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A noção: dos conceitos aos domínios

2.2 As noções e as palavras

As noções apesar de serem percebidas dentro da TOPE por meio de palavras, não são equivalentes ao conjunto lexical de uma dada língua. O problema que se instaura aqui é o de procurar por propriedades gerais e estáveis que são encontradas, de qualquer forma, por meio do estudo de fenômenos sempre observados no contexto de línguas específicas por meio de conjuntos lexicais.

Se por um lado estar-se-á lidando aqui com a estrutura de um sistema organizado de propriedades físico-culturais, por outro, esse não é um fato generalizável. Se o procedimento acarreta em mostrar que por trás dessas representações há propriedades generalizáveis, isto é generalizável. Para a gramática, o mesmo se aplica, pois se se estudam noções gramaticais como “descobridoras” de categorias, estar-se-á tratando com um dado generalizável.

No tocante às noções, Culioli deixa clara sua preocupação em relação às propriedades e relações que envolvem as mesmas, portanto, ele ressalta em seus estudos que, a priori, sua busca pelas noções se restringe ao campo das ocorrências, ou seja, seu foco é o estudo do comportamento verbalizado da atividade cognitiva, cujo material é a língua, e assim, necessariamente, o texto, e também a palavra.

Com a ironia que lhe é peculiar, esse mesmo lingüista é categórico ao afirmar que sua preocupação aqui não é ver como as pessoas ensinam a amarrar os sapatos sem a verbalização, logo, a ele, interessa muito mais o estudo de algo do tipo:

A: “Está é uma mochila”

B: “Eu chamaria de pasta, mochila é mais para estudantes”

Logo, ele enfatiza que nessa situação enunciativa pode-se observar que a todo momento estão emergindo palavras, bem como, expressões discursivas cujo intuito é o de expressar o pensamento humano, fato este que mostra a preocupação que se tem em ajustar e arranjar a comunicação.

Ainda para Culioli são justamente as ocorrências de noções que proporcionam todo este trabalho feito por ocasião desta preocupação, pois para ele, são as palavras e os textos que nos dão acesso às noções, embora, como já dissemos várias vezes neste texto, não há qualquer equivalência entre palavra e noção. Aliás, esta é um grande característica das noções: a falta de equivalência entre elas e as significações que as representam.

Talvez, dizer que construímos noções (no sentido de que elas não são um dado, mas sim um trabalho lingüístico) por meio de ocorrências de noções, seja um dos maiores esclarecimentos que podemos dar a respeito da questão aqui neste trabalho. Por outro lado, também não se pode deixar de mencionar que, por toda a experiência cognitiva abordada nos estudos lingüísticos dessa ordem, os tipos (no caso os três já mencionados e explanados anteriormente: , e ) são os que proporcionam a comparação entre ocorrências e o próprio tipo nocional.

Teoricamente é correto afirmar que há ocorrências pertencentes ao universo fenomenológico: são ocorrências ditas empíricas. Elas são sempre ocorrências de algo por serem ocorrências de uma noção parcialmente construída. E ainda, ocorrências são comparadas a um tipo que nunca é estabilizado mas que existe em relação a outras noções. A partir disso, ocorrências ditas abstratas podem ser construídas.

Tomando uma criança como exemplo, percebemos que mesmo antes da fala (ato da verbalização) ela sabe como fazer várias coisas (cortar um pedaço de papel por

exemplo mesmo antes de ser capaz de dizer: “veja como eu sei cortar esse pedaço de papel”). Logo, isso o que acabamos de descrever, prova que todo ato pode representar algo independentemente da verbalização, pois o ato pode representar a si próprio. Ainda nesse assunto, Culioli ressalta que a única distinção que deve ser feita é entre “saber como designar” e “saber como representar”.

Um outro exemplo:

Ao diferenciarmos um cachorro de um lobo por meio de oposições do tipo: um vive em casas e o outro nas florestas, estamos construindo uma noção.

Portanto, podemos dizer que: “as ocorrências de uma noção são dispersas no sentido que elas são representações ao mesmo tempo que representam uma dispersão desde que cada uma das ocorrências tenha propriedades próprias”. (CULIOLI, 1995, p.42)

Culioli, ainda dentro do universo das noções, faz uma consideração sobre os tipos, ou seja, o arquétipo, o protótipo, estereótipo e o tipo ø.

Na atividade simbólica da espécie humana, a construção daquilo que foi denominado “protótipo” parece ser fundamental e inato, principalmente se consideramos que a origem do termo “proto” refere-se àquilo que é primeiro, primordial, logo, grande parte da atividade cognitiva humana é encontrada na capacidade de saber como isolar as propriedades pertinentes que capacitam o homem a comparar eventos, aparentemente não relacionados a tipos, fato este que nos permite construir representações abstratas (as quais são representativas) separadas da realidade. De fato, Culioli bem observa que não é possível haver qualquer atividade simbólica sem esse tipo de habilidade.

Os arquétipos são, de acordo com Culioli, tipos primitivos que se encontram nos seres humanos e são associados a problemas metafísicos.

Já os estereótipos são tipos que têm sido constantemente alterados por causa do preconceito originando em cultura.

1. a noção de uma ocorrência é uma ocorrência de alguma coisa. 2. a noção de uma ocorrência está relacionada à noção de tipos. 3. a elaboração de um tipo nunca chega a um fim e, por isso,

4. a conseqüência que podemos tirar de 3 é que há uma tipificação contínua. 5. os tipos são sempre sujeitos para uma forma de regulação, a qual é uma atividade da linguagem, como conseqüência também.

3 Uma primeira conclusão

Os estudos de Culioli sobre o campo nocional, além de demonstrarem que toda noção supõe uma seqüência de determinações (1987a), também mostram que há duas principais formas de referenciação, as quais caracterizam a noção: a primeira é uma ramificação resultante de relações internocionais criadas pelos enunciadores e a segunda refere-se às propriedades físicas, culturais e antropológicas inter-relacionadas de forma a se referirem à multiplicidade de virtualidades, isto é, a um “domínio nocional”.

4 Domínios Nocionais

Apesar de simplista, dizer que um domínio nocional é o domínio das ocorrências de uma noção, define exatamente a centralidade dos estudos referentes aos domínios nocionais dentro da TOPE, pois o foco deste tipo de estudo é analisar as representações nocionais com vistas à construção de um domínio nocional centrado.

Em linhas gerais, os domínios nocionais são constituídos por ocorrências abstratas de uma noção tipificada, sendo que cada ocorrência possível e imaginável é intercambiável e identificável com outra ocorrência qualitativamente identificável.

Vale ressaltar a importância em se saber individualizar e distinguir ocorrências mesmo sendo elas qualitativamente uniformes (ainda que a uniformidade esteja sempre

sujeita à influência de relações intersubjetivas), intercambiáveis e identificáveis umas com as outras.

Emerge aqui um ponto crucial: o fato das ocorrências serem identificáveis umas com as outras não faz com que elas sejam idênticas, pois mesmo sendo todos os seres humanos capazes de classificar e tipificar, não significa que classificação e tipificação serão feitas por todos os membros humanos de uma determinada comunidade.