 2007) e devem ser capazes de ajudar as pessoas doentes, religiosas ou não, a refletirem sobre as suas necessidades espirituais de um modo mais abrangente.

As necessidades espirituais, que frequentemente os doentes referem, passam pelo seu reconhecido como pessoa, reconciliar-se com a própria vida, buscar um sentido para a sua existência, transcender-se e manter a esperança. Narayanasamy (2001) partilha esta ideia e apresenta as seguintes necessidades espirituais:

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 Necessidade de sentido e objetivo de vida: todo o ser humano busca algo que lhe proporcione sentido à vida e que simultaneamente o motive e ofereça um sentimento de satisfação. Essa busca de sentido é constante, independentemente dos momentos da vida, bons ou de crise, de saúde ou de doença. Porém é principalmente num contexto de sofrimento que esta necessidade espiritual é intensificada, e é nessas situações que as pessoas procuraram encontrar um significado e um objetivo para a sua vida.

Segundo este autor, as pessoas que encontram sentido na sua vida ultrapassam com maior facilidade as circunstâncias difíceis, como a doença e o sofrimento.

 Necessidade de amar e de relacionamentos harmoniosos: sem a intimidade e o conforto criados pela interação com os outros, encontramo-nos privados do toque, da segurança e do amor e consequentemente, pode surgir sentimentos de solidão, insegurança, medo, autopunição e depressão. Todo o ser humano necessita de amar e ser amado e quando a pessoa recebe este tipo de amor experiencia sentimentos de autoconfiança, alegria, segurança, sentimento de pertença, esperança e coragem. “O amor engrandece o espírito humano. Sentir-se amado proporciona um nível de bem-estar extremamente necessário para superar uma situação de doença ou de crise” (Caldeira, 2011, p. 74).

 Necessidade de perdoar: a capacidade de manter o equilíbrio passa pela necessidade de procurar resolver os conflitos da sua vida, isto é, perdoar e ser perdoado. Ao mesmo tempo que as pessoas procuram um significado para as suas experiências de vida, poderão associar defeitos à sua situação e daí surgir sentimentos de culpa. “Os sentimentos de culpa são expressos como sentimentos de paranoia, hostilidade, inutilidade, atitude defensiva, revogação, sintomas psicossomáticos, racionalização, crítica de si mesmo, dos outros e de Deus. No lado oposto, o perdão pode trazer sentimentos de alegria, paz e exaltação” (Narayanasamy, 2001, p.31). Segundo McSherry (2000) os sentimentos de culpa ou os conflitos não resolvidos com as pessoas que são mais significativas irão provocar um desgaste em várias dimensões e vão impossibilitar a pessoa de usufruir de momentos de harmonia e de paz interior.

 Necessidade de uma fonte de esperança: a espiritualidade passa pela busca de uma força interior e de esperança. A fonte de esperança poderá passar pelas crenças e valores pessoais, assim como, pelas crenças religiosas, nomeadamente na crença da vida para além da morte. Essa fonte de esperança promove a força de que precisamos e dá-nos coragem para enfrentar as inúmeras hostilidades presentes numa crise (Narayanasamy, 2001), é algo, que nós esperamos que nos traga satisfação. Portanto é importante explorar,

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junto do doente e da família a sua fonte de esperança, nomeadamente o que lhe dá força e coragem para encarar as dificuldades da vida e ajudá-lo a encontrar a sua paz espiritual.

 Necessidade de criatividade: existem determinados aspetos da vida humana, como a literatura, a arte, a música e outras atividades que promovem a expressão do significado da vida humana, sendo assim, um veículo de comunicação. “Criatividade pode ser inspiradora, elevar as emoções das pessoas e sentir a beleza presente na criação” (McSherry, 2006, p.56). Neste sentido torna-se importante assegurar ao doente a continuidade das suas práticas espirituais, sempre que possível, mesmo em contexto de internamento.

 Necessidade de confiança: a confiança é a pedra basilar para que a relação com o outro seja autêntica e consistente. O individuo é negligenciado quando privado da confiança. Nós sentimo-nos confiantes quando podemos estabelecer uma relação de confiança e fidelidade com os outros, essencial na nossa saúde espiritual e no nosso total bem-estar (Narayanasamy, 2001).

 Necessidade de expressar as crenças e valores pessoais: cada pessoa rege-se pelos seus próprios valores e crenças, e de acordo com esses adota determinados comportamentos. “A espiritualidade refere-se a qualquer coisa que a pessoa considera ser o maior valor na vida” (Narayanasamy, 2001, p.33).

 Necessidade de manter as práticas espirituais e de expressar o seu Deus: as práticas espirituais são as atividades desenvolvidas pela pessoa para promover a sua espiritualidade, não só as de natureza religiosa, mas também as atividades que passam pelo contato pela natureza, pela apreciação de uma música, do contato com os outros que lhes oferecem sentido e significado na vida.

Uma vez expostas as necessidades espirituais apresentadas por Narayanasamy (2001) é ainda de salientar que a abordagem destas deverá ter em conta o desenvolvimento humano, pois estas são vividas de forma particular nas diversas fases do ser humano. Durante a infância, a confiança, o sentir-se amado e a segurança são as necessidades espirituais mais prevalentes. Nesta fase, a criança aprende os conceitos acerca da religião através dos pais ou das pessoas que são mais próximas e em situações de crise, as crianças apresentam uma grande dificuldade em verbalizar as suas necessidades espirituais.

Na adolescência existe uma maior necessidade de procura de significado e de valor na vida. Os conflitos poderão ser mais recorrentes devido ao confronto com os padrões estabelecidos pelos pais, sendo a sua procura de força e de suporte nos grupos de pares. No

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jovem adulto, prevalece a procura de confiança, do amor, da esperança e do perdão. Trata- se de um período onde se experiencia uma elevada tensão, expetativas e luta espiritual, é um tempo de restruturação do campo religioso, de valores morais e éticos, assim como um tempo de reorientação e crescimento da vertente espiritual.

Na meia-idade, um conjunto de acontecimentos caraterísticos desta fase pode levar a pessoa a questionar a sua própria vida, a morte de parentes ou do par, os filhos que saem de casa, a entrada na reforma ou a consciência das suas próprias limitações físicas. Nesta fase são comuns as seguintes necessidades espirituais: a necessidade de sentido e objetivo na vida, a necessidade de perdoar, a necessidade de receber amor e a necessidade de esperança e criatividade.

Por fim, nos idosos os sucessos e insucessos na vida são importantes na renovação das suas crenças religiosas e crenças espirituais. Os idosos experienciam um autoconceito mais positivo como resultado de um sentimento de cumprimento e de valor perante a vida. A procura das relações sociais e espirituais poderá passar pela filiação religiosa, sendo assim, a igreja e a religião promotoras de sentimentos de esperança e de propósito na vida dos idosos.

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